O poder insuspeito das trabalhadoras

Pierre Rimbert

Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil
Data original da publicação: 03/01/2019

De colete amarelo, elas param o tráfego nas rotatórias, falam sobre sua vida cotidiana, lutam. Enfermeiras, auxiliares de vida social e babás também endossaram o paramento fluorescente para rasgar o véu que costuma ocultar o trabalho realizado nos bastidores. Mulheres e trabalhadoras, com dupla jornada de trabalho e renda modesta, elas tentam penosamente manter de pé o alicerce apodrecido do Estado de bem-estar social.

E por uma boa razão: os setores predominantemente femininos da educação, do cuidado, do trabalho social e da limpeza constituem a pedra angular invisível das sociedades liberais e também seus batedores de retaguarda. A suspensão desses serviços essenciais poderia paralisar um país. Quem se ocuparia das pessoas dependentes, dos bebês, da limpeza, das crianças? Contratar fura-greves ou mandar as forças da ordem para liberar os bloqueios, desta vez, não serviria de nada: a academia de polícia não ensina a dar banho em idosos. Transferidas, no século passado, do universo familiar, religioso ou da caridade para o mundo do trabalho assalariado, essas tarefas só passam a ser enxergadas quando deixam de ser feitas. Rebaixar as condições dessas trabalhadoras consideradas fortes e pacientes, enquanto a demanda cresce, só pode resultar em colapso. Funcionárias da limpeza dos hotéis e estações ferroviárias, auxiliares de vida social, funcionárias de residências para idosos dependentes, pessoal hospitalar – uma após a outra, essas categorias estão, desde o final de 2017, iniciando batalhas ferozes, normalmente vitoriosas.

A figura do mineiro ou do operário fabril, pai de família responsável por sua única renda, tornou-se um símbolo tão poderoso da classe trabalhadora durante o século XX que até hoje as classes populares são associadas aos homens. Quem pensa espontaneamente nas trabalhadoras quando se fala em proletariado? É verdade que os operários, há muito tempo colocados pela mídia na galeria das espécies sociais extintas, ainda representam um em cada cinco trabalhadores. Mas a feminização do mundo do trabalho é uma das revoluções mais radicais operadas no último meio século, sobretudo na base da pirâmide social. Na França, as mulheres representam 51% dos trabalhadores populares, entre serviço braçal e de escritório; em 1968, a proporção era de 35%. Nesse meio século, o número de empregos masculinos praticamente não mudou: 13,3 milhões em 1968 contra 13,7 milhões em 2017; no mesmo período, os postos de trabalho ocupados por mulheres aumentaram de 7,1 milhões para 12,9 milhões. Em outras palavras, quase toda a força de trabalho recrutada nos últimos cinquenta anos é do sexo feminino – em condições mais precárias e recebendo um salário 25% menor para a mesma função. Sozinhas, as mulheres empregadas nas atividades médico-sociais e educacionais quadruplicaram seu efetivo: de 500 mil para 2 milhões entre 1968 e 2017 – isso sem contar as professoras que atuam no ensino fundamental II, no ensino médio e no ensino superior.

Enquanto, no século XIX, a ascensão do proletariado industrial determinou a estratégia do movimento trabalhador, o prodigioso desenvolvimento dos serviços à vida predominantemente assumidos pelas mulheres, seu poder potencial de bloqueio e o surgimento de conflitos sociais vitoriosos não tiveram, até agora, uma tradução política ou sindical. Mas, sob tal pressão, a crosta começa a rachar, e duas questões se colocam: em que condições esses setores seriam capazes de realizar seu poder insuspeito? Conseguiriam eles se organizar em um grupo coeso forte e formar uma aliança social capaz de lançar iniciativas, impor sua relação de forças e mobilizar outros setores em torno de si? À primeira vista, a hipótese parece extravagante. As trabalhadoras dos serviços à vida formam uma nebulosa de estatutos dispersos, condições de trabalho e de vida heteróclitas, locais de trabalho afastados. Mas, assim como a ausência de unidade interna não impediu que o movimento dos “coletes amarelos” ganhasse corpo, os elementos que dividem o proletariado feminino dos serviços parecem ser menos determinantes que seus fatores de agregação – a começar pela força do número e pelo adversário comum.

