Basta ao Estado incentivar o empresariado nacional para desenvolver o setor industrial? Durante os anos 1960 e 1970, diversos países latino-americanos, asiáticos e do Oriente Médio optaram por essa estratégia, enfrentando a cada nova tentativa as mesmas dificuldades.
Vivek Chibber
Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil
Data original da publicação: 02/07/2019
A análise das estratégias de desenvolvimento adotadas após a Segunda Guerra Mundial em alguns países da América Latina, da Ásia e do Oriente Médio organiza-se, de forma geral, em torno de três ideias bastante consolidadas. Primeiro, fala-se em uma industrialização rápida, realizada por meio do empreendimento de enormes esforços com o objetivo de alcançar os países desenvolvidos. No centro de tal estratégia está o mecanismo da industrialização por substituição das importações, cuja finalidade é favorecer o crescimento das indústrias por meio de um processo em duas etapas: primeiro, limitar a chegada de importações, instaurando-se tarifas alfandegárias e controles de qualidade, de modo a abrir um mercado para a indústria local; segundo, apoiar o rápido crescimento dessas empresas por meio de subsídios consequentes. Dessa forma, os empreendedores nacionais teriam à sua disposição dois importantes instrumentos – subsídios e tarifas alfandegárias – para criar um espaço propício ao seu crescimento, protegidos da concorrência dos países mais avançados.
A segunda dessas ideias muito difundidas sugere que a industrialização foi concebida como um “projeto comum” entre as elites políticas, os altos funcionários públicos e o patronato nacionais. Embora haja quem (timidamente) inclua os trabalhadores nesse grupo, os verdadeiros protagonistas são em primeiro lugar os industriais e as elites políticas então emergentes.
A terceira ideia, que não se questiona mais, é a de que o Estado teria tido um status privilegiado no contexto de sua aliança com o mundo empresarial. Isso explica que o processo de industrialização rápida seja apresentado como um conjunto de projetos de desenvolvimento “dirigidos pelo Estado”, cuja história é a seguinte: em razão de sua juventude e do pequeno porte do setor industrial local nos países em questão, do desenvolvimento desigual e desconforme dos mercados e das deficiências dos mercados financeiros, foi necessário que os líderes políticos se encarregassem da industrialização. Mas essa imagem não explica as dificuldades encontradas pelos Estados no cumprimento de sua missão principal: desviar o fluxo de investimentos públicos e privados dos setores que geram grandes lucros, porém com um retorno social frágil, a fim de reorientá-los para áreas de alto desempenho social.
Na América do Sul, no Oriente Médio e na Ásia Meridional, as estratégias de desenvolvimento lideradas pelo Estado transformaram o conjunto da economia na direção desejada. Mas essa mudança efetuou-se de maneira caótica, à custa de gastos públicos colossais, resultando em setores privados ineficientes. O custo desses projetos é claramente refletido na crescente pressão orçamentária que o processo colocou sobre os países. Estes teriam ao mesmo tempo de absorver grande parte das perdas incorridas pelo setor privado, continuar a subsidiá-lo e administrar o crescente desequilíbrio na balança comercial, uma vez que a importação de bens de capital não foi compensada por um fluxo de investimento para setores de atividade favoráveis à exportação. Se o Estado estava realmente no comando, como explicar que ele tenha tido tantas dificuldades, as quais precipitaram o colapso do episódio “desenvolvimentista” e a virada neoliberal?
Para muitos, a resposta mais convincente consiste em destacar a incompetência dos líderes políticos. Uma avalanche de estudos realizados nos últimos quinze anos mostra que a maioria dos países desenvolvimentistas do Sul não dispunha da capacidade institucional necessária para executar suas políticas industriais. Daí esta outra questão: se o dirigismo requer certa dose de consolidação do Estado, por que as elites políticas não criaram as instituições adequadas? Talvez por causa da oposição de seu principal “parceiro” durante esse processo: a “burguesia nacional”.
