O capitalismo é réu pelo desemprego em massa na pandemia

Mesmo em uma pandemia como a atual, onde quer que o distanciamento social possa garantir locais de trabalho seguros, a substituição do desemprego pela redução de horas de trabalho faz sentido, mas permanece rara.

Richard D. Wolff

Fonte: Carta Maior, com Truthout
Tradução: César Locatelli
Data original da publicação: 08/05/2020

As manchetes de hoje gritam para nós o trauma, a dor e a perda, resultantes de uma explosão histórica do desemprego capitalista. O desemprego sempre foi uma acusação zombeteira do capitalismo. O desemprego também ameaça o capitalismo. Esse sistema recompensa os empregadores com lucros provenientes do trabalho assalariado dos empregados. Contudo, falha em mantê-los trabalhando e, assim, prejudica seus lucros. Pior ainda, esse fracasso se repete com bastante regularidade – um fenômeno conhecido como ciclo de negócios.

Seus ciclos expõem o capitalismo como intrinsecamente socialmente irracional. Trabalhadores desempregados continuam a consumir, embora em quantidades reduzidas. Eles simplesmente param de produzir. Obviamente, seria melhor manter os trabalhadores produzindo o que continuam consumindo. O capitalismo não consegue fazer isso durante seus ciclos recorrentes, apesar dos inúmeros esforços, incluindo a economia e as políticas keynesianas desde a década de 1930. Os ciclos repetidamente causam muito sofrimento e perda.

Ainda outra irracionalidade do capitalismo reside na obstinada recusa da maioria dos capitalistas em considerar, muito menos implementar, uma alternativa óbvia ao desemprego. Quando os trabalhadores começam a ser demitidos (devido à queda na demanda, automação etc.), os empregadores poderiam manter o emprego, mas reduzir as horas dos trabalhadores por semana. Em vez de 10% de desemprego, reduza-se a semana básica de trabalho de 40 para 36 horas. Todos os trabalhadores vão para casa às 13h, e não às 17h, toda sexta-feira.

Os custos do desemprego versus aqueles da redução de horas de trabalho são difíceis de medir e, portanto, comparar. O que provavelmente explica a preferência da maioria dos capitalistas pelo desemprego é o poder que ele lhes permite exercer sobre os trabalhadores. A perspectiva real de desemprego mantém os trabalhadores ansiosos, competindo entre si para evitar ser aquele escolhido para a demissão. Nesse caso, o que é racional para os empregadores (uma minoria social) prevalece, apesar de irracional para os empregados (a maioria). Mesmo em uma pandemia como a atual, onde quer que o distanciamento social possa garantir locais de trabalho seguros, a substituição do desemprego pela redução de horas de trabalho faz sentido, mas permanece rara.

A perspectiva de desemprego atormenta os trabalhadores e suas famílias com ansiedades. A experiência do desemprego está associada a níveis crescentes de depressão, alcoolismo, abuso de drogas, problemas conjugais, abuso infantil e outros males sociais. Também está associado a níveis decrescentes de autoestima do trabalhador, de habilidades profissionais, de economia pessoal e de saúde física e mental.

O desemprego é indesejado por funcionários e empregadores, mas os atinge repetidamente. Os defensores do capitalismo sempre se preocupam: trabalhadores desempregados, vistos como vítimas do capitalismo, tornam o público mais receptivo para ouvir seus críticos. As alianças das vítimas com os críticos do capitalismo desafiaram o sistema no passado e o ameaçam agora novamente.

O desemprego costuma fazer parte de um ciclo vicioso no capitalismo. Trabalhadores desempregados perdem renda e, portanto, cortam seu consumo. Isso priva os capitalistas, que produzem mercadorias de consumo dos trabalhadores, da demanda de mercado, das vendas e, portanto, dos lucros que daí resultariam. Em resposta, esses capitalistas demitem partes de sua força de trabalho. Isso piora o desemprego: o ciclo vicioso.

Muitos fenômenos podem desencadear o desemprego no capitalismo. Cada caso inicial de desemprego pode ou não se converter em uma espiral descendente viciosa a depender de serem desencadeadas outras reações internas no capitalismo. Por exemplo, suponha que a mudança no gosto do consumidor signifique que se compre menos da mercadoria A e que os capitalistas demitam trabalhadores que produzem A. Isso pode levar a um ciclo descendente perverso – mas não se, por exemplo, os consumidores mudarem para comprar mais mercadoria B. Os capitalistas podem então contratar os trabalhadores demitidos de A para passar a trabalhar na produção de B.

