Certa manhã, Alba Méndez, de 24 anos, mestra em Sociologia, levantou da cama nervosa, cuidadosamente passou a maquiagem e arrumou o cabelo. As mãos finas tremeram quando ela apanhou o currículo a caminho da saída do quarto minúsculo onde mora, sem pagar aluguel, cortesia de um amigo que a acolheu.
Naquela manhã, Alba tinha uma entrevista para uma vaga em um supermercado. Nada parecido com a carreira que imaginara depois de terminar os estudos. Entretanto, uma oportunidade rara, depois de uma série de empregos temporários, entrevistas que não deram em nada e empregadores que, cada vez mais, exigem que jovens trabalhem longas jornadas, sem pagamento, apenas para que sejam considerados para um emprego permanente.
Os pais de Alba imploravam para que ela voltasse para casa, nas Ilhas Canárias, para ajudar a gerenciar o negócio de frutas do pai. Embora, nos tempos de hoje, nem o próprio pai tenha dinheiro para pagar o salário dela. “Estamos numa situação que vai além do nosso controle”, diz Alba. “Mas, isso não impede os sentimentos de culpa. Nos dias ruins, é realmente difícil levantar da cama. Eu me pergunto: ‘O que eu fiz de errado?'”
A pergunta é repetida por milhões de jovens europeus. Em cinco anos de crise financeira, o desemprego entre os jovens alcançou níveis assombrosos em muitos países do continente. Em setembro deste ano, atingia 56% daqueles com 24 anos ou menos na Espanha, 57 % na Grécia, 40% na Itália, 37% em Portugal e 28% na Irlanda. Para pessoas de 25 a 30 anos, as taxas são de 50% ou 75% mais altas, e continuam subindo.
Essas são taxas de desemprego como as da Grande Depressão, e não há sinal de que a economia europeia, ainda mal se recuperando da recessão, esteja prestes a gerar os empregos necessários para trazer aqueles europeus de volta à força de trabalho tão cedo.
Dezenas de entrevistas com jovens ao redor do continente revelam uma constatação assustadora de que o sonho europeu que os pais deles viveram acabou. Não é que a Europa nunca mais vá se recuperar, mas a era de recessão e austeridade persiste a tanto tempo que o novo crescimento, quando chegar, será aproveitado pela próxima geração, deixando esta de fora.
Ferida aberta
Dois anos atrás, George Skivalos, de 28 anos, teve que voltar para a casa da mãe em Atenas, na Grécia. “Mesmo que consigamos sair da crise, talvez em quatro anos, terei 32 anos, e aí, o que acontecerá?”, perguntou Skivalos. “Terei perdido a oportunidade de estar numa empresa com possibilidade de crescimento.”
Ao invés disso, muitos jovens no sul, que passam por problemas, criaram um modo de vida simples para si próprios na nova realidade europeia. Eles precisam decidir se ficam em casa debaixo da proteção da família, mas com escassez de emprego ou se rumam para o norte da Europa, onde há trabalho, mas correm o risco de serem tratados como estrangeiros. Aqui, dizem os jovens, eles competem por trabalhos temporários que pagam pouco, mas, às vezes, são excluídos do nicho de emprego integral.
Para a União Europeia, abordar essa questão tornou-se um desafio tanto político quanto econômico em um período de descontentamento público em expansão com os líderes de Bruxelas e das capitais nacionais.
A chanceler Angela Merkel da Alemanha chamou o desemprego juvenil de “o problema mais urgente na Europa”. Merkel viajou a Paris no mês passado para reunir-se com outros líderes europeus em uma reunião de cúpula especial sobre o desemprego entre os jovens, convocada pelo presidente François Hollande, da França. Os governos renovaram o acordo de um programa de incentivo empregatício, no valor de € 6 bilhões (cerca de US$ 8 bilhões), a partir de 2014.
No entanto, os economistas dizem que o programa em si, provavelmente, não colocaria mais do que uma atadura em uma ferida aberta.
“Esperamos que 2014 seja um ano de recuperação”, disse Stefano Scarpetta, diretor de RH na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico. “Mas ainda vemos um grande número de jovens que terão passado um longo período de dificuldade. Isso terá um impacto numa geração inteira.”
