A alteração legislativa aplica-se apenas aos entregadores de plataformas, como Glovo, Deliveroo e Ubereats e, por enquanto, não há ampliação para outras atividades uberizadas.
Rodrigo Trindade
Fonte: Revisão Trabalhista
Data original da publicação: 21/05/2021
Na Espanha, foi publicada, hoje, 12 de maio de 2021, alteração na lei nacional de trabalho, posta para garantir direitos trabalhistas a entregadores de plataformas digitais. A nova norma busca esclarecer confusões e fraudes que atingem as grandes cidades do planeta: os entregadores são empregados ou autônomos?
A alteração legislativa aplica-se apenas aos entregadores de plataformas, como Glovo, Deliveroo e Ubereats e, por enquanto, não há ampliação para outras atividades uberizadas.
Em sua exposição, a nova lei afirma que as vantagens e consequências positivas sobre as condições de trabalho são perfeitamente compatíveis com a finalidade do direito do trabalho e sua função equilibradora de interesses, protetora da parte contratualmente mais frágil. E, ao mesmo tempo, permite gestões de pessoas através de novas tecnologias e melhora da produtividade das empresas.
O instrumento normativo utilizado foi o decreto-ley, sob fundamento da exigência de responder a situação urgente, e que não pode aguardar o processo legislativo ordinário.
Concertação social resultado de pronunciamentos judiciais
O RDL 9/2021 é resultado de longa negociação entre sindicatos de trabalhadores, associações empresariais e o governo espanhol, por meio de seu Ministério do Trabalho. A origem da discussão remota em diversos processos judiciais.
Desde decisão do ano passado, tomada pelo Tribunal Supremo, os entregadores já deviam ser tratados como empregados (STS 805/2020, de 20 de setembro). O professor espanhol, Antonio Baylos historia que a ofensiva judiciária das empresas para afirmação de trabalho autônomo resultou negativa, pois respondeu o Judiciário haver efetiva relação de emprego entre entregadores e plataformas digitais. A partir disso, as partes iniciaram negociações no final de outubro de 2020, prolongando-se até o início de março do ano seguinte. Na sequência, passaram-se a trâmites internos no conselho de ministros para aprovação da norma com urgência. Segundo Baylos, o grande êxito da norma reside em seu longo processo de negociação, que culminou em acordo tripartite e afastamento da larga utilização de falsos autônomos.
Presunção de vínculo de emprego
Apesar da Espanha reconhecer a figura do trabalho parassubordinado (tal como, em conformações próprias, a Itália e o Reino Unido), o mais importante esclarecimento feito pelo Real-Decreto-ley n. 9 em sua modificação na Ley del Estatuto de los Trabajadores está em firmar a presunção de trabalho assalariado, submetido à legislação trabalhista e previdenciária. Assim estabelece a Disposición Adicional 23:
Disposición adicional vigesimotercera. Presunción de laboralidad en el ámbito de las plataformas digitales de reparto
Por aplicación de lo establecido en el artículo 8.1, se presume incluida en el ámbito de esta ley la actividad de las personas que presten servicios retribuidos consistentes en el reparto o distribución de cualquier producto de consumo o mercancía, por parte de empleadoras que ejercen las facultades empresariales de organización, dirección y control de forma directa, indirecta o implícita, mediante la gestión algorítmica del servicio o de las condiciones de trabajo, a través de una plataforma digital.
Esta presunción no afecta a lo previsto en el artículo 1.3 de la presente norma.
Esclarece-se que a atividade do empregador deve ser de entrega ou distribuição de qualquer produto ou mercadoria, com faculdades de organização, direção e controle, exercido de forma direta, indireta ou implícita, por meio de plataforma digital e uso de algorítmo para gestão do serviço.
A presunção de vínculo de emprego estabelece-se a partir de três requisitos: a) desenvolvimento de atividades de entrega ou distribuição; b) exercício pela empresa de poderes de direção direta ou implícita, por conta de plataforma digital; c) utilização de algorítmo para gestão do serviço ou determinação das condições laborais.
Na avaliação do professor Adrián Todolí , a presunção firmada é do tipo relativa. Promove-se inversão da carga probatória, de modo que, em caso de alegação de falso trabalho autônomo, caberá ao trabalhador apenas demonstrar prestação de serviços remunerados. Em sua defesa, poderá então a empresa fazer prova que o trabalho se desenvolveu com independência e por conta do próprio prestador.
Direito de informação
Somam-se outras obrigações importantes, como direito de conhecimento sobre o algorítmo de gestão de pessoas e organização do serviço. Estabelece-se com a alínea “d”, do apartado 4 do artigo 64:
d) Ser informado por la empresa de los parámetros, reglas e instrucciones en los que se basan los algoritmos o sistemas de inteligencia artificial que afectan a la toma de decisiones que pueden incidir en las condiciones de trabajo, el acceso y mantenimiento del empleo, incluida la elaboración de perfiles.
A RDL 9/2021 impõe dupla obrigação de informações: aos próprios entregadores e às entidades representativas. Nesse sentido, a nova norma põe em prática diretos de representação coletiva e implantação sindical. Permite, assim, que os sindicatos também tenham acesso aos parâmetros, regras e instruções sobre as quais se baseiam os algorítmos ou sistemas de inteligência artificial que afetam a organização do trabalho. As empresas não estão obrigadas a entregar os parâmetros e instruções dos algorítmos e inteligência artificial que não digam respeito às condições laborais.
Pioneirismo
A Espanha é o país europeu pioneiro na regulação legal do trabalho por algoritmos, e o faz a partir da orientação da Organização Internacional do Trabalho de normatizar a partir da concertação social. Apesar de já publicada, a norma tem prazo de três meses para que passe a ser aplicada. Durante esse período, as empresas deverão buscar adaptação aos parâmetros legais impostos.
Na definição dos legisladores, a nova lei buscou compatibilidade permissiva da revolução tecnológica em seus aspectos positivos, de forma equitativa e promotora de progresso na sociedade. Um mercado de trabalho com direitos – na definição do preâmbulo – é garantia de uma sociedade moderna, assentada na coesão social, que avança democraticamente; “um mercado centrado nas pessoas”.
Rodrigo Trindade é professor universitário, ex-Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região – AMATRA IV, juiz do Trabalho na 4ª Região.