O desemprego impressionante e de rápido crescimento gerado pelas falhas do capitalismo em se preparar e lidar com a pandemia do COVID-19 é diferente do nosso exemplo. Já desencadeou uma cruel espiral descendente. O vírus foi o gatilho, mas um capitalismo enfraquecido reagiu ao gatilho com um colapso econômico. Especialmente nos EUA, muito pouco foi feito e tarde demais para contrapor – pelo aumento do emprego em outras partes do sistema – o desemprego desencadeado pela pandemia. O aumento da contratação por serviços de entrega, por exemplo, ficou muito aquém da absorção dos milhões demitidos de restaurantes, bares, lojas de departamento, hotéis, companhias aéreas e assim por diante. Então, a espiral descendente explodiu.

Nada disso era necessário. Como no New Deal dos anos 30, o governo dos EUA poderia ter empreendido um enorme programa federal de empregos. Isso poderia ter reempregado milhões demitidos por empregadores que paralisaram o setor privado. A lista de tarefas socialmente úteis para esses funcionários federais inclui campanhas para testes massivos de coronavírus social; para limpeza/desinfecção regular de espaços públicos; para readequar instalações públicas para manter o distanciamento social quando necessário; para tutoriais contínuos via mídia social para estudantes de escolas públicas (mas também para o público em geral que busca aprender novas habilidades); para desenvolver uma economia “verde”; para estabelecer um setor cooperativo de trabalhadores da economia e assim por diante.

O capitalismo se vê como um sistema econômico “racional”. No entanto, é irracional privar os funcionários de empregos quando as ferramentas, equipamentos e matérias-primas necessárias para produzir bens e serviços socialmente úteis estão disponíveis. É igualmente irracional permitir que os locais de trabalho permaneçam ociosos, acumulando ferrugem e poeira, em vez de reconfigurá-los ou reestruturá-los para serem locais seguros para uma produção socialmente útil. É irracional impedir que milhões de desempregados, possam manter sua saúde física e mental, associada a trabalhos significativos. Por último, mas não menos importante, é irracional privar toda a sociedade dos bens e serviços capazes de serem produzidos por trabalhadores reempregados. Se o setor capitalista privado não puder ou não voltar a empregar da maneira socialmente mais útil, o governo pode e deve fazê-lo.

Se as considerações de lucro levam os capitalistas privados a decisões socialmente irracionais – como demitir milhões de funcionários -, o lucro não deve ser o critério decisivo da sociedade. Deveríamos substituir o sistema de lucro por diferentes critérios, diferentes “últimas linhas” que conduzam as decisões da empresa. Esse sistema pode combinar utilmente empresas organizadas por iniciativas privada e pública, em ambos os casos, como cooperativas de trabalhadores. Nelas, os trabalhadores tomam decisões empresariais democraticamente: cada trabalhador teria um voto igual. Além disso, dois outros grupos de partes interessadas participam, igualmente democraticamente, na tomada dessas decisões: (1) os consumidores da produção de cada empresa; e (2) os moradores das comunidades em que cada empresa atua.

Esse sistema teria como alvo as qualidades e a segurança de empregos, consumo e residência como objetivos principais – “resultados finais”, juntamente com a lucratividade da empresa.

Propor cooperativas de trabalhadores como estruturas para reempregar os milhões privados de trabalho em colapsos capitalistas tem um objetivo particular. Os trabalhadores das cooperativas de trabalhadores enxergariam a irracionalidade básica do desemprego e reagiriam mais cedo do que os capitalistas normalmente fazem. A região italiana de Emília-Romanha fornece um exemplo útil de uma região em que as cooperativas de trabalhadores são institucionalizadas e representam 40% da economia. Seu grande setor cooperativo é um dos principais contribuintes para as baixas taxas de desemprego da região (mais baixas que a da Itália e também mais baixas que a da UE), para suas maiores taxas de produtividade, para seus excelentes números do PIB e assim por diante.

A construção desse setor nos Estados Unidos permitiria que seus residentes escolhessem genuinamente os sistemas econômicos. Os cidadãos podiam observar, comprar e trabalhar dentro de empresas organizadas como cooperativas de trabalhadores e, assim, compará-las com suas contrapartes organizadas de forma capitalista. Em seguida, informadas, poderiam ser feitas escolhas democráticas sobre qual combinação de dois sistemas econômicos alternativos é desejada pela população dos EUA.

Mover-se nessas direções ajudaria bastante a encontrar e desenvolver possibilidades positivas agora enterradas sob o amontoado catastrófico de uma pandemia viral e um enorme colapso capitalista.

Richard David Wolff é um economista americano, conhecido por seu trabalho em metodologia econômica e análise de classes. 

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