Das classes populares às classes médias, essas trabalhadoras responsáveis pela manutenção e reprodução da força de trabalho distinguem-se por seus efetivos robustos. Entre elas, há funcionárias de empresas (182 mil trabalhadoras são responsáveis pela limpeza de instalações corporativas), mas principalmente prestadoras de serviços diretos para os indivíduos. São 500 mil empregadas domésticas, 400 mil babás e mais de 115 mil ajudantes domésticas trabalhando, a maior parte das vezes, em domicílio. Um número ainda maior exerce suas funções em instituições públicas: 400 mil cuidadoras, 140 mil auxiliares de puericultura e assistentes médico-psicológicas, e mais de meio milhão de agentes de serviço – sem contar o pessoal administrativo. A esse efetivo feminino, soma-se o masculino, muito minoritário. Esse contingente de trabalhadores mal pago, que atua em horários atípicos e realiza em condições difíceis tarefas pouco valorizadas, trabalha lado a lado, na produção dos serviços à vida, com profissões ditas “intermediárias” da saúde, da área social e da educação. Mais bem remunerados, mais qualificados e mais visíveis, os 2 milhões de trabalhadoras desse grupo em crescimento contínuo atuam como enfermeiras (400 mil), professoras de ensino fundamental (400 mil), puericultoras, animadoras socioculturais, auxiliares de vida escolar, reeducadoras, paramédicas etc.

Obviamente, há um abismo entre uma enfermeira de um hospital público e uma auxiliar de vida sem registro que atua em uma residência particular. Mas esse conjunto heterogêneo, que, contando os homens, reúne mais de um quarto da força de trabalho, contribui para a produção do mesmo recurso coletivo e tem vários pontos em comum. Em primeiro lugar, a própria natureza dos serviços à pessoa, do cuidado, do trabalho social e da educação faz que esses trabalhos, além de serem indispensáveis, não possam ser transferidos para outros países e tenham pouca margem para ser automatizados, pois exigem contato humano prolongado e/ou atenção particular a cada caso. Depois, todos esses setores têm sido afetados pelas políticas de austeridade: das escolas às residências para idosos, suas condições de trabalho se deterioram e os conflitos se multiplicam. Por fim, eles gozam de uma boa reputação entre uma população que pode imaginar viver sem altos-fornos, mas não sem escolas, hospitais, creches ou casas de repouso.

Essa configuração única desenha os contornos de uma coalizão social potencial que poderia reunir o proletariado dos serviços à vida, as profissões intermediárias dos setores médico-sociais e educacionais, além de uma pequena fração das profissões intelectuais, como os professores do ensino fundamental II e do ensino médio.
Contratar fura-greves, desta vez, não serviria de nada: a academia de polícia não ensina a dar banho em idosos.

No coração do conflito

Se a efetivação desse bloco acaba se chocando com muitos obstáculos, talvez seja porque ele raramente tentou superá-los. Apesar do dilúvio de estatísticas, nenhum partido, sindicato ou entidade até agora decidiu colocar essa base de dominância feminina e popular no centro de sua estratégia, ecoar de forma consistente suas preocupações, defender prioritariamente seus interesses. No entanto, os atores mais conscientes e mais bem organizados do movimento operário, agrupados em torno dos ferroviários, dos portos e docas, da eletricidade e da indústria química sabem que as lutas sociais decisivas não poderão estar centradas neles para sempre, como mostrou em 2018 o conflito sobre a reforma das ferrovias. Há quatro décadas eles assistem ao poder político destruir seus bastiões, quebrar seus estatutos, privatizar suas empresas, reduzir seus efetivos, enquanto a mídia associa seu mundo a um ultrapassado pretérito. Em contraste, os setores femininos dos serviços à pessoa e dos serviços públicos sofrem de uma organização frágil e de tradições de luta ainda recentes, mas crescem e ocupam no imaginário um espaço do qual as classes populares foram há muito tempo banidas: o futuro. Enquanto as reflexões sobre as transformações contemporâneas se dividem entre exaltar ou maldizer as multinacionais do Vale do Silício e as plataformas digitais, a feminização maciça do trabalho assalariado impõe uma modernidade talvez tão “disruptiva” quanto a capacidade de tuitar fotos de gatinhos.

