Uma sociedade justa requer que o direito ao emprego seja erigido em um direito humano inalienável, junto aos outros.
Emir Sader
Fonte: Rede Brasil Atual
Data original da publicação: 22/10/2016
As constituições humanos costumam ser, todas ou quase toda, de caráter liberal. São encabeçadas pelo tradicional “Todos são iguais diante da lei”, antes de todos os seus preceitos tradicionais.
Entre estes, o direito à propriedade tem um lugar especial. Se originalmente, com Locke, esse direito estava limitado pela possibilidade de usar a propriedade em uso próprio, depois se transformou no direito à propriedade pura e simplesmente. Nem a limitação pelo uso social costuma estar presente. O direito à propriedade tornou-se um fetiche, não importando as consequências da sua existência.
E é um direito que tem seus dispositivos concretos de garantia. Se uma terra inativa é ocupada por trabalhadores rurais sem-terra, que a tornam produtiva, trabalhando nela, o proprietário legal chama a polícia, que rapidamente envia tropas para desalojar os trabalhadores e fazer respeitar o direito à propriedade privada. E, se houver resistência, se usará a força, se prenderá trabalhadores, que poderão ser submetidos a processos e a condenações, para garantir o direito constitucional à propriedade privada.
Um direito de uma ínfima minoria de proprietários privados de meios de produção importantes, que tem formas de garantir seus privilégios.
Por outro lado, uma atividade desenvolvida pela grande maioria da população, o trabalho e o emprego correspondente, não tem destaque, às vezes nem referência nas constituições e, menos ainda, garantias do seu respeito. Se alguém perde o emprego, não tem a quem apelar. No máximo terá seguro-desemprego por algum tempo. Mas a sociedade o condena ao abandono.
Se, na concepção liberal, o mercado define o valor de cada coisa, quando alguém fica sem emprego, é como se a sociedade – na verdade, o mercado – lhe esta dizendo que, mesmo com o salário ínfimo que poderia estar recebendo, se está dizendo a ele que para a sociedade de mercado ele não vale nada, ninguém se dispõe a contratá-lo, mesmo com remuneração irrisória.
Um direito que toca a grande maioria, quase a totalidade da população, como o direito ao emprego, para que uma pessoa possa viver de maneira minimamente digna, se mantendo e mantendo sua família, com carteira de trabalho que lhe garanta a continuidade do emprego, férias, licença de saúde, aposentadoria, entre outros direitos, não tem garantia nenhuma de parte da sociedade de mercado. Se o trabalhador perde o emprego, tem que se virar sozinho, sair toda manhãzinha procurando alguma atividade remunerada, voltando desmoralizado no fim do dia, sem retornos.
Uma sociedade justa requer que o direito ao emprego seja erigido em um direito humano inalienável, junto aos outros, porque sem ele o ser humano não pode sobreviver com um mínimo de dignidade. Não é nenhum favor que a sociedade faz ao trabalhador, porque e’ ele quem produz todas as riquezas da sociedades, sem poder, tantas vezes, nem sequer compartilhar dos bens que ele mesmo produz.
O direito ao emprego, ao trabalho, deve ser incorporado aos direitos humanos essenciais no nosso tempo.