Empresas quebradas, desemprego, cadeias produtivas rompidas. Economias regionais sofrem. Em dados, tudo o que foi perdido. Parcialidade da Lava Jato está clara, que tal rever também decisões que golpearam nossa maior empresa.
José Álvaro de Lima Cardoso
Fonte: Outras Palavras
Data original da publicação: 24/03/2021
Estamos no sétimo ano seguido de estagnação ou recessão na economia e, a partir de 2016, explodiu a pobreza no país. Isso é fruto direto do golpe, portanto dos efeitos da operação Lava Jato. A Lava Jato foi uma engrenagem fundamental tanto para o impeachment em 2016, quanto para a fraude eleitoral de 2018, dois momentos chaves do golpe. A Lava Jato era propagandeada como a maior operação anticorrupção do mundo, mas ela mesma se revelou um crime de grandes proporções. O caso Watergate (1973), que derrubou o presidente Richard Nixon nos EUA, pode ser considerado discreto, quando comparado com a Lava Jato. Principalmente em termos de impacto na sociedade e na economia. Os envolvidos na Lava Jato praticamente destruíram um país para retirar uma força política do poder, a serviço da maior e mais beligerante potência estrangeira.
Num dos vazamentos das conversas entre os integrantes da operação, ocorridos mais recentemente, o chefe da operação, Deltan Dallagnol, pronuncia uma frase muito emblemática, praticamente uma síntese da Lava Jato. Em abril de 2018, quando os procuradores souberam do mandato de prisão do ex-presidente Lula, Dallagnol comemorou, dizendo: “é um presente da CIA”.
A partir da Vaza Jato, em 2019, ficou evidente, fácil de entender, porque não queriam tornar públicos os arquivos da Operação: são confissões de autênticos criminosos. Quando surgiram as denúncias da Vaza Jato, em 2019, num determinado momento, enquanto o país aguardava mais um capítulo da série “The Intercept Brasil – As Mensagens Secretas da Lava Jato”, Sérgio Moro viajou para os Estados Unidos, como Ministro da Justiça e Segurança Pública, sem previsão na agenda, para “fazer visitas técnicas a instituições”. Claro, pego completamente com a boca na botija, foi ouvir orientações dos seus mentores e chefes nos EUA.
Os prejuízos da Lava Jato no campo da democracia e do Estado Democrático de Direito são incalculáveis. É ilusão achar que a gente ainda vive a democracia “meia boca”, que vigorava antes do golpe. Nem isso existe mais. Lógico, se colocam o presidente mais importante da história do país na cadeia, sem nenhuma prova, imaginem o que podem fazer com qualquer um de nós?
Mas não foi só a frágil democracia que foi esfacelada. Conforme estudo recente do Dieese (Implicações econômicas intersetoriais da Operação Lava Jato) a Operação estadunidense quebrou também a economia brasileira. O estudo mostra que por conta da farsa montada com a Lava Jato, R$ 172,2 bilhões deixaram de ser investidos no País, soma equivalente a 40 vezes os R$ 4,3 bilhões que a Lava Jato informa afirma ter recuperado para os cofres públicos. A Lava Jato, que visava atingir a maior empresa do Brasil e da América Latina, levou a uma crise inusitada no setor de petróleo e gás, e a uma queda drástica da taxa de investimentos. Os estadunidenses quando perceberam que podiam quebrar, além da Petrobrás, o entorno da empresa, não tiveram dúvidas. Petróleo e gás, e construção civil concorrem diretamente com as empresas norte-americanas. Mais tarde fizeram a operação “carne fraca” para pegar a indústria da alimentação.
A partir do segundo semestre de 2014, há quase seis anos, quando começou a pancadaria para cima da Petrobrás, o Escritório Regional do DIEESE em Santa Catarina, realizou uns 12 ou mais seminários nas mesorregiões catarinenses (são seis), para discutir Petrobrás, Lava Jato e o golpe. Se chamavam: Conjuntura econômica nacional: Petrobrás no olho do furacão. Era uma batalha de David contra Golias: fazíamos um seminário de tarde toda, com 50 ou 60 pessoas; no mesmo dia à noite a Rede Globo destruía a Petrobrás em 20 minutos de matéria, para cerca de 100 milhões de pessoas. Usando os recursos mais sofisticados de comunicação.