Longe de casa e do ofício (e teve sorte)
Há quatro anos, logo depois de seu aniversário de 23 anos, Melissa Abadía tomou uma decisão dolorosa: deixar a família a qual é muito apegada na Espanha, onde a repercussão esmagadora da crise financeira de 2008 tornou impossível garantir um emprego, e se mudar para a Holanda, onde os empregadores ainda estavam contratando.
“Entrei no avião chorando”, lembra ela, uma mulher brilhante e entusiasmada. “Mas, precisava decidir: devo lutar em casa por algo que não faz sentido, ou cair no mundo e fazer minha própria vida?”
Apesar de ter cinco anos de experiência em enfermagem, em sua terra natal, Castellón de la Plana, ao leste da Espanha, ela agora trabalha em um almoxarifado sem janelas em Amsterdam, organizando bolsas, meias e outros acessórios em uma loja de roupa.
É uma característica da situação dessa geração: o simples fato de ter um emprego e certa independência torna a pessoa uma das sortudas – apesar de estar longe de casa, ter abandonado os sonhos de uma carreira muito diferente e aceitar gradualmente que a vida nunca será aquela que se imaginou viver.
“Claro que odeio o fato de precisar fazer isso”, diz Abadía, em tom mais sombrio. “Deixar o país deveria ser uma opção, não uma obrigação.”
Roubar emprego
Em sua terra, ela encontrou apenas estágios não remunerados de enfermagem e um emprego temporário em uma boate. Daí, começou a vasculhar a internet, à procura de uma vaga na banda próspera da Europa – o norte. Rapidamente encontrou em Amsterdam um emprego no regime au pair [trabalho doméstico prestado basicamente em troca de alimentação e alojamento, mas que pode ser assalariado].
Pela primeira vez, ela passou pelo choque de ser imigrante. Chegou a Amsterdam como parte de um influxo de jovens espanhóis, gregos, italianos e portugueses, todos procurando qualquer coisa para fazer, e pensou: “Agora eu sei o que é ser visto como alguém que veio para roubar seu emprego”.
Ela rapidamente encontrou um trabalho que pagava melhor em uma loja de roupas. Passou dois anos oscilando entre contratos de curto prazo, algo que os empregadores aumentaram muito durante a crise para evitar os benefícios caros garantidos a trabalhadores contratados permanentemente.
Até uma vitória
Em alguns países, especialmente naqueles com as maiores taxas de desemprego, estágios são, geralmente, oportunidades para que os patrões levem vantagem.
Porém, quando são usados por empregadores a fim de proporcionar experiência para jovens que, de outra forma, não teriam uma base, funcionam como um trampolim para um emprego estável. Isso foi o que aconteceu com Abadía, cujo empregador transformou seu contrato temporário em permanente, com benefícios, gerenciando o maior almoxarifado da loja.
Por um lado, ter até esse tipo de emprego é uma vitória na Europa de hoje. O salário dela, de € 1.200 por mês (cerca de US$ 1.600) é quase o dobro do que poderia eventualmente ganhar na Espanha. “O dia em que eu assinei um contrato permanente foi o melhor da minha vida”, disse Abadía certa noite alegremente enquanto tomava uma Coca-Cola em um pub lotado.
Entretanto, devido ao horário de trabalho, ela ainda não é indicada para receber o salário mínimo da Holanda de € 1.477 (cerca de US$ 2.000), e sua nova carreira estava longe de onde ela esperava chegar.
Ao chegar ao apartamento, ela discutiu a situação com duas colegas da loja, ambas espanhóis. Todas as três estavam bravas com o que veem como má-gestão crônica da economia espanhola. Com a Espanha aderindo à austeridade – ditada por credores internacionais e pela Alemanha –, elas dizem, as condições caíram demais.
“Se não derem um jeito nas coisas, vão perder algumas gerações de jovens inteligentes”, Abadía afirma, com a concordância das amigas. “E aí, o que acontecerá com o país que sobrar?”
Fonte: Diário do Comécio, com The New York Times, com ajustes
Texto: Liz Alderman
Data original da publicação: 01/12/2013