Especialmente porque ela deve aumentar. Nos Estados Unidos, a lista do serviço de estatísticas do Departamento do Trabalho com as profissões de maiores perspectivas de crescimento prevê, de um lado, a criação de empregos tipicamente masculinos, como instalador de painéis fotovoltaicos e turbinas eólicas, técnico de plataforma de petróleo, matemático, estatístico, programador; de outro, uma miríade de empregos tradicionalmente ocupados por mulheres, como cuidadora domiciliar, cuidadora, assistente médica, enfermeira, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, massoterapeuta. Para cada milhão de empregos de desenvolvedores computacionais previstos até 2026, há 4 milhões de cuidadoras domiciliares e cuidadoras – com um salário quatro vezes menor.

Duas razões fundamentais impedem que o ex-operário da siderurgia de Pittsburgh, cuja atividade foi deslocalizada para a China, torne-se auxiliar de puericultura. Em primeiro lugar, a fronteira simbólica dos preconceitos, tão profundamente enraizada nas mentes, corpos e instituições, que coloca um muro entre a cultura operária viril e os papéis sociais atribuídos pelos estereótipos patriarcais ao gênero feminino. Mas, além disso, a evasão escolar masculina, que diminui significativamente as possibilidades de reconversão profissional. “Os adolescentes dos países ricos têm 50% mais chances de falhar nas três disciplinas principais: matemática, leitura e ciências”, observou a revista The Economist em uma edição especial sobre os homens intitulada “O sexo frágil” (30 maio 2015). A esse fracasso corresponde um aumento espetacular no nível de instrução feminino, que, inversamente, facilita a mobilidade profissional. Essa grande transformação, que passou despercebida, coloca as mulheres trabalhadoras um pouco mais no centro do universo dos trabalhadores. Desde o final do século passado, a participação das mulheres entre as pessoas com diploma universitário ultrapassou a dos homens: 56% na França, 58% nos Estados Unidos, 66% na Polônia, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Em 2016, 49% das francesas de 25 a 34 anos tinham um diploma de ensino superior curto – equivalente ao técnico superior ou à graduação tecnológica – ou longo – bacharelado, mestrado, doutorado –, contra 38% dos homens. Eles ainda dominam a pesquisa, os ramos de prestígio, as posições de poder e a hierarquia salarial, mas, hoje, a universidade forma uma maioria de mulheres, prontas para ocupar os empregos qualificados, porém pouco prestigiados, da chamada economia dos serviços.

Isso não muda, de fato, a preponderância masculina nas formações relacionadas à matemática, à engenharia da computação e às ciências fundamentais. Resultado: acentua-se uma oposição de gênero e de classe entre dois polos do mundo econômico. De um lado, o universo feminino, cada vez mais qualificado, porém precarizado, cujo centro de gravidade são os serviços médico-socioeducativos. De outro, a bolha burguesa das finanças especulativas e das novas tecnologias, que domina a economia mundial e na qual as taxas de testosterona batem recordes: as jovens empresas do Vale do Silício empregam como engenheiros de computação 88% de homens, e os pregões financeiros têm 82% de seus analistas do sexo masculino. Entre esses dois cosmos opostos em tudo, há um que domina o outro, que o arrasa e o espolia. A chantagem da austeridade feita pelos “mercados” e a predação que os gigantes digitais exercem sobre as finanças públicas por meio da evasão fiscal traduzem-se na redução de pessoal ou de recursos nas residências para idosos, nas creches, nos serviços sociais, com consequências distribuídas de maneira desigual: ao mesmo tempo que sua atividade enfraquece os serviços públicos, banqueiros, tomadores de decisão e desenvolvedores empregam um grande número de cuidadores domésticos, auxiliares de vida, professores particulares.

Em geral, os lares de executivos, profissionais intelectuais superiores e dirigentes de empresas recorrem maciçamente aos serviços domésticos à pessoa. Eles seriam os primeiros afetados caso as mulheres, frequentemente oriundas das classes mais baixas e, nas metrópoles, da imigração, parassem de trabalhar. Veríamos, então, professores universitários, advogados, médicos e sociólogas feministas explicando para suas empregadas que elas precisam continuar trabalhando em nome da obrigação moral do cuidado, da benevolência e outras virtudes que a dominação masculina erigiu ao longo dos séculos como qualidades especificamente femininas? É por isso que uma coalizão dos serviços à vida reunindo trabalhadoras das ocupações menos qualificadas, profissões intermediárias e pessoal de ensino fundamental e médio só poderia ser constituída em oposição às classes superiores que as empregam.

