O cuidado público contra o coronavírus é uma questão de classe e não de ser humano

Cooperativas e associações de catadores de Porto Alegre recebem resíduos de toda a cidade. Fotografia: Luiza Castro/Sul21

A maior parte das catadoras e catadores trabalha sem luvas, sem máscaras e sem álcool gel, portanto a categoria se torna um dos públicos mais expostos a contrair o vírus.

Alex Cardoso

Fonte: Sul21
Data original da publicação: 17/03/2020

A pandemia coronavírus tem colocado em xeque o sistema capitalista que, por um lado, amplia o cuidado com os seres humanos e, por outro, esconde que este cuidado não é com todos os seres humanos. Há seres humanos que podem ser descartados dentro deste sistema, entre eles um dos públicos mais vulneráveis – nesta situação de pandemia – as catadoras e catadores de materiais recicláveis são um exemplo.

Em Porto Alegre – e no Brasil, conforme informações do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – os governos e a sociedade tem ampliado os cuidados com a saúde, evitando sair de casa, lugares de acumulação de pessoas, encerrando atividades em vários lugares de grande concentração de público, entretanto este cuidado não é com a totalidade dos seres humanos.

Universidades, Câmara de Vereadores, Fóruns de Justiça, jogos de futebol, mobilizações e aglomerações de pessoas, diante da pandemia fecham suas atividades, entretanto ônibus, cooperativas de reciclagem, fábricas e centros comerciais permanecem abertos. Contrairiam muitas perdas em dinheiro pagando trabalhadores em quarentena. É melhor deixar expostos e o SUS e Previdência arcarem com os custos de uma eventual contração do vírus, pois a não fabricação e comercialização dos produtos, aleijaria o sistema. Desta forma, os capitalistas deixam as claras que há seres humanos que podem ser descartados e outros não.

As cooperativas e associações de catadores de Porto Alegre recebem resíduos de toda a cidade, os quais passarão pelas mãos das catadoras e catadores na reciclagem. O compartilhamento de objetos é uma das formas de transmissão do vírus. Diante deste processo, a categoria se torna um dos públicos mais expostos a contraí-lo.

Desde dezembro de 2019, nossas organizações começaram a ser contratadas pelo governo Marchezan, Prefeitura de Porto Alegre,  para realização deste trabalho, diga-se de passagem que apesar de toda luta que fizemos, o contrato de valor insignificante (sete mil reais mensais em média) paga apenas água, luz, e meramente a manutenção de equipamentos, não contemplando o pagamento pelo nosso serviço prestado, sendo que até o momento, mesmo nesta situação de pandemia, a prefeitura não honrou nenhum dos contratos – estando todos com seus pagamentos atrasados.

Sem dinheiro, as cooperativas e associações seguem trabalhando sem proteção. A maior parte das catadoras e catadores trabalha sem luvas, sem máscaras e sem álcool gel, meios principais para não contrair o vírus. Não segue fotos, evitando retaliações ainda maiores por parte da prefeitura que pode identificar qual grupo se trata.

Queremos desde este momento, deixar em público nossa indignação, pois somos sim seres humanos e merecemos tratamento igual – perante a lei e perante uma sociedade que se diz organizada e racional – deixando claro que queremos nossos direitos, bem como exigimos que em caso de algum companheiro contrair o vírus, diante do aqui explicado e pela modalidade de serviço que realizamos, recursos para manter nossas famílias em quarentena bem como o imediato pagamento do nossos contrato atrasado em mais de três meses, para que possamos diminuir nossa exposição ao vírus.

Alex Cardoso é catador de materiais recicláveis na Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis da Cavalhada – ASCAT, da Central de Cooperativas de Catadores de Porto Alegre e Região Metropolitana – Rede CATAPOA, e integrante da Equipe de Articulação Movimento Nacional das Catadoras e Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR.

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