Em 13 pontos, o advogado Ronaldo Pagotto destrincha o movimento de caminhoneiros e explica que o problema é muito mais complexo do que parece ser.
Ronaldo Pagotto
Fonte: Fórum
Data original da publicação: 24/05/2018
1. O tema da vez são as consequências da política econômica e a liberalização dos preços para alavancar a Petrobras.
2. Mais profundamente diz respeito aos impactos das políticas antinacionais. Tais como a política de preços atrelada os preço do barril de petróleo internacional, a redução do refino interno, a maior dependência da importação de gasolina e diesel (acentuando o papel de exportação de matéria prima).
3. O setor de transporte de cargas comporta 4 perfis (no mínimo). O da empresa de frete, o da empresa com estrutura própria de entregas, o do autônomo (proprietário do próprio caminhão) e o autônomo que tem dois ou mais caminhões e emprega o motorista (com relação de emprego formal, ou como sócio de um pacote de entregas ou a informalidade pura).
4. Esses 4 perfis passaram por mudanças desde 2003. O crescimento econômico do país, com o fortalecimento do mercado interno em todas as regiões alimentou um fortalecimento da área de transporte de cargas. Além desse quadro houve um estímulo público com políticas de financiamento do BNDES para aquisição de caminhões e carretas. Isso possibilitou que muitos empregados, sócios informais (meeiros das cargas), informais e outros passassem a ser proprietários do próprio caminhão. Isso cresceu MUITO.
5. Entre 2012 e 2015 o governo se esforçou para emplacar uma legislação protetiva do trabalhador do ramo, marcado por muito adoecimento, acidentes de trabalho, uso de drogas , alcoolismo, estímulo a prostituição etc. Eles – motoristas em geral – foram pro pau CONTRA os dispositivos protetivos. Vê-se, por esse e outros fatos, que o patronato tem uma influência absoluta na área. Isso resultou na lei 13.103/15, com muitas concessões diante da pressão antiprotetiva.
5.1. Essa direção do patronato é um problema se vários setores de serviços e não deve ser avaliado como uma peculiaridade dos motoristas de carga.
6. O problema do aumento dos preços nas bombas (quase 60 ocorrências de aumento desde a mudança com o Temer – Parente – Serra – Meireles assumiram). Essa alta causa impacto importante no consumo de gás de cozinha, o que tem ampliado o uso de lenha (desmatamento, especialmente na caatinga). Mas a reação é meio caótica em razão de envolver muitos setores: povão pelo preço do gás, setores médios que usam carro próprio, profissionais que usam veículo, transportadores (ubers, caminhões, etc). Mas por ora só os caminhoneiros saíram as ruas.
7. A narrativa está em disputa. Nós, de um lado, tratamos como consequência da política neoliberal do Temer, Parente, Meireles e Serra com os preços do combustível e gás. Mas, parte dos motoristas – e da direita – estão emplacando a leitura de que o problema são os impostos aplicados ao setor. Isso está em plena disputa.
8. Sobre os impactos antinacionais bastaria observar o volume de importação de diesel, gasolina e outros. Em 2017, essa importação superou 15% de tudo o que importamos. A maior parte é dos EUA. Baita relação colonial das trocas desiguais – vendemos matérias primas e compramos produtos da indústria.
9. A venda de carretas no Brasil tem como carro chefe a empresa Randon (RS). A capacidade instalada de fabricação de grandes carretas é de 250 carretas/mês. Entre 2016 e janeiro de 2018, a empresa operou com 60/mês. Desde fevereiro desse ano a produção subiu para 150 mensais. A empresa vende hoje para entregar em no mínimo 6 meses. Conheço um vendedor dessas carretas que afirma mal ter visto a crise e está em alta hoje.
10. O problema do aumento dos preços tem um impacto em diversos setores e classes sociais. A reação é a expressão disso. O Central é observar que se trata de um problema decorrente da política econômica – liberalizante – e da política de preços da Petrobras. A empresa não teve prejuízos por aplicar a política de controle dos preços! Isso é a visão do mercado. A empresa é uma estatal e sua política é um misto de política de mercado com política de Estado. Adotar uma política de Estado com relação a um setor nevrálgico da economia – como combustível e gás de cozinha – é um dos componentes mais estratégicos de uma política soberana e nacional. Isso – POR ÓBVIO – deve se sobrepor a política de mercado da empresa – buscando melhorar os EBITDAs, valorização das ações, distribuição de lucros, aumento do fluxo de caixa, etc, etc. Esse é outro tema em disputa nesse momento – o papel de uma empresa PÚBLICA na economia nacional.
11. Esse movimento é dirigido por setores que querem redução dos preços (isso unifica amplamente), mas querem isso via redução dos impostos. E entra em cena um setor muito espertalhão para pautar a maior autonomia da Petrobras – quiçá privatizar toda a empresa.
12. As ações estão espalhadas e podem ser resumidas em 3 tipos: lockout (greve de patrões), paralisação de autônomos e os que param por pressão/ameaça/agressão. Não podemos resumir a uma greve proletária, mas tampouco apenas a um lockout (locaute) patronal. É mais complexo. E o fato de ser dirigida por quem tem mais força dentre eles – e suas diferenças – ser de direita não tira a importância da luta contra uma política econômica equivocada (criminosa) do Estado e da Petrobras.
13. O fato da disputa dos rumos dessa ação não ser muito favorável a nós, não podemos ajudar os setores conservadores nos omitindo ou rotulando como ação patronal de cozinhas. Isso só nos distancia dos problemas e contradições reais (a realidade é sempre mais complexa do que os livros – e especialmente os manuais – ensinam).
Ronaldo Pagotto é advogado, dirigente da Consulta Popular.