Em evento organizado pela Câmara de Comércio do Brasil na França (CCBF), o economista Octavio de Barros, que foi economista-chefe do Bradesco por 14 anos e assessor do Ministério da Fazenda, falou a um público francês sobre como ele vê a política econômica no Brasil a partir de 2023. Para ele, num país onde 46% das crianças estão abaixo da linha de pobreza e 29% dos jovens entre 18 e 24 anos não estudam nem trabalham, é preciso ter ousadia na política econômica para a questão social.
“O risco de não agir na área social é muito maior do que o eventual risco de ter algum pequeno aumento na relação da despesa pública sobre o PIB, que eu acho realmente não vai ser nada muito significativo. Mas o Brasil precisa enfrentar esse dilema. Tornou-se insustentável a situação social do Brasil, que é o país mais desigual do mundo – aqui eu me refiro a países importantes”, analisa.
O economista clama por o que ele chama de “radicalidade democrática responsável”: “As externalidades dessa desigualdade são muito negativas no plano social e também no plano empresarial. E ao Brasil, dado o nível de desenvolvimento que o país já tem, não nos é dado o direito de não olhar com ousadia essa questão da desigualdade. É preciso uma certa radicalidade democrática responsável. A palavra ‘responsável’ não está aí por acaso; é possível, sim, conferir um papel de protagonismo para a questão da desigualdade na política econômica, e na política em geral, com muita responsabilidade macroeconômica na área fiscal”, acredita.
Bolsa para jovens
“Vai ser necessária ousadia, inclusive com aquela proposta da senadora Simone Tebet de conferir uma bolsa para os estudantes ficarem na escola, não precisarem trabalhar. O grande desafio não é só de continuar as políticas de médio e longo prazo para melhorar a educação, mas também sustentar com uma certa ousadia políticas emergenciais de curto prazo para dar um caráter mais emancipador a segmentos que estão muito penalizados no Brasil”, completa.
Para isso, Barros considera que é preciso acabar com o teto de gastos, inclusive na Constituição, e que “é muito mais razoável ter leis como a Lei de Responsabilidade Fiscal ou algum outro critério para crescimento da dívida pública, com proporção do PIB”.
Otimista com o futuro do Brasil, o economista considera boa a escolha de Fernando Haddad para a Fazenda. “O Fernando Haddad é uma pessoa extraordinariamente competente e muito maduro. É uma pessoa que ouve muito bem e vai montar uma equipe de gente muito qualificada. Ele não é um técnico no sentido clássico de macroeconomia, mas ele é um político. E a gente aprendeu, ao longo da história, que o ministro da Fazenda no Brasil tem que ter uma relação muito próxima do presidente da República”.
“Acho que nós não teremos nenhum tipo de surpresa negativa no plano fiscal. Acho que é exatamente o oposto: vamos ter uma surpresa positiva, e os agentes econômicos vão reconhecer que hoje ninguém mais brinca com a área fiscal, ninguém corre risco na área fiscal. É uma área muito delicada e que abala muito os mercados, particularmente, e pode gerar aumento de taxa de juros de longo prazo e reduzir o crescimento. Então, o fiscal, no governo Lula, vai ser tratado com responsabilidade”, disse ele, lembrando que o Brasil tem a maior taxa de juros reais do mundo (8%).
Mercado financeiro versus social?
Octavio de Barros, que trabalhou durante 25 anos no mercado financeiro, acha que o setor não tem motivos para preocupação. “É evidente que o mercado financeiro gostaria de ver pessoas ligadas a eles no comando da Economia. Isso aí é comum, é normal. Mas eu acho que vão se surpreender. Eu acho que não vão ter nenhum tipo de risco, muito pelo contrário. E acho que o mercado financeiro em algum momento vai reconhecer a necessidade do Brasil de focar no social – com responsabilidade, obviamente”.
Em meio à inflação e crise energética mundial, o economista vê oportunidades para o Brasil, tanto interna quanto externamente. “As oportunidades poderiam se resumir no fato de o Brasil produzir uma energia limpa e de passar a ter uma uma atitude totalmente diferente do governo precedente em relação à questão climática, a Amazônia, em particular, e o Cerrado”.
Economia verde
“Eu acho que, se o Brasil for de fato capaz de mostrar para o mundo que nós temos esse desafio – como um desafio nosso e não apenas um desafio que interessa a outros países – de fazer da economia verde e da redução da desigualdade novos drivers de crescimento, o país tem um belo cartão de visitas para o mundo, com oportunidades que poucos outros países têm”, analisa.
“Os países emergentes que produzem energia limpa e sustentável e, ao mesmo tempo estão fora do circuito mais tenso da geopolítica mundial, têm um potencial de atração de investimentos e de negócios maior do que os outros. Então eu vejo um cenário internacional que pode ser muito favorável ao Brasil”, sublinha.
O presidente da Câmara de Comércio do Brasil na França, Philippe Lecourtier, que já foi embaixador da França no Brasil e abriu a conferência de Octavio de Barros, concorda com o economista e se mostra bastante esperançoso com os rumos que as relações entre França e Brasil devem tomar a partir de 2023.
“O quadro político é importante para criar um clima favorável e, incontestavelmente, haverá, no plano político, uma grande retomada das relações entre os dois governos. Se o clima econômico e social no Brasil melhorar, como é bastante provável, nossos investidores ficarão ainda mais inclinados a estarem presentes no Brasil, com ainda mais possibilidades de desenvolvimento”, acredita o antigo embaixador da França no Brasil.
“O Brasil é um país pacífico, com energia abundante e barata e tem ativos maravilhosos para investimentos franceses. E, para as empresas brasileiras que se beneficiarão desta cooperação, o ano de 2023 será auspicioso. Eu acredito que vai ser um ótimo ano para que nós – brasileiros e franceses – retomemos a fundo nossas relações políticas e econômicas”, conclui Lecourtier.
Fonte: RFI
Texto: Paloma Varón
Data original da publicação: 14/12/2022