O Instituto Trabalho Digno é uma entidade de caráter científico, sem fins lucrativos, que se propõe a executar e promover o estudo, a reflexão, a pesquisa e outras iniciativas de caráter técnico-científico acerca do trabalho. Um mundo frágil e repleto de conflitos, no qual mesmo garantias e valores perenes, como o direito a retornar vivo para casa ou não adquirir um câncer relacionado a fatores laborais, são constantemente fustigados.
O Sr. Presidente da República, por meio de sua conta no Twitter, confirma o desejo de promover a simplificação e desburocratização de regras – “Governo Federal moderniza as normas de saúde” – sendo seguido por uma torrente de manchetes acerca da redução, “em 90 %, das normas vigentes”.
Antes, o Sr. Rogério Marinho, Secretário Especial de Trabalho e Previdência do Ministério da Economia, havia afirmado a intenção de alterar as atuais normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho, conhecidas sob a sigla NR. No seu entender, haveria “custos absurdos em função de uma normatização absolutamente bizantina, anacrônica e hostil”, embora a autoridade não identifique quais pontos ou NR é dirigida a sua catilinária.
Talvez devesse ser informado que o sistema legal do antigo Império Bizantino foi herdado do velho Direito Romano, nunca sendo o resultado de construções tripartites – governo, empresários e trabalhadores – como o foram todas as NR brasileiras nas últimas décadas. É igualmente equivocada a qualificação “hostil às empresas” aderida a uma regulamentação que foi construída com o aval dos próprios empregadores. Não há informações que setores empresariais sólidos, suas representações e assessorias competentes tenham inaugurado uma nova forma de participação social, o “trabalhar atirando contra a seu próprio pé”, inclusive na paradigmática Norma Regulamentadora nº 12, do finado MTb.
Na verdade, sob o verniz da propalada modernidade na regulamentação de segurança e saúde no trabalho, projeta-se a sua domesticação ou destruição. Exemplos em economias fortes e sustentáveis: União Europeia, Estados Unidos da América, Japão, Austrália e outros países com alguma dimensão civilizatória não parecem ter sido observados. Todos possuem uma legislação importante em Segurança e Saúde no Trabalho – SST e, para que esta não seja simplesmente uma expressão de boas intenções e meias verdades, também formas de enforcement.
É impossível para qualquer economia sustentável ter seu crescimento baseado na morte e adoecimento de parcela significativa de sua força de trabalho, comprometendo o seu sistema de saúde e previdenciário. Algo absolutamente insustentável, absolutamente vil, absolutamente violento, cujo preço algum dia seria cobrado e pelas regras de mercado.
É verdadeiro que a regulação das questões relacionadas ao meio ambiente e de SST possuem uma dimensão política, além da técnica. Em 2017, a União Europeia (EU) renovou, por mais cinco anos, a licença para uso de herbicidas a base de glifosatos, mesmo diante de evidências de sua carcinogenidade para o homem (IARC/OMS), entre outros efeitos, com base em argumentos científicos e econômicos.
No entanto, no clima político vigente no Brasil, a discussão ampla, desarmada e democrática seria um objetivo difícil de ser alcançado, especialmente pelas singulares premissas já expressas por nossas autoridades. A precarização é um fato desde a chamada reforma trabalhista, porém há sinais que ingressamos em sua agudização. E não apenas de regulamentações de segurança e saúde, garantidoras de direitos e garantias constitucionalmente tutelados e de obrigações internacