‘O Brasil perde dinheiro por não saber aproveitar a vontade de trabalho dos imigrantes’

No dia 8 de janeiro, quando o Itamaraty anunciou a saída do Brasil do Pacto Migratório, Mor Ndiaye não ficou surpreso.

Por meio de um telegrama, o Ministério das Relações Exteriores pediu a diplomatas brasileiros que comuniquem à Organização das Nações Unidas (ONU) que o Brasil saiu do Pacto Global para a Migração, ao qual o país tinha aderido em dezembro, no fim do governo Michel Temer.

Mor é imigrante. Há cerca de 10 anos, chegou ao Rio Grande do Sul procurando por oportunidades melhores de trabalho. Vindo do Senegal, encontrou um Brasil em expansão e conta ter tido uma trajetória de crescimento profissional e pessoal desde que chegou. “Algo quase impensável para quem atravessa a fronteira hoje”, afirma.

No documento, o Ministério solicita às missões do Brasil na ONU e em Genebra a “informar, por nota, respectivamente ao Secretário-Geral das Nações Unidas e ao Diretor-Geral da Organização Internacional de Migração, ademais de quaisquer outros interlocutores considerados relevantes, que o Brasil se dissocia do Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular”. O Itamaraty complementa, ainda, que o Brasil não deverá “participar de qualquer atividade relacionada ao pacto ou à sua implementação”.

Negociado desde 2017, o pacto estabeleceu diretrizes para o acolhimento de imigrantes. Entre os pontos definidos estão a noção de que países devem dar uma resposta coordenada aos fluxos migratórios, de que a garantia de direitos humanos não deve estar atrelada a nacionalidades e de que restrições à imigração devem ser adotadas como um último recurso. “Foi uma decisão política, muito mais do que prática. Ainda não é algo que vai ser visto da noite para o dia, mas sinaliza a orientação política para os próximos anos”, reflete Mor.

Em 2018, o pacto foi chancelado por cerca de dois terços dos 193 países membros da ONU. Nações influentes no cenário internacional – como os EUA, Itália, Austrália e Israel, entre outros – ficaram de fora por avaliar que o pacto violava a soberania dos Estados.

O ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira, que representou o Brasil nas negociações, já havia criticado a ideia de abandonar o pacto. “A questão (migratória) é sim uma questão global. Todas as regiões do mundo são afetadas pelos fluxos migratórios, ora como pólo emissor, ora como lugar de trânsito, ora como destino. Daí a necessidade de respostas de âmbito global”, escreveu no Twitter.

Aloysio afirmou ainda que o pacto não “autoriza migração indiscriminada” e “busca apenas servir de referência para o ordenamento dos fluxos migratórios, sem a menor interferência com a definição soberana por cada país de sua política migratória”. Movimentos conservadores simpáticos à candidatura de Bolsonaro eram críticos ao acordo. Em Bruxelas (Bélgica), um protesto contra o pacto convocado por grupos de extrema-direita reuniu cerca de 5 mil pessoas e terminou com confrontos entre manifestantes e forças de segurança, em dezembro. “Quando se alguém se posiciona contra a imigração, não pensa nos japoneses e nos europeus. Pensa nos latinos e nos africanos. Não se é contra a imigração de quem escolhe não viver no seu país”, aponta Mor.

Perda de oportunidades

O Senegal é um dos 25 países com o pior Índice de Desenvolvimento Humano do mundo. Apesar de não ter sua história recente marcada por conflitos internos – como vários outros do continente africano – a falta de trabalho implicou em uma saída do país massiva, intensificada entre 2010 e 2016. Para Mor, o contexto de escassez ilustra a vontade de trabalhar dos senegaleses que imigram.  “Os imigrantes não estão aqui para tirar oportunidades. Se os brasileiros soubessem somar essa força extra de trabalho, só teriam a ganhar.”

Em 2018, Mor reuniu outros dois amigos do Senegal que moram em Porto Alegre para fundar uma empresa na área da construção civil. Chamada GAW, o trio já contratou outros sete funcionários e, segundo Mor, tem tido alta procura dentro do mercado. “Vimos pessoas que não mereciam ser operárias a vida toda, que precisavam de uma oportunidade de crescer. Pagamos impostos, altos impostos, mas com muito orgulho. Trabalhamos, também, para o Brasil.”

