O período de Pinochet foi de 1973 até 1990. Nessa fase, a produtividade cresceu em média só 0,7% ao ano.
Ricardo Dathein
Fonte: Sul 21
Data original da publicação: 29/12/2021
Uma crença internacionalmente bem difundida é sobre o sucesso econômico do Chile a partir das reformas neoliberais de Pinochet. Tanto que, no geral, essas políticas continuaram nos vários governos posteriores, no sentido de transformar (ou manter) como mercadoria tudo o que for possível da vida das pessoas, não como direitos sociais universais, para todos, independentemente do poder de compra de cada um.
De fato, segundo os dados da The Conference Board Total Economy Database, a produtividade do trabalho na economia chilena em 2019 foi 61% superior à do Brasil. Ou seja, nesse quesito, a economia chilena está em situação muito superior à do Brasil. No entanto, em 1950 a produtividade chilena já era 67% superior à brasileira, de forma que ela não é simplesmente o resultado do “sucesso” neoliberal chileno. Mas, ao longo desse período, as trajetórias foram muito distintas. De 1950 a 1980, com o forte desempenho durante o período Desenvolvimentista, o Brasil conseguir igualar sua produtividade à do Chile. Em 1980, a produtividade brasileira foi inclusive 8% superior à desse país. No entanto, com o fracasso brasileiro posterior a 1980, a diferença novamente pendeu para o Chile, mas isso se deveu mais à estagnação brasileira do que a algum notável desempenho chileno.
Comparando o Chile com o Brasil e a Coreia do Sul, pode-se perceber melhor o contraste. De 1980 a 2019 a produtividade chilena cresceu de um índice 100 para 177, o que resulta em uma média anual de 1,5%. A Coreia, por outro lado, passou de um índice 100 para 491, com média de 4,2% ao ano. E o Brasil, passou de um índice 100 para 102, depois de 39 anos. Ou seja, o Brasil está estagnado há 4 décadas. Então, é claro que, quando comparada com o Brasil (ou outros países da América Latina), a performance chilena é muito superior. No entanto, quando comparada com o desempenho de países asiáticos, como a Coreia, essa aparece inclusive como relativamente fraca.
O período de Pinochet foi do golpe de 1973 até 1990. Nessa fase, a produtividade cresceu em média apenas 0,7% ao ano. Houve um crescimento inicial, após a forte crise anterior (ou seja, uma recuperação que é relativamente fácil de alcançar), mas no início dos anos 1980 uma crise reverteu esse crescimento. No período posterior, de 1990 a 1997, de fato o crescimento da produtividade foi forte, de 5,0% ao ano, seguindo, aí sim, o ritmo coreano. Os liberais sempre poderão argumentar que esse crescimento foi, finalmente, o resultado das reformas anteriores. Mas logo esse ritmo foi revertido, com queda da taxa de lucro, tendo em vista a tendência de redução dos termos de intercâmbio para a economia chilena. No período 1997-2008 o crescimento da produtividade foi de 2,1%, em média anual, muito inferior ao ritmo coreano, mesmo tendo sido esse o período que incluiu o boom das commodities, por conta do efeito China. A seguir, de 2008 a 2019, a produtividade do trabalho cresceu a um ritmo muito baixo, em média, de apenas 0,4% ao ano. Essa baixa taxa deve ser um dos causadores do mal-estar político chileno do período, com governos que insistiram na manutenção de um modelo de desenvolvimento que não mostrou resultados promissores há muito tempo.
Além disso, a concentração de renda e riqueza no Chile é extrema. Segundo o World Inequality Database, com dados antes dos impostos para 2020, os 10% da população com maior renda possuíam 58,9% da renda total, enquanto o 1% de maior renda concentrava 26,5%. Na outra ponta, os 50% da população com menor renda possuíam apenas 10,2% da renda total. Para a desigualdade de riqueza líquida, os dados mostram que os 10% mais ricos possuíam 79,8% da riqueza chilena e o 1% mais rico possuía 47,8%, enquanto os 50% mais pobres possuíam -0,6%. Esse dado negativo indica que a metade mais pobre da população chilena possuía mais dívidas do que riqueza financeira e não financeira acumulada. Uma curiosidade é que esses dados são semelhantes aos do Brasil, que, como sabemos, é um dos campeões mundiais de desigualdade.
Um dos elementos cruciais do desenvolvimento é o aumento da complexidade e da sofisticação produtiva (e, portanto, da complexidade e sofisticação das ocupações da força de trabalho), o que faz crescer a taxa de lucro e, com isso, estimula mais investimentos, aumentando também a competitividade internacional dos países, além de dar sustentabilidade ao crescimento e às políticas sociais. Nesse quesito, o Chile está mal posicionado, situando-se em 2019 no 71° lugar, segundo o Atlas da Complexidade Econômica, ou no 77º posto, segundo o Observatório da Complexidade Econômica. A realidade da Coreia do Sul é, diferentemente, de um aumento consistente desses indicadores, enquanto o Brasil tem persistentemente reduzido esses indicadores, ao longo do período social-liberal.
Um grave problema econômico do Chile é sua excessiva dependência da exportação de commodities, fundamentalmente de cobre. Isso lhe confere uma renda que deveria ser usada para a complexificação da economia. Caso contrário, a economia e a sociedade ficarão sempre dependendo dos humores dos mercados internacionais de commodities. A evolução da taxa de lucro média da economia do Chile mostra esse fato. Essa taxa (Penn World Table) evolui muito próxima da trajetória dos termos de troca no comércio internacional (FMI).
A elite conservadora chilena vive politicamente de um mítico período que ocorreu há mais de 25 anos atrás. E os liberais conservadores brasileiros repetem essa versão. As rendas derivadas das exportações chilenas deveriam ser vistas como uma vantagem, uma oportunidade, para a complexificação e sofisticação produtiva e para as melhorias sociais e distributivas do Chile, ao invés de promoverem a acomodação. Nesse sentido, a maioria do povo chileno demostra uma capacidade de análise econômica muito superior à dos economistas liberais, que servem aos interesses conservadores chilenos. Há agora uma grande esperança. Esperemos que o novo governo eleito não resolva adotar apenas medidas necessárias de redistribuição de renda e de desmercantilização da vida, mas que também perceba que a estrutura econômica precisa mudar, para lhe dar sustentabilidade econômica, social e política, rompendo com o neoliberalismo pelos ângulos distributivo e produtivo.
Ricardo Dathein é professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFRGS.