O desemprego vai aumentar? A fome vai continuar? Paciência?

Fotografia: Jorge Araujo/Fotos Públicas

A tese da austeridade expansionista está por aí há muito tempo, o que lhe dá uma impressão de validade.

Antônio J. Alves Jr. e Guilherme de Lacerda

Fonte: GGN
Data original da publicação: 21/11/2022

Passados os primeiros momentos da eleição de Lula, grupos que aderiram à frente ampla contra o protofascismo começaram a disputar os rumos da política econômica. O jogo bruto sempre chama a atenção, ainda que não seja a exceção. Mas, desta vez, os movimentos estão acelerados ao extremo. O que se testemunha, diariamente, é um enfileiramento, por toda a mídia, de economistas e analistas ligados ao mercado financeiro criticando a equipe do governo provisório (é isso mesmo, Lula já é o presidente) e se revezando para defender a contenção do orçamento público, com variados argumentos. São falas dramáticas sobre o combate ao Leviatã, passando pela identificação do crescimento do Estado à corrupção – uma prova de que o lavajatismo ainda conta com torcida – até a perspectiva aparentemente técnica da defesa da austeridade expansionista em primeiro lugar.

Antes de tecer mais considerações sobre as resistências à proposta de reajuste do  orçamento é conveniente destacar o escancaramento da natureza classista que essas intervenções ganharam, vetando políticas econômicas e nomes para integrar equipes técnicas. Por exemplo, Luiz Stuhlberger, um importante gestor de fundos, lembra uma liderança política clamando, em entrevista à CNN, que Lula se elegeu para governar para todos, não apenas para os eleitores do PT. “Os financistas também são filhos de Deus”, teria faltado dizer. Na mesma toada, Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan, economistas que deixaram marcas relevantes no debate intelectual brasileiro, com passagens por órgãos do Estado e pelo sistema financeiro privado, engrossaram esse coro. Em carta-aberta ao Presidente Lula, repetem que não é sensato ter paciência com os humores de curto-prazo dos mercados e que é um erro não pautar a política econômica pelos movimentos bruscos dos juros, da bolsa e do dólar. Afinal, os mercados financeiros são feitos de “muita gente séria e trabalhadora, presidente”. É preciso respeitar o Teto dos Gastos!!! Essa é a mensagem que ressoa pelo texto todo.

or detrás dessas defesas apaixonadas a razão aparece na forma da defesa da “austeridade expansionista”, que normalmente vem acompanhada do viés ideológico contra a cobrança de impostos (especialmente dos mais ricos!). Advoga-se que o corte dos gastos públicos é o caminho para reduzir a dívida pública. E, ainda, que reduzi-la é o caminho para estabilizar o dólar, azeitar as bolsas e reduzir os juros, estimulando investimento e o crescimento. Esse seria, portanto, “o” caminho para proteger o interesse dos mais pobres. Claro, implícito está o pedido de paciência de longo prazo para que os delicados mecanismos de mercado possam operar.

Mas, é mesmo necessário termos paciência para executar as políticas econômicas que a sociedade espera e atuarmos com rigorosa parcimônia para não espantar os mercados?

A tese da austeridade expansionista está por aí há muito tempo, o que lhe dá uma impressão de validade. Mesmo fazendo estragos, principalmente para os mais pobres, conquistou muitas mentes e corações dos que passam pelos telejornais, se elevando à categoria de um mantra, repetido sem que se exija amparo teórico ou empírico. Mas, se for testada, essa fé não resiste.

Do lado da lógica, o corte dos gastos públicos enfraquece a prestação de serviços públicos, danando diretamente a população que mais depende deles. A consequência é a redução da demanda por bens e serviços, com menos obras, menos compras de medicamentos e equipamentos. Daí, atinge-se o ambiente de negócios, com desestímulos ao investimento, à produção e ao emprego.  Na sequência, atinge-se a própria arrecadação pública, favorecendo apelos subsequentes por mais e mais cortes e reformas. Esse tem sido o ciclo vicioso de nossa economia há anos, só rompido quando se adotam medidas diretas para tracionar a roda do investimento a partir da ação proativa e sensata do governo federal. Portanto, para as economias com alta desigualdade e de baixo crescimento como o Brasil, a proposta de prioritariamente fazer superávits primários exclusivamente com cortes de gastos é um desastre para os pobres, para as finanças do Estado e para os próprios mercados.

A tese da austeridade expansionista também carece de comprovação empírica. E não é preciso ir longe. Olhemos para o nosso umbigo. Por exemplo, na “Carta-aberta ao Presidente” insiste-se que os juros são altos porque o governo, endividado que está, é percebido como um mau pagador. Mas, como assim? De 2015 até 2021, a dívida pública subiu enquanto os juros caíram. De 2021 para cá, os juros deram um salto, enquanto a dívida caiu! Seria o governo um bom pagador quando a dívida subia? Teria deixado de sê-lo depois, quando a dívida passou a cair?

Não há só esse caso. Há muitos outros paradoxos já listados na história que permitem não os classificar como eventos atípicos. O fato é que onde a perseguição da austeridade a qualquer custo prospera, acaba a prosperidade, restando uma trilha de desastres que acaba sendo justificativa para novas doses de contenção. Portanto, a invocação para limitar o atual orçamento público é uma medida não apenas arriscada, mas contrária aos interesses do país.

É preciso virar essa página. A hora é de enfrentar os problemas reais e urgentes, sem temer fantasmas e as mistificações. Há um crescente consenso sobre a necessidade de reparar a devastação de políticas públicas ocorrida nos últimos anos. A queda do investimento público, a corrosão dos salários e os seguidos cortes nas despesas de custeio atingiram de frente a prestação dos serviços públicos e o desenvolvimento econômico. Há um consenso de que é imperativo consertar o grave quadro social brasileiro, marcado pelo fraco mercado de trabalho, pelo crescimento da população nas ruas e pela volta da fome.  Para enfrentar tal realidade é fundamental retomar os investimentos públicos e privados em uma economia há muito estagnada. Portanto, a pergunta que deve se impor é como enfrentar essas missões civilizatórias. E deve-se reconhecer que a resposta não é simples.

É mesmo preciso ter calma e paciência, mas com os arroubos das vozes fortes dos mercados financeiros! A pobreza, a fome e a estagnação é que não podem mais esperar. Nosso país será reconstruído a partir de políticas econômicas responsáveis, inseridas numa perspectiva de expansão dinâmica. Equilíbrios macroeconômicos resultarão de uma renovada sintonia dos agentes econômicos e os formuladores das políticas públicas. O lema é credibilidade, estabilidade e previsibilidade”. Três palavras singelas expressadas por quem tem autoridade de sobra para consolidar “novas percepções” para o mercado, mas muito mais relevante para se perseguir a construção urgente de uma verdadeira nação.

Antônio José Alves Junior é doutor em Economia pelo IE/UFRJ, Professor do Departamento de Economia da UFRRJ e coordenador do ECSIFIN – Laboratório de Economia e Conjuntura do Sistema Financeiro.

Guilherme Narciso Lacerda é doutor em Economia pela Unicamp, mestre em Economia pelo IPE-USP, professor do Departamento de Economia da UFES. Foi diretor do BNDES (2012-2015). Autor do livro “Devagar é que não se vai longe – PPPs e Desenvolvimento Econômico”, publicado pela Editora LetraCapital.

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