Em primeiro lugar, porém, elas conseguiriam fazer isso? E em que condições? Isoladas, fragmentadas, pouco organizadas, mais frequentemente oriundas da imigração do que a média, as trabalhadoras dos serviços à pessoa ou da limpeza acumulam formas de dominação. E, principalmente, sua soma aritmética não as torna um grupo. Transformar a coalizão objetiva que se lê nas tabelas estatísticas em um bloco mobilizado exigiria uma consciência coletiva e um projeto político. Tradicionalmente, cabe aos sindicatos, partidos, organizações e movimentos sociais a responsabilidade de formular os interesses comuns que, para além das diferenças de estatuto e qualificação, conectam a enfermeira e a faxineira. E também a de contar a saga de um agente histórico nascente, sua missão, suas batalhas, para não deixar com a mídia e os especialistas o monopólio da narrativa.

Dois temas poderiam contribuir para isso. O primeiro deles é a centralidade social e econômica desse grupo. Das estatísticas nacionais à mídia, tudo colabora para que o conjunto das trabalhadoras do setor dos serviços à vida permaneça invisível na ordem de produção. O discurso político fala de cuidado, saúde e educação em termos de “despesas”, ao passo que essas profissões “relacionais” são geralmente associadas às qualidades supostamente femininas de atenção, solicitude e empatia. Que a cuidadora ou a professora necessariamente mobilizem tais qualidades em seu trabalho não significa que tal trabalho deva ser reduzido a isso. Entender os serviços à vida como “custos” e falar dos préstimos dispensados por mulheres devotadas, em vez da riqueza criada por mulheres trabalhadoras, permite apagar a identidade fundamental das cuidadoras, auxiliares de vida ou professoras: a de produtoras. Produzir uma riqueza emancipatória que pavimenta os fundamentos da vida coletiva: eis um germe em torno do qual se poderia cristalizar uma consciência social.

O segundo tema é o de uma reivindicação que é comum ao conjunto dos trabalhadores, mas se expressa com particular intensidade nas emergências hospitalares, escolas e casas de repouso: conseguir os recursos necessários para executar adequadamente seu trabalho. A opinião pública, nem sempre muito interessada nas condições de trabalho dos ferroviários ou dos estivadores, fica preocupada, até mesmo revoltada, quando se trata de reduzir o tempo de banho de um familiar dependente, fechar uma maternidade na zona rural ou deixar equipes insuficientes cuidando dos doentes mentais. Todos sabem por experiência própria: a qualidade do serviço aumenta proporcionalmente à quantidade de trabalho investido em sua produção. Aparentemente muito benigna, a reivindicação dos recursos para cumprir adequadamente suas funções surge como uma ofensa. Satisfazer tal reivindicação significa questionar a austeridade, a ideia de que podemos sempre fazer mais com cada vez menos, sendo os ganhos de produtividade arrancados ao preço da saúde dos empregados. E desafiar os argumentos culpabilizadores que colocam sobre os próprios agentes dos serviços a responsabilidade de se “engajarem” para atenuar os efeitos dos cortes orçamentários. Por exemplo, muitas residências para idosos oferecem formações “humanizadas” – técnicas de “tratamento adequado” que mobilizam o olhar, a fala, o tato, tornando-se rótulos dos quais as instituições se vangloriam – a funcionários que são, ao mesmo tempo, privados dos recursos necessários para tratar os idosos com a humanidade requerida. Como se o mau trato não derivasse principalmente de uma restrição econômica externa, mas de uma qualidade individual que estaria em falta na equipe…

O fato de que a exigência de alocação de recursos voltados às necessidades coletivas contradiz a exigência de lucro e de austeridade coloca os serviços à vida e seus agentes no centro de um conflito irredutível. Desde a virada liberal dos anos 1980, e mais ainda desde a crise financeira de 2008, líderes políticos, dirigentes de bancos centrais, a Comissão Europeia, empresários das novas tecnologias, altos funcionários do Tesouro, editorialistas e economistas ortodoxos exigem a redução do “custo” dessas atividades e, assim, provocam sua degradação intencional, em nome de um bom senso dos bairros nobres: o bem-estar geral é medido pelos de cima. Esse bloco muito consciente de seus interesses encontrou em Emmanuel Macron seu embaixador.

