O debate sobre o futuro do experimento de renda básica na Finlândia

O período de testes de um programa de renda básica universal (UBI, na sigla em inglês) na Finlândia tem data para acabar. Iniciado em 2017, o programa levado como um experimento pela agência de seguridade social do país nórdico envolve a distribuição mensal de 560 euros (cerca de R$ 2,3 mil) para 2 mil cidadãos, sem exigência de contrapartida. De acordo com o cronograma inicial, o programa deve cessar no fim de 2018.

Na segunda-feira (23/04), o jornal inglês The Guardian e a BBC publicaram reportagens, afirmando que o governo finlandês havia negado pedido da agência de seguridade social Kela por mais recursos, com a intenção de expandir o experimento. O plano inicial era prosseguir com o programa em 2019, com a inclusão de mais participantes. À BBC, o professor e pesquisador Olli Kangas, envolvido no projeto, chegou a confirmar o fim do financiamento pelo governo.

Entretanto, em entrevista à agência The Associated Press na quarta-feira (25/04), a diretora da Kela, Miska Simanainen, negou que tenha feito o pedido. O programa, que atualmente custa 20 milhões de euros aos cofres do governo, precisaria de outros 50 milhões caso o experimento fosse renovado em 2019 para atender o plano inicial de expansão para 10 mil cidadãos (incluindo pessoas empregadas). De acordo com Miska Simanainen, o programa continua “como planejado”, “sem mudanças em vista”, e caberá ao novo governo, que será escolhido em 2019, “decidir se avançará com experimentos de renda básica”.

Renda básica universal

O país nórdico se soma a uma série de cidades e países na Europa, Canadá e Estados Unidos que, cada um a seu modo, têm testado maneiras de implementar programas similares de forma temporária.

A renda básica universal, originada como ideia ainda no século 19, funciona como uma política de bem-estar social que atende toda a população. Na teoria, ela tem o poder de eliminar a pobreza e diminuir desigualdades.

Como efeito, potencialmente, ela tem potencial de reduzir a violência e permite que as pessoas – desobrigadas de buscar formas de renda visando garantir sua sobrevivência – tenham condições de estudar mais, buscar trabalhos criativos, voluntários ou possam se dedicar mais à sua família e comunidade.

O experimento finlandês

De início, o programa de UBI na Finlândia selecionou 2 mil pessoas aleatoriamente com idades entre 25 e 58 anos e que estivessem desempregadas. Kela, a agência de seguridade social do governo, passou então a distribuir quantias mensais em dinheiro a essas pessoas sem exigir nada em troca. Mesmo os participantes que conseguiram emprego no período não deixaram de receber o benefício.

Em março, ao jornal sueco Svenska Dagbladet, a porta-voz da agência Kela, Miska Simanainen, disse que o governo estava adotando medidas que “afastam o sistema da renda básica”.

Entre elas está uma lei aprovada em dezembro de 2017 que cria um programa de benefício financeiro a finlandeses desempregados, desde que esses comprovem terem feito algum tipo de treinamento ou efetivamente trabalhado por um mínimo de 18 horas dentro do período de três meses.

Além dele, um projeto anunciado pelo Executivo prevê a criação de um sistema de crédito universal a ser oferecido à população em geral.

Resultados

Embora não possa ser considerado exatamente um programa de renda básica universal – posto que a escolha dos participantes se resumiu a um certo grupo etário na condição de desempregados –, o experimento pretende servir de exemplo para a construção de uma política de renda realmente universal no futuro.

Em nota na última quarta (25/04), a agência disse que o experimento tem como propósito “estudar o efeito do aumento de incentivos financeiros para o trabalho, simplificando o sistema de seguridade social de acordo com a taxa de emprego dos participantes”.

Com o tempo, o experimento poderia esclarecer sobre os efeitos de uma política dessa sobre a população. Com o benefício, as pessoas parariam de trabalhar? Ou elas ficariam menos estressadas e mais produtivas? Com menor desigualdade, índices de violência cairiam?

As respostas para essa pergunta ainda estão sendo elaboradas. Os resultados devem ser avaliados pelo governo no fim deste ano. Mas, de acordo com um especialista envolvido na produção do experimento, os dados não trarão conclusões tão valiosas quanto poderiam se houvesse mais tempo para o experimento.

