O que há por trás da (falsa) estabilidade do desemprego

A economia registrou no segundo trimestre deste ano o número mais baixo de pessoas empregadas ou exercendo alguma ocupação em toda a série histórica da PNADC, iniciada em 2012.

Lauro Veiga Filho

Fonte: GGN
Data original da publicação: 08/08/2020

Os dados sobre o desemprego no segundo trimestre deste ano, trazidos pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), não parecem guardar relação com o desempenho catastrófico do emprego no mesmo período. Mas não houve erros e nem tentativas de manipulação. Em seu formato “convencional”, a pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que o número de pessoas desocupadas naquele trimestre não sofreu variações significativas nos últimos meses e encontrava-se mesmo abaixo dos níveis registrados entre o final de 2018 e início de 2019, quando o total de desempregados variava ao redor de 13,0 milhões de pessoas.

No trimestre móvel encerrado em junho, a PNADC identificou um total de 12,791 milhões de pessoas sem uma ocupação, mas que continuavam na busca por um emprego, não muito diferente dos 12,850 milhões registrados no primeiro trimestre deste ano ou dos 12,766 milhões no segundo trimestre de 2019. A taxa de desemprego avançou de 12,0% para 12,2% entre o segundo trimestre de 2019 e o primeiro deste ano, alcançando 13,3% no trimestre abril-junho deste ano. Mas o emprego sofreu uma devastação.

Parece exagero, mas nem tanto. A economia registrou no segundo trimestre deste ano o número mais baixo de pessoas empregadas ou exercendo alguma ocupação em toda a série histórica da PNADC, iniciada em 2012. Portanto, o total de ocupados ficou mais baixo até mesmo do que nas fases mais duras da recessão de 2014/16. Os dados concretos mostram exatamente isso. Em junho, considerando o trimestre encerrado naquele mês, a pesquisa registrou 83,347 milhões de pessoas ocupadas, quase 10,0 milhões a menos do que no mesmo trimestre de 2019. Mais precisamente, os cortes atingiram 9,995 milhões de pessoas, considerando que haviam 93,342 milhões ocupados no segundo trimestre de 2019 – ou seja, um tombo de 10,7%. A maior parte desses cortes ocorreram entre o primeiro trimestre e o segundo, quando foram perdidos 8,876 milhões de empregos, numa queda de 9,6%.

Queda contínua

A pesquisa mostra ainda que o mercado continuou a encolher de maio para junho, o que sugere que a retomada das atividades em diversas regiões do País não trouxe até aqui o alívio esperado pelos defensores do afrouxamento nas medidas de distanciamento social. No trimestre móvel finalizado em maio, a pesquisa apontava 85,936 milhões de pessoas ocupadas. Portanto, mais 2,589 milhões delas perderam a ocupação na passagem para o trimestre encerrado em junho, numa redução de 3,0% no período. Mas o que explica o fato de o desemprego não ter crescido ao menos proporcionalmente à redução registrada pelo emprego?

A explicação está no aumento do número de pessoas que estão atualmente fora do mercado de trabalho, ou seja, que perderam o emprego por conta da crise e desistiram de procurar nova colocação, o que significa dizer que a estatística puramente de desemprego passou a não refletir de forma mais acurada o que está ocorrendo nesta área. O número de trabalhadores fora da força de trabalho alcançou níveis históricos no segundo trimestre, somando 77,781 milhões de pessoas, frente a 64,756 milhões em igual período do ano passado, ou seja, 13,024 milhões a mais, num salto de 20,1%. Seja porque parte dessas pessoas desistiu de buscar emprego por conta das medidas de afastamento social, seja por falta mesmo de opções no local onde vivem.

Uma medida mais adequada talvez seja a taxa de subutilização dos trabalhadores. Nessa categoria, incluem-se os desempregados, as pessoas que trabalham números de horas abaixo do que desejariam, em subempregos ou que estão na chamada força de trabalho potencial (quer dizer, estão desocupadas, não puderam ou decidiram não procurar uma ocupação, mas gostariam de trabalhar). A taxa de subutilização, de acordo com a pesquisa, havia recuado ligeiramente de 24,8% para 24,4% entre o segundo trimestre de 2019 e o primeiro deste ano. Mas avançou até 29,1% no segundo trimestre de 2020, a taxa mais alta desde quando o IBGE passou a fazer a pesquisa contínua. Por trás desses índices, estavam, até junho, 31,946 milhões de trabalhadores, num aumento de 15,7% em relação ao primeiro trimestre deste ano (4,326 milhões a mais, considerando-se que eram 27,620 milhões em março).

Para completar o cenário, o total de pessoas em situação de desalento, por falta de opções, cresceu 19,1% entre os dois primeiros trimestres deste ano, avançando de 4,770 milhões para 5,683 milhões (913,0 mil a mais). A pesquisa jamais havia identificado número de desalentados tão elevado desde que foi iniciada.

Desamparo

Como esperado, praticamente 78,0% da redução observada no total de ocupados entre março e junho (sempre considerando os trimestres móveis terminados naqueles dois meses) podem ser explicados pela queda no emprego entre trabalhadores mais desamparados, sem carteira, sem registro no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) ou que prestavam serviços não remunerados para as famílias. Em conjunto, aquelas categorias registravam 39,148 milhões de pessoas até março, caindo para 32,231 milhões em junho (6,917 milhões a menos).

Não por coincidência, os trabalhadores no comércio, em oficinas mecânicas e nos demais serviços, incluindo empregados e empregadas domésticas, foram reduzidos em 9,7%, de 65,712 milhões no primeiro trimestre do ano para 59,307 milhões no trimestre seguinte, com demissão de 6,405 milhões de pessoas (o que correspondeu, por sua vez, a 72,2% do total de demitidos em toda a economia).

Auxílio essencial

O comportamento da massa de rendimentos reais habitualmente recebidos pelos trabalhadores reforça a necessidade de manter o auxílio emergencial, com propósitos humanitários, sem dúvida, mas também porque o pagamento, independente da incompetência na execução dessa política, tem contribuído para evitar quedas mais severas na renda das famílias e, portanto, em toda a atividade econômica.

Sem incluir o auxílio, a massa de rendimentos do trabalho encolheu de R$ 215,537 bilhões em março para R$ 203,519 bilhões em junho, numa perda de R$ 12,017 bilhões (-5,6%). Foi a queda mais severa, na comparação trimestral, em toda a série histórica. Mantido esse comportamento, as perdas tenderiam a comprometer de forma mais drástica as chances de subsistência das famílias mais vulneráveis e as possibilidades de manutenção de algum nível de demanda ao longo da crise.

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