Um socialismo dos serviços

Do lado oposto, a potencial coalizão, da qual as produtoras dos serviços à vida seriam o centro propulsor, só pode nascer de sua própria consciência caso consiga formular explicitamente a filosofia e o projeto que encarnam em seu cotidiano nos pátios das escolas, nos quartos e enfermarias. Trata-se da ideia de que o financiamento coletivo das necessidades de saúde, educação, limpeza e, mais amplamente, de transporte, habitação, cultura, energia e comunicação não constitui um obstáculo à liberdade: pelo contrário, é a condição de sua existência possível. O velho paradoxo que subordina o desenvolvimento individual à gestão comum das necessidades básicas desenha uma perspectiva política de longo prazo capaz de reunir o conjunto das mulheres trabalhadoras e de transformá-lo em agente do interesse geral: um socialismo dos serviços de cobertura estendida que lhes forneceria os recursos necessários para cumprir sua missão nas melhores condições, introduzido prioritariamente entre as classes populares que vivem em áreas periurbanas atingidas pela retirada do Estado de bem-estar social e controlado pelos próprios trabalhadores.

Isso porque, além de realizar o milagre de se organizar, a coalizão dos serviços de dominância feminina teria como tarefa histórica, apoiada pelo movimento sindical, agregar o conjunto das classes populares, especialmente seu componente masculino dizimado pela globalização e muitas vezes tentado pelo conservadorismo. Esse último traço não é uma fatalidade.

Haverá quem considere pouco realista atribuir a essas trabalhadoras que acumulam todas as dominações o papel de agente histórico e uma tarefa universal. Mas os tempos definitivamente não têm sorrido para os realistas, que, em 2016, acharam que seria impossível a eleição de Donald Trump, baseada em uma estratégia simetricamente oposta: reunir uma fração masculina das classes populares atingidas pela desindustrialização com a burguesia conservadora e as classes médias não graduadas. Maravilhados com essa captura, a mídia e os políticos adorariam reduzir a vida das sociedades ocidentais a um antagonismo que se estabeleceria entre, de um lado, as classes populares conservadoras, masculinas, ultrapassadas, ignorantes e racistas que votam em Trump, Benjamin Netanyahu e Viktor Orbán e, do outro, a burguesia liberal culta, aberta, distinta, progressista, que vota nas coalizões centristas e centrais encarnadas por Macron. Contra essa cômoda oposição, que esconde a paixão comum dos líderes de ambos os lados pelo capitalismo de mercado, o conjunto das trabalhadoras do setor dos serviços à vida apresenta outro antagonismo. Nesse outro antagonismo, de um lado da barreira social estão os empresários da computação do Vale do Silício e os executivos das finanças, homens, graduados, liberais. Saqueando recursos públicos e ocupando os paraísos fiscais, eles criam e vendem serviços que, de acordo com o ex-vice-presidente encarregado de ampliar o público do Facebook, Chamath Palihapitiya, “rasgam o tecido social” e “destroem o funcionamento da sociedade”. Do outro lado, reúnem-se as classes populares de base feminina, ponta de lança da classe trabalhadora, produtoras de serviços que tecem a vida coletiva e pedem uma socialização cada vez maior da riqueza.

A história de sua batalha começaria assim: “Exigimos os recursos necessários para realizar adequadamente nosso trabalho”. Há semanas, auxiliares de vida, puericultoras, cuidadoras, enfermeiras, professoras, faxineiras e agentes administrativas avisaram: se suas reivindicações não fossem atendidas, elas entrariam em greve. E foi como se a face oculta do trabalho viesse à luz. Executivos e profissionais intelectuais, primeiro as mulheres e depois os homens, a contragosto, tiveram de deixar seu trabalho para cuidar de seus pais dependentes, de seus bebês, de suas crianças. A chantagem emocional não funcionou. O Parlamento, os escritórios e as redações esvaziaram-se. Em visita a uma casa de repouso, o primeiro-ministro explicou sentenciosamente a uma grevista que um minuto basta para trocar uma fralda – estudos realizados em outros lugares provam isso. Diante do olhar que ela lançou de volta, todos perceberam que ali se chocavam dois mundos. Após cinco dias de caos, o governo capitulou. As negociações sobre a criação do Serviço Público Universal foram estabelecidas com uma relação de forças tão poderosa que o movimento ganhou o nome de “segunda frente popular”: a da era dos serviços.

Pierre Rimbert é jornalista do Le Monde Diplomatique.

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