“Dois anos é um período muito curto para permitir que se desenhem conclusões mais amplas de um experimento tão grande”, afirmou o professor finlandês Olli Kangas, que trabalhou pela agência Kela no experimento. “Nós devíamos ter tido mais tempo e dinheiro para alcançar resultados confiáveis.”

Renda básica em alta

Como já explicou este texto do Nexo, após crescer como uma possibilidade real entre governos de bem-estar social nas décadas de 1970 e 1980 na Europa e nos Estados Unidos, o tema da renda básica universal voltou a ganhar evidência nos últimos anos em razão da crescente automação de postos de trabalho.

O temor é o de que, apesar do aumento de produtividade e riqueza trazido pela evolução tecnológica, cada vez mais gente fique sem emprego. Sem emprego e renda, o consumo cai e a economia deixa de girar.

Nesse contexto, a renda básica universal tem sido vista como uma política que garantiria meios de sobrevivência a famílias desempregadas e, por consequência, à circulação de dinheiro.

Não por acaso, os mais novos entusiastas da renda básica universal são justamente membros da indústria que investem em inovação tecnológica e, portanto, lideram o processo de automatização de postos de trabalho.

Elon Musk, empresário conhecido por diversos empreendimentos, entre eles a Tesla – marca de carros elétricos e autônomos, que dispensam motorista, dos EUA – é um deles. Em novembro de 2016, em uma entrevista, ele disse existir “uma grande chance de chegarmos a uma renda básica universal, ou algo assim, em razão da automação”. “Eu não tenho certeza sobre o que mais poderia ser feito”, afirmou.

Mark Zuckerberg, fundador do Facebook e entusiasta da inteligência artificial, também andou dizendo sobre por que talvez fosse uma boa ideia adotar políticas do tipo. Em maio de 2017, discursando para alunos recém-formados de Harvard, Zuckerberg disse: “Toda geração expande suas definições de igualdade. Agora é a hora da nossa geração definir um novo contrato social. Nós devemos ter uma sociedade que mede progresso não por métricas econômicas como o PIB, mas por quantos de nós desempenhamos um papel realmente significativo. Deveríamos explorar ideias como renda básica universal para dar a todos o mínimo para tentarmos coisas novas.”

Além deles, também veio do Vale do Silício uma das iniciativas privadas mais conhecidas de renda básica universal dos últimos anos. Em 2016, a aceleradora de startups Y Combinator anunciou um experimento de cinco anos, por meio do qual distribuiria de US$ 1 mil a US$ 2 mil por mês a cerca de 100 famílias nos EUA. “A renda será dada incondicionalmente (…) Esperamos que a renda básica promova liberdade, e queremos ver como as pessoas experienciarão essa liberdade”, escreveu Sam Altman, presidente da Y Combinator, em 2016.

No Brasil

Por aqui, o exemplo apontado como o mais próximo de uma renda básica é o Bolsa Família, embora esteja voltado apenas a uma parcela da população (a faixa mais pobre) e envolva condicionalidades (as crianças da família precisam estar matriculadas e garantir frequência escolar mínima).

O mais conhecido defensor de uma política totalmente alinhada ao conceito internacional de UBI é o ex-senador e vereador de São Paulo, Eduardo Suplicy (PT). Há anos, o político dissemina a ideia por meio do programa que chamou de Renda Básica de Cidadania, o qual distribuiria a mesma renda para todo cidadão brasileiro, além de estrangeiros residentes há mais de cinco anos no país.

Embora o programa de Suplicy já tenha virado lei (nº 10.835) em 2004, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a política não foi regulamentada e, por isso, não tem previsão para entrar em vigor. Em artigo publicado em junho de 2016, Suplicy afirma que a maior vantagem seria “do ponto de vista da dignidade e da liberdade do ser humano”, já que as pessoas não teriam de trabalhar em empregos precários, sob o medo de não conseguir se manter.

Nota de esclarecimento: Em versão anterior da notícia veiculada pelo Nexo, título e texto afirmavam que o experimento de renda básica finlandês seria descontinuado em 2019. Entretanto, a agência de seguridade social finlandesa negou, na quarta-feira (25/04), a suposta recusa governamental pela ampliação do experimento. Por inadequação, título e texto foram corrigidos e as informações foram atualizadas às 16h30 de 25 de abril de 2018.

Fonte: Nexo
Texto: Murilo Roncolato
Data original da publicação: 24/04/2018

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