No nonagésimo aniversário do Ministério do Trabalho a esperança é pelo restabelecimento do Ministério da Revolução, tendo à frente um ministro conhecedor do tema.
Humberto Alves Coelho e Marcelo José das Neves
Fonte: Migalhas
Data original da publicação: 09/12/2020
O modo de produção capitalista, após numerosas construções teóricas, que sustentaram (e sustentam) rotas de fuga para as sucessivas crises econômicas, que têm se repetido com maior frequência e maior extensão, encontra-se, agora, próximo ao exaurimento dos elementos necessários à sua acumulação ampliada, e ainda sob os deletérios efeitos econômicos da pandemia da Covid-19, jamais vivenciados. Dependurado, desesperadamente, na ficção do capital financeiro, aprofunda a exploração do trabalho vivo e a transferência de riqueza pública.
O Estado, que tem por atribuição primaz organizar a sociedade e exercer poderes daí correlatos, sobretudo fiscalizatórios e preventivos, que deveriam equalizar interesses contrários e dignificar a vida social a partir do trabalho, limita-se a assistir, impávido, o que se passa de seu assento no “Coliseu”.
Mas, mesmo no Brasil, nem sempre foi assim. A denominada república nova ou segunda república, pretendendo-se revolucionária, transferiu a gestão pública das relações laborais brasileiras da pasta da Agricultura para o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, criado em 26 de novembro de 1930, por meio da edição do decreto 19.433. O Ministério do Trabalho – Ministério da Revolução, como o intitulou Lindolfo Collor, primeiro titular da pasta – completou, pois, no mês passado, 90 anos de existência, sem que, paradoxalmente, exista na realidade sensível.
A agenda neoliberal austera, já intensificada pelo advento da Emenda Constitucional 95/16, aprofundou a reforma trabalhista, o que se fez com a participação dos poderes da república, inclusive do Judiciário, com o retrocesso do resultado de lutas e conquistas sociais seculares, sintetizadas nos fundamentos e princípios que da Constituição de 1988.
A regulação estatal, em matéria trabalhista, foi quase aniquilada com medidas de desmonte organizacional, medidas cuja abordagem resta limitada neste texto à “extinção” do Ministério do Trabalho, ocorrida em 01 de janeiro de 2019, por meio da edição da Medida Provisória 870, convertida na lei 13.844/19, oportunidade em que diversas áreas que, por natureza, eram-lhe próprias, passaram ao domínio do Ministério da Economia, como, por exemplo: elaboração de política e diretrizes para a geração de emprego e renda e de apoio ao trabalhador; fiscalização do trabalho e aplicação das sanções previstas em normas legais ou coletivas; política salarial; formação e desenvolvimento profissional; segurança e saúde no trabalho.
Transformado o Ministério do Trabalho em mera secretaria de terceiro escalão de poder decisório do órgão do qual deveria ser concorrente, impôs-se ainda aos auditores-fiscais do trabalho o descender ao quarto escalão.
Se a mensagem é clara, os resultados, dentro de todo o atropelo e inépcia governamentais, o são ainda mais, conforme revelam a taxa de desemprego (a taxa de desemprego no segundo trimestre de 2020 foi de 13,3%, que corresponde a 12,8 milhões de desempregados, de um total de 99 milhões de pessoas que compõem a força de trabalho do país) e o número de acidentes do trabalho, ao menos um a cada minuto no Brasil (no exercício de 2018 o número de acidentes do trabalho, com e sem carteira assinada, foi de 576.951, contra 557.626 no exercício de 2017. Não há dados divulgados no exercício de 2019, tampouco no de 2020).
O desmonte de importante estrutura governamental, com quase um século de expertise específica, opera, no plano prático, um esvaziamento das bases de informações que são imprescindíveis à definição de políticas públicas atinentes ao ambiente laboral, como a gerada pelos registros administrativos da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), que estavam sob a responsabilidade do Ministério do Trabalho.
Tanto a RAIS como o CAGED vêm sendo substituídos, desde o exercício de 2019, pelo eSocial (Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Previdenciárias, Trabalhistas e Fiscais), recentemente refundado como eSocial Simplificado, com redução (desligamento) de mais de 30% dos campos dos leiautes do eSocial, e com inexorável aumento do risco de perda do potencial estatístico até então existente.
Mas não é só. O Ministério da Economia anunciou, recentemente, um novo programa, chamado “Descomplica Trabalhista”, por meio do qual pretende revogar cerca de duas mil normas trabalhistas, sob a alegação de diminuição do chamado “custo Brasil”. Contudo, como se observa do lançamento do programa, apenas 48 normas foram revogadas, quase em sua totalidade meros atos de delegação de competência que, em boa medida, já se encontravam tacitamente revogados.
Também as 37 Normas Regulamentadoras (NR’s) estão sob intenso processo de revisão, mas sem que, por exemplo, a unidade responsável pela Inspeção do Trabalho tenha direito a voto.
Ideias e desejos populares não se extinguem, permanecem latentes à espera da reorganização das forças sociais e políticas. No nonagésimo aniversário do Ministério do Trabalho a esperança é pelo restabelecimento do Ministério da Revolução, tendo à frente um ministro conhecedor do tema, afeto às relações de trabalho, com direto acesso aos entes sindicais representativos de empregados e empregadores.
Humberto Alves Coelho é Doutorando em Direito pela UERJ.
Marcelo José das Neves é Mestre em Direito pela UCAM.