O que perpetua a ‘economia do 1%’, segundo relatório da ONG britânica Oxfam

Na véspera do início do encontro anual do Fórum Econômico Mundial, a organização não-governamental britânica Oxfam apresentou um levantamento sobre a desigualdade no mundo. O documento, que ganhou destaque ao mostrar que oito homens possuem a mesma riqueza que a metade mais pobre da população mundial, foi divulgado justamente em Davos, sede do fórum que reúne empresários, investidores, políticos e personalidades anualmente nos alpes suíços.

O objetivo da instituição é chamar atenção de que o crescimento mundial tem beneficiado os mais ricos. O relatório divulgado na segunda-feira (16/01) pede aos líderes mundiais que construam um modelo econômico que funcione para 99% das pessoas. O 1% mais rico tem, desde 2015, mais dinheiro que o restante da população.

A Oxfam alega que embora líderes mundiais tenham assumido compromisso com a diminuição de desigualdades, isso não vem acontecendo. Desigualdades, segundo o relatório, são perpetuadas com a conivência de governos de todo o mundo.

Algumas conclusões do relatório

  • Oito homens têm a mesma riqueza que a metade mais pobre da população mundial
  • O salário de um executivo de uma grande empresa é o mesmo que o de 10 mil trabalhadores de confecções de roupa em Bangladesh
  • Produtores de cacau ficam com 6% do valor de uma barra de chocolate
  • O diretor de uma empresa de informática da Índia ganha 416 vezes o salário médio de um funcionário
  • O homem mais rico do Vietnã ganha mais em um dia que o mais pobre em dez anos

A conclusão da ONG é que sem mudanças em políticas públicas não será possível erradicar a pobreza no mundo até 2030 – objetivo anunciado pela Organização das Nações Unidas. O aumento das fortunas dos super-ricos é um entrave para acabar com a pobreza.

Um exemplo descrito no estudo sobre a perpetuação da riqueza e a conivência de governos com elas é a transmissão de heranças. Segundo o levantamento, nos próximos 20 anos, apenas 500 pessoas no mundo passarão a seus descendentes fortunas estimadas em US$ 2,1 trilhões. Isso é mais que o PIB do Brasil, que somou US$ 1,77 trilhão em 2015.

A Oxfam foi fundada em Oxford, na Inglaterra, durante a Segunda Guerra Mundial para combater a fome no país. Atualmente, são 17 organizações com atuação em mais de 100 países.

A origem da desigualdade

O estudo defende que o mundo vive a era das empresas. Em termos de receitas, elas são 69 das 100 maiores entidades do mundo – e isso inclui uma comparação com países.  A tese é que, superpoderosas, elas trabalham pela manutenção de regras que as beneficiam. Com isso, a riqueza gerada não é compartilhada com quem a produz, mas com os acionistas.

As práticas seriam, frequentemente, de obtenção de margens altas de lucro minimizando os gastos com, por exemplo, mão de obra. “O arrocho salarial impulsiona a desigualdade e implica grandes custos humanos”, diz um trecho do relatório.

Tudo isso é feito para justificar a política de lucro máximo aos acionistas. Alguns deles se transformam no que o estudo chama de “super-ricos”, pessoas que tem dinheiro suficiente para ter acesso a retornos não disponíveis em investimentos ao cidadão comum.

As premissas que perpetuam a desigualdade

Países menos desiguais crescem mais e por mais tempo, segundo o estudo, mas o crescimento da economia não é um objetivo das grandes empresas. A ascensão delas e de super-ricos ajuda na perpetuação da desigualdade já que o poder de influência deles também aumenta e passam a trabalhar pela manutenção do status.

O estudo chama a política de “economia do 1%”, feita para manter os privilégios dos mais ricos. Ela estaria baseada em falsas premissas que apenas mantêm o quadro mundial. O Nexo mostra duas das listadas pelo estudo da ONG.

Falsas premissas

Governo mínimo e mercado tem razão
O estudo defende que, sem controle, o mercado não é a melhor maneira de organizar a vida das pessoas. Os agentes do mercado usam sua influência para diminuir regulamentações e crescer de “forma totalmente desproporcional à sua utilidade para a sociedade”.

Empresas devem buscar lucro máximo
O modelo atual é baseado em mega companhias que têm gastos cada vez menores com impostos e salários e dividem lucros cada vez maiores com acionistas. Isso aumentaria desproporcionalmente os rendimentos dos que já são ricos deixando de lado os trabalhadores, agricultores, consumidores, fornecedores e o meio ambiente. “O estímulo à maximização de lucros no setor farmacêutico, por exemplo, muitas vezes leva as empresas a cobrar o maior preço possível pelos medicamentos”, exemplifica.

Como reverter a concentração

Para quebrar esse ciclo de enriquecimento dos super-ricos, a Oxfam argumenta que os governos precisam agir com políticas que satisfaçam as necessidades coletivas. O problema, segundo o relatório, é que os governos “tendem a relutar em intervir” por serem “pouco mais que uma extensão do poder das elites”. O jogo eleitoral não seria suficiente para mudar a lógica já que “o dinheiro costuma falar muito mais alto que o voto”.

A reversão teria de começar com a ampliação da participação popular no jogo democrático, com a preservação do espaço cívico e a inclusão das mulheres. Só assim seria possível “garantir qu

Papel do governo
O governo é o “prestador mais eficiente e eficaz dos serviços públicos”. Eles devem aumentar a cobrança de impostos progressivos – com taxas mais altas para os mais ricos – para tornar a sociedade menos desigual. Os governos devem investir na criação de empregos e regulamentar a atividade de lobby.

Críticas ao estudo

O estudo da Oxfam já provocou controvérsia. O Instituto Mercado Popular, laboratório de políticas públicas com ideias liberalizantes para economia, contesta informações presentes no relatório que comprovariam o aumento da desigualdade no mundo. Segundo o pesquisador-chefe do Instituto, “a evidência empírica mais concreta aponta que a desigualdade no mundo vem caindo”.

A crítica diz que o estudo foi construído sobre uma base estatística “frágil” já que a maioria dos países não têm dados sobre estoques de riqueza – que é diferente de renda, que é o dinheiro recebido por um determinado período de tempo. Além disso, o instituto diz que é preciso separar as causas da desigualdade. A desigualdade que deve ser combatida, na visão da entidade, é a que é fruto de privilégios, aquela em que a riqueza não é fruto da inventividade ou do valor gerado à sociedade.

Fonte: Nexo Jornal
Texto: José Roberto Castro
Data original da publicação: 16/01/2017

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