O (neo)liberalismo nega voz e subjetividade ao trabalho

Antonio Baylos

Tradução: DMT

O (neo)liberalismo nega ao trabalho a capacidade de interlocução política. Coisifica-o, considerando-o uma mercadoria, e os seus portadores, os trabalhadores, esconde-os sob imagens deformantes. São indivíduos livres que pactuam entregar suas forças de trabalho em troca de um salário. É, o salário, o elemento decisivo para a qualificação do trabalhador como sujeito de direitos. Desse pacto acerca do valor do trabalho, medido em termos de salário e conceituado como custo do processo produtivo, é que, segundo o (neo)liberalismo, decorrem todas as expectativas de direitos do trabalhador. O sindicato é um mediador – aceito ou imposto – na determinação salarial e da duração da jornada. Ancorado no mercado de trabalho e na relação contratual que prevê a liberdade de negociação salarial entre as partes, o trabalho não pode entrar, na condição de interlocutor político, na esfera do público, na determinação do interesse geral. Não tem voz porque não é um sujeito político e porque seus representantes – os sindicatos dos trabalhadores – não alcançam a condição de generalidade necessária. São sempre “particulares”, “profissionais”, “trabalhadores”. E as determinações que ocorrem nas relações materiais da existência das pessoas que trabalham – os conflitos que as perpassam, as regras que as disciplinam – são sempre privadas, de caráter essencialmente econômico, e não políticas. É um mundo à parte, opaco, que se mantém à margem das perspectivas de emancipação derivadas dos anseios de democracia e de cidadania. O trabalho assalariado se desenvolve em um espaço de autoridade (privada) que não tem sido contestada, da qual não se pode exigir que se adeque às formas democráticas. Diante disso, todos os esforços do discurso antiliberal têm sido direcionados à politização do espaço do trabalho e à consideração desse espaço como um terreno decisivo para a atribuição do status de cidadão ao trabalhador. O paralelo entre a luta da burguesia pelo reconhecimento de suas liberdades e a necessidade de um caminho semelhante dos trabalhadores para a conquista da democracia na empresa e nos locais de produção não teve a continuidade histórica ou cultural que teria sido necessária para afirmar-se no discurso político comum das forças reformistas.

O cidadão, pelo contrário, é uma figura aceita pelos liberais como um sujeito abstrato, que não é qualificado pela sua posição social e economicamente subalterna, pois coopera para a formação do interesse geral e, portanto, goza tanto da aceitação condicionada ao seu uso em função do desenvolvimento da riqueza de todos (manutenção do status quo) quanto da preservação das liberdades econômicas nas quais ele se insere. O discurso antiliberal, por sua vez, tem se beneficiado dessa figura abstrata e universal ao lhe atribuir um conteúdo mais ativo e exigente, pois requer do Estado prestações públicas que nivelem as desigualdades sociais, que enquadrem certas exigências da vida fora da lógica do mercado e que envolvam o espaço público nos interesses da maioria, no bem estar comum. Esse mesmo discurso apresenta o trabalho como condição necessária da cidadania social, porém é muito difícil aproximar o espaço da cidadania ao espaço de um trabalho fragmentado, deslocado e precário, que progressivamente se enraíza como o único horizonte possível de emprego: instável e desvalorizado.

A opacidade (inconsistência) democrática do trabalho também se reflete nas formas de conflito que as mobilizações sociais adotam. As necessidades da vida cotidiana e os anseios pela melhoria dos serviços públicos, que são reais e levam os cidadãos a se sublevarem, são os elementos que mais se destacam nas ações sociais. As “marés cidadãs” (manifestações populares) que exteriorizam a resistência popular à privatização e aos cortes de recursos nos setores de saúde e educação expressam uma insatisfação em relação à prestação dos serviços públicos, e essa resistência fica evidente nas ruas de forma muito marcante. Assim, a referência à posição social desses cidadãos enquanto meros trabalhadores assalariados resta situada de forma muito residual, marginalizada. O trabalho segue sendo considerado como um espaço à margem da consideração democrática, um território onde a autoridade do poder privado não pode ser contestada coletiva ou individualmente, um ponto secundário na mobilização social e política dos projetos reformistas.

Recompor essa assimetria é importante. Principalmente, para o próprio sindicato, que precisa continuar a construir uma forma de estar presente no trabalho que não envolva a anulação dos direitos dos trabalhadores e dos cidadãos e, portanto, que promova a repolitização democrática desse espaço de atuação. Essa recomposição também servirá para reformular a relação com os movimentos sociais, recuperando a face oculta do trabalho como eixo de explicação da desigualdade social e da (re)mercantilização da existência promovida pelo (neo)liberalismo. Ajudará, enfim, a esquerda política a superar as suas muitas inseguranças, em respeito ao projeto original de reforma que sempre encarnou, tanto na Europa quanto na Espanha.

Antonio Baylos é doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid; Professor Catedrático de Direito do Trabalho e Seguridade Social na Universidad de Castilla La Mancha – Madrid; Diretor do Departamento de Ciência Jurídica da Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de Ciudad Real; Diretor do Centro Europeu e Latino-americano para o Diálogo Social (CELDS).

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