A expressão é aqui entendida no sentido que lhe dão seus criadores, os marxistas da Segunda e especialmente da Terceira Internacional. Ela designa os capitalistas locais que apostam no mercado nacional, procuram emancipar-se do domínio da potência “central” e unem forças com o Estado em nome da industrialização. Diante dessa definição, parece paradoxal a hipótese de capitalistas nacionais que se oporiam à consolidação do Estado, uma vez que tal abordagem entravaria seu próprio desenvolvimento. Além do mais, os teóricos da década de 1950 não esperavam por isso: a literatura teórica da época descarta essa possibilidade.
Os defensores da tradição marxista atribuem o papel de mau a outra parte da burguesia, a dos compradores. Esses capitalistas locais – que mantinham estreitos laços com a metrópole, muitas vezes por meio de atividades comerciais ou especulativas relacionadas ou não à exportação de produtos agrícolas – eram suspeitos de não se engajar no desenvolvimento nacional. Claro que os industriais nacionais não eram vistos como aliados nas questões sociais, mas considerava-se ser possível contar com eles para trabalhar na construção de um modelo burguês de desenvolvimento. Mais que isso: eles seriam essenciais para a emergência deste.
Após a Segunda Guerra Mundial, as elites políticas da América do Sul, da Índia e de algumas regiões do Oriente Médio desejaram industrializar suas economias o mais rápido possível. Diversas experiências anteriores mostravam que, entregues a si mesmos, os industriais relutam em investir em setores que prometem crescimento apenas a longo prazo. Na maioria dos casos, os produtos que geram lucros rápidos e elevados têm um retorno social pequeno, ou até inexistente. A política de planejamento industrial visou, portanto, conduzir as empresas a uma direção que favorecesse simultaneamente os dois tipos de desempenho: o econômico e o social. Os planejadores, de maneira geral, adotaram métodos gentis para convencer seus parceiros: subsídios, empréstimos a juros baixos, benefícios fiscais etc. Apesar de tudo isso, a política industrial manteve a perspectiva de um elemento coercitivo em caso de resistência, a fim de assegurar que o dinheiro público fosse efetivamente empregado para os fins desejados. Em suma, uma vez que oferecia ajuda, o governo considerava que os industriais não podiam fazer o que quisessem, do jeito que quisessem.
Os capitalistas, por sua vez, viam as coisas de outro modo. A industrialização por substituição das importações os protegia da concorrência estrangeira. Em muitos setores, os mercados locais foram rapidamente dominados por um punhado de industriais: a realização de economias de escala implicava investimentos pesados nos meios de produção, o que beneficiou quem chegou primeiro. Vantagem reforçada por outro aspecto da industrialização por substituição das importações: a limitação deliberada, por meios administrativos, do número de produtores em determinado setor, pois o pequeno porte do mercado fazia que os dirigentes temessem uma concorrência excessiva ou destrutiva.
Uma vez protegidos da concorrência estrangeira, os capitalistas locais adquiriram um quase monopólio em seus respectivos mercados: eles não eram mais instados a inovar, a investir e a se modernizar. Em tal regime de produção, não há necessidade de usar subsídios para melhorar o aparato existente – mais vale lançar atividades em outros setores a fim de obter uma vantagem de “pioneiro”. Para as burguesias nacionais, a industrialização por substituição de importações representava, assim, um maná de lucros, com a condição, no entanto, de que essa política se limitasse à distribuição de subsídios, sem a possibilidade de os dirigentes políticos controlarem seu uso. A seus olhos, o componente disciplinar da industrialização por substituição das importações constituía um entrave intolerável.
O conflito entre a burguesia nacional e os planejadores econômicos nem sempre foi aparente. Os industriais chegaram a pedir ao Estado que trabalhasse pelo desenvolvimento. Mas o que eles desejavam era que o dinheiro público fosse colocado à sua disposição, não que se instaurasse um elemento de planejamento econômico – em resumo: socialização do risco sem ameaça à apropriação privada do lucro.
Vivek Chibber é professor associado do Departamento de Sociologia da Universidade de Nova York. Autor de La Théorie postcoloniale et le spectre du capital [A teoria pós-colonial e o espectro do capital], Les Éditions de l’Asymétrie, Toulouse, 2018. Uma versão deste texto foi publicada na edição de 2005 da revista Socialist Register.