A forma apressada em que o financiamento foi criado revela o seu caráter eleitoreiro.
Guilherme Narciso de Lacerda
Fonte: GGN
Data original da publicação: 26/10/2022
A decisão do governo de criar um crédito consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil é um indignante presente de grego ofertado às famílias mais pobres e sofridas de nosso país. A iniciativa é perversa, pois estimula o endividamento de pessoas que recebem o auxílio como uma última alternativa de sobrevivência.
A forma apressada em que o financiamento foi criado revela o seu caráter eleitoreiro.
A implantação desta linha de crédito para os pobres veio acompanhada do pacote de “bondades” do governo, que correu para ampliar de R$400,00 para R$600,00 o auxílio até dezembro do corrente ano. Para o próximo ano a lei atual estabelece o retorno para o valor anterior de R$400,00. Além destas medidas, o governo decidiu, sem qualquer pudor, antecipar o pagamento do auxílio-gás e os auxílios para os caminhoneiros e taxistas neste mês de outubro. Fazem de tudo às vésperas do primeiro turno. Tudo na tentativa de angariar apoios e votos, driblando a legislação eleitoral. Jamais havia acontecido tamanha desfaçatez! E o pior é que se comete tais ilícitos eleitorais que acabam sendo aceitas com naturalidade.
O consignado do Auxílio Brasil está sendo feito, por enquanto, pela Caixa Econômica Federal e por algumas Instituições financeiras menores. Uma destas entidades credenciadas é a Zema Financeira, ligada ao grupo empresarial da família do atual governador de Minas Gerais, Romeu Zema. A maioria dos financiamentos está sendo feito pela Caixa Econômica Federal. Os grandes bancos brasileiros decidiram não ofertar a linha de crédito. Até eles se sentiram constrangidos a executar um empréstimo que irá penalizar ainda mais as famílias pobres e miseráveis do nosso País.
As taxas de juros cobradas em tal programa são muito elevadas. A taxa mensal máxima a ser cobrada é 3,5%, o que perfaz uma taxa anual de 51,1%. Nestas condições, um empréstimo de R$2.500,00 terá de ser pago em 24 prestações de R$155,00, sem carência, e totalizará o pagamento ao banco de R3.717,00, sem contar outras taxas bancárias e seguros. Ou seja, há uma forte transferência de renda dos brasileiros mais pobres para as instituições financeiras, caracterizando uma ação desumana travestida de bondade.
O Ministério Público junto ao TCU entrou recentemente com questionamento sobre o programa, dado o seu caráter inusitado. Aquela Corte de Contas cobra explicações da Caixa Econômica Federal e recomendou a suspensão do programa.
O caráter eleitoreiro encobre a maldade de se oferecer um financiamento a grupos sociais altamente vulneráveis que buscam o auxílio para comprar bens de primeira necessidade.
Há riscos para os pobres que tomam o empréstimo e eles não estão sendo devidamente esclarecidos. Se, porventura, o tomador perde a condição de beneficiário ele continuará obrigado a pagar a dívida contraída a juros abusivos, que são, inclusive, muito mais altos que aqueles existentes para os empréstimos associados a aposentadorias e pensões.
Enfim, esse “presente de grego” é mais um fator que agravará a vergonhosa realidade social de um país com elevadíssima desigualdade de renda e que assiste milhões de famílias retornarem para baixo da linha da pobreza absoluta.
Guilherme Narciso de Lacerda é doutor em Economia pela Unicamp, mestre em Economia pelo IPE-USP, professor (após.) Departamento de Economia da UFES. Foi diretor do BNDES (2012-2015). Autor do livro “Devagar é que não se vai longe – PPPs e Desenvolvimento Econômico”, publicado pela Editora LetraCapital.