Nos EUA, contra a pobreza, governo luta para aprovar reajuste do salário mínimo

A criação de uma política de valorização do salário mínimo ganhou status de principal tema das eleições legislativas de 2014 nos EUA, que vão renovar um terço do Senado e toda a Câmara americana, em passo inédito na mais rica economia do planeta. É um sinal dos tempos. No radar dos democratas desde o ano passado, a campanha pelo aumento do piso nacional de US$ 7,25 a hora para US$ 10,10 – reajuste de quase 40% – revela a necessidade de ação governamental para recompor a renda dos americanos. Os rendimentos foram achatados nos últimos 40 anos e pela Grande Recessão, em meio aos fenômenos da polarização do mercado de trabalho entre vagas de baixa e alta qualificações e da desigualdade crescente numa nação acostumada com a certeza da mobilidade social.

Se o reajuste do salário mínimo tiver aval legislativo, 16,5 milhões de trabalhadores que recebem o piso e 8 milhões que têm salários diretamente atrelados a ele seriam beneficiados, adicionando pelo menos US$ 17 bilhões à renda nacional, segundo o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês). Para se ter uma ideia mais precisa do impacto, basta contabilizar o efeito no salário anual de trabalhadores de baixa renda nos EUA: subiria de US$ 14.500 – mais de US$ 4 mil abaixo da linha de pobreza para uma família de três pessoas – para US$ 20.200.

Não só a política está se mobilizando em torno do tema. Na academia, 600 economistas dos mais renomados dos EUA – incluindo sete ganhadores do Nobel, como Joseph Stiglitz, Kenneth Arrow, Robert Solow, Thomas Schelling e Peter Diamond – escreveram uma carta aos líderes dos poderes Executivo e Legislativo endossando o reajuste do mínimo como boa política para os EUA. A discussão animou as entidades conservadores do outro lado, que acusam sistematicamente o governo Barack Obama de intervencionismo estatal e se opõem aos estados que têm elevado seus pisos regionais.

No campo corporativo, a disputa de imagem também se fortaleceu. O presidente Obama está entre as figuras do alto escalão que vêm citado nominalmente empresas – de pequeno e grande portes – que concederam reajustes em seus salários-base, como as varejistas Costco e Gap. Do outro lado, empresas como Wal-Mart e McDonald´s têm sido vistas como vilãs do achatamento salarial, com boa parte dos funcionários ganhando o mínimo realizando greves de um dia em diversos pontos dos EUA, nos últimos 15 meses.

O mínimo americano, negligenciado especialmente desde o início dos anos 1980, representava pouco mais de 50% do salário médio dos trabalhadores em 1968 e, hoje, não passa de 37%, a relação mais baixa entre diversas economias ricas, da Nova Zelândia (51%) ao Reino Unido (39%), segundo estudo do economista Gary Burtless, do Brookings Institution. A perda de valor é fruto de uma matemática que combina 40 anos de reajustes abaixo da inflação e o represamento do aumento da produtividade das pessoas empregadas, que dobrou no mesmo período mas não apareceu em forma de ganhos nos contracheques.

O mínimo federal foi elevado pela última vez em julho de 2009, quando subiu 11%, sob o patrocínio dos democratas, que controlavam as duas casas do Congresso. De lá para cá, a Casa Branca já ensaiou novos reajustes, mas a Câmara, da qual os republicanos assumiram a maioria em 2010, bloqueia as discussões.

Nos últimos seis meses, os democratas voltaram à carga e apresentaram um projeto de correção de 39,3% no valor do piso federal a partir de 2015, com indexação à inflação ao consumidor daí em diante. Obama, que fez do tema um dos destaques de seu último discurso sobre o Estado da União, agarrou com unhas e dentes o assunto, dedicando boa parte de suas aparições públicas fora de Washington para promover a ideia e deixar a oposição numa saia justa.

Dois terços da população americana aprovam o reajuste do piso e por isso os governistas estão fazendo dela uma bandeira de campanha, já que estão ameaçados de perder o controle do Senado. Republicanos, porém, não morderam a isca e partiram para o confronto, insistindo na máxima teórica de que a intervenção federal em um preço fundamental da economia vai gerar distorções, a principal delas a demissão em massa de trabalhadores por empresas com o caixa estrangulado.

Combustível na fogueira da disputa, o apartidário CBO divulgou há dois meses um estudo que forneceu munição para os dois lados. Segundo o órgão de assessoria parlamentar, a proposta dos democratas tem o potencial de ceifar 500 mil vagas do mercado de trabalho até o segundo semestre de 2016 – embora as perdas possam ir de praticamente zero a um milhão, de acordo com as variáveis.

Por outro lado, descobriu o CBO, 900 mil famílias, ou 6 milhões de pessoas (60% das quais negras, nas contas do Center for American Progress), sairiam da condição de pobreza – a partir da injeção direta de US$ 5 bilhões no orçamento deste grupo – e a renda de 24,5 milhões de pessoas teria substancial aumento.

Republicanos e entidades conservadoras como a Heritage Foundation imediatamente denunciaram a proposta de Obama como destruidora de empregos. Os democratas, por sua vez, reforçaram a ideia de justiça social.

Para a maioria dos economistas, o CBO exagerou o impacto na quantidade de vagas, à luz de estudos recentes que comprovam relação menos direta entre aumento do mínimo e desemprego/abertura de postos, diante de variáveis como necessidade de retenção de funcionários e fidelidade e produtividade maiores de empregados bem remunerados.

Além disso, a maioria dos especialistas acredita que, na balança apresentada pelo CBO, a relação custo-benefício é claramente positiva. Por isso, considera que a correção do piso é boa política para os EUA, especialmente considerando-se a grande despesa federal corrente com benefícios sociais – pagos com o dinheiro do contribuinte, ao contrário do reajuste.

“A estagnação do mínimo desde 2009 resultou em milhões de americanos presos abaixo da linha de pobreza, apesar de terem emprego em tempo integral. Trabalham 40 ou mais horas por semana, mas os salários são tão baixos que eles precisam de bolsa-alimentação e outras assistências federais para o sustento da família. Ou seja, esse mínimo atual marginaliza milhões de americanos que têm capacidade de gerar crescimento para a economia”, afirma a economista Vanessa Cárdenas, do Center for American Progress.

Fonte: O Globo
Texto: Flávia Barbosa
Data original da publicação: 30/04/2014

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