Nos seminários (realizados principalmente no primeiro semestre de 2015) os dados que divulgávamos, da empresa, eram do seguinte tipo:
> A Petrobrás ultrapassou, em 2014, a norte-americana, EXXON MOBBIL, como a maior produtora de petróleo do mundo, entre as companhias petrolíferas de capital aberto;
> O EBITDA (potencial de geração de caixa de uma empresa) do 1S-2015 foi de R$ 41,2 bilhões, 35% superior em relação ao 1S-2014;
> A empresa investe mais de 100 bilhões de reais por ano;
> Paga mais de R$ 72 bilhões em impostos para o Brasil;
> Opera uma frota de 326 navios, tem 35.000 quilômetros de dutos, mais de 17 bilhões de barris em reservas, 15 refinarias e 134 plataformas de produção de gás e de petróleo;
> Aumento de 80% na produção do pré-sal no último ano;
> Responde por mais de 10% de todo o investimento brasileiro em 2014
> Tem o maior plano de investimentos em curso no século XXI, feito por uma única corporação: cerca de U$ 200 bilhões de dólares seriam aplicados em exploração e produção entre 2015 e 2019 (um trilhão de reais ao câmbio atual);
> Opera o maior número de plataformas flutuantes de produção do mundo: 110 unidades de produção na costa marítima brasileira (offshore), 45 flutuantes; quatro plataformas do tipo FSO, que apenas armazenam e transferem petróleo;
> A participação do setor de Óleo e Gás no PIB do país, que era de apenas 2% em 2000, em 2015 é de 13%;
Com esses seminários, nossa tentava era a de explicar que a Operação Lava Jato tinha sido desencadeada por causa destes números e não porque a Petrobrás estivesse quebrada. Mas estava (está) em curso uma guerra híbrida, de força avassaladora, de mentiras e contrainformações, visando tornar a empresa insignificante no jogo internacional do petróleo. E que conta com muitos aliados dentro do Brasil.
A avaliação que estava por detrás da realização daqueles seminários era a que de a Petrobrás seria o nosso passaporte para o desenvolvimento. Com a descoberta do pré-sal, e com a Lei de Partilha, votada em 2010, a empresa se tornou uma zeladora constitucional e natural, da maior riqueza natural que o povo brasileiro dispõe neste momento, que é o petróleo e o gás, para se construir um projeto de desenvolvimento nacional.
Infelizmente, 100% das nossas conclusões nesses seminários estavam corretas. Alguns diziam que a gente estava se dobrando à “teoria da conspiração”. Como se não existisse conspiração no mundo, ou como se os EUA nunca tivessem dado golpes em nenhum país, e fizessem tudo às claras e com as melhores intenções. Tem um aspecto que é central em toda a operação Lava Jato: a estratégia dos EUA para a América Latina é impedir o surgimento de potências regionais, especialmente em áreas com abundância de recursos naturais, como é o caso do Brasil. O modelo dos norte-americanos, proposto para a região é o de países com Forças Armadas limitadas, incapazes de defender suas riquezas naturais, especialmente o petróleo.
A partir do anúncio do pré-sal pelo Brasil, em 2006, os EUA reativaram a 4ª Frota Naval, dedicada a policiar o Atlântico Sul e rejeitaram a resolução da ONU que garantia o direito brasileiro às 200 milhas continentais. A proposta dos americanos, e dos entreguistas, sempre foi tirar a Petrobrás do caminho e possibilitar às multinacionais do petróleo a apropriação dos bilionários recursos existentes no pré-sal que, no limite, podem chegar a quantidades próximas à Venezuela e Arábia Saudita. Quando a Petrobrás anunciou o pré-sal, os críticos, bafejados pelas multinacionais do petróleo, diziam que o petróleo naquelas profundidades não teria viabilidade comercial. Chegaria tão caro na superfície, em função do custo de extração, que não teria viabilidade comercial. Hoje os custos de extração do barril do petróleo, do pré-sal, estão a US$ 5, praticamente o custo da Arábia Saudita, que retira petróleo praticamente à flor da terra.
Muitos observadores não querem dizer o óbvio, por medo (porque se trata dos EUA, o país mais poderoso da Terra), ou senso de autopreservação. Mas o que se sabe é que os Estados Unidos para continuar na condição de potência, depende crescentemente dos recursos naturais da América Latina e, por esta razão, não quer perder o controle político e econômico da região. Uma das lições do golpe no Brasil é que se a gente quiser ter um país soberano tem que construir as condições geopolíticas e militares para isso. Especialmente quando se trata de um produto para o qual não existe substituto no curto prazo (por mais que isso soe desagradável).
A Petrobrás foi o alvo central da operação, porque se trata de petróleo: produto fundamental e maior causador de todos os conflitos bélicos nos últimos 100 ou 150 anos e sem substituto no curto prazo, como fonte de energia e matéria-prima da indústria. Além disso, como já falaram alguns economistas, a Petrobrás não é uma empresa e sim uma nação amiga: é a maior companhia da América Latina, produzia, em 2013, 2,6 milhões de barris de petróleo diários, tinha uma força de trabalho de mais de 100 mil trabalhadores, operava em 25 países, tinha um lucro de R$ 23,6 bilhões e era a 13ª maior companhia de petróleo do mundo no ranking da revista Forbes.
José Álvaro de Lima Cardoso é Economista, doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, supervisor técnico do escritório regional do DIEESE em Santa Catarina.