Mor também é presidente da Associação de Senegaleses de Porto Alegre. De acordo com ele, apesar da situação de crise financeira e alta no desemprego enfrentada pelo Brasil, a abertura de negócios próprios dentro da comunidade tem sido cada vez mais comum. “Apenas no Centro de Porto Alegre, existem entre 10 e 15 lojas de senegaleses. São pessoas que estão criando emprego, interferindo na economia.”

Com a expectativa de vida aumentando e as taxas de natalidade diminuindo, o Brasil tende a se tornar um país cada vez mais envelhecido. Segundo o Instituto Brasileiro de Georafia e Estatísticas (IBGE), 1 em cada 4 brasileiros terá mais de 65 anos em 2060. A pesquisa mostra que a fatia de pessoas com mais de 65 anos alcançará 15% da população já em 2034, ultrapassando a barreira de 20% em 2046. Em 2010, estava em 7,3%.

De acordo com Mor, a migração senegalesa segue uma tendência diferente das demais; os imigrantes dificilmente têm a intenção de permanecer no mesmo país por muito tempo. “Muitos querem voltar, em algum momento, quando a economia melhorar. Ou, até mesmo, seguir para outros países.” Não há um levantamento concreto sobre quantos senegaleses estão vivendo no Brasil. Dados do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM), instituição de Caxias do Sul que acolhe muitos senegaleses, afirmam que cerca de mil imigrantes do Senegal estão no Rio Grande do Sul. “Imigração é movimento. Deve-se aproveitar esse momento, essa vontade, enquanto está aqui.”

Desencanto

Reinaldo Fuentes passou sua vida em San Juan de Manapiare, no sul da Venezuela. Por ser isolado dos grandes centros urbanos, sem uma estrada de acesso, Reinaldo cresceu pilotando pequenos aviões para se locomover.

Lá, conheceu sua esposa. Uruguaia e médica, ela atuava na região promovendo assistência primária. Em 2013, ela se cadastrou no programa Mais Médicos. Chegaram ao Brasil em janeiro de 2014, sendo encaminhados para a região metropolitana de Porto Alegre. “Para mim foi muito forte, muito duro”, diz, ao lembrar do primeiro ano no Brasil.

Ele cita a dificuldade com a língua e a distância da família. Mas, também, o fato de acompanhar de longe o que acontecia na Venezuela. Em 2014, o preço do petróleo – principal produto de exportação venezuelana – desabou. Entre 2013 e 2017, o PIB venezuelano teve uma queda de 37%. O Fundo Monetário Internacional prevê que, neste ano, caia mais 15%. O país vive a maior recessão de sua história: são 12 trimestres seguidos de retração econômica, segundo anunciou em julho a Assembleia Nacional, o parlamento venezuelano, que atualmente é controlado pela oposição.

A crise política e humanitária resultou em um fluxo migratório intenso na fronteira com o Brasil. O ex-presidente Michel Temer (MDB) protocolou medidas para executar um programa de interiorização – que corre o risco de não ser renovado na gestão de Jair Bolsonaro (PSL). Com isso, mais de 300 pessoas passaram a residir em abrigos no Rio Grande do Sul.

Reinaldo foi um dos membros da comunidade venezuelana que se mobilizou para criar um grupo de acolhimento. “Recebemos e repassamos doações, além dar apoio para que o impacto na chegada não seja tão grande. São pessoas que já passaram por muito.”

No entanto, ele se diz desencantado com o Brasil. “Todo imigrante tem alguma história de preconceito para contar. Infelizmente, elas têm se intensificado nos últimos meses. Além de ser uma troca cultural, fluxos migratórios trazem pessoas que estão em fase de produção, que querem contribuir. Ninguém vêm para cá acreditando em programas sociais. Querem trabalhar e crescer. Atitudes políticas que nos distanciam disso só prejudicam as oportunidades dos imigrantes e dos brasileiros.”

Fonte: Sul21
Texto: Giovana Fleck
Data original da publicação: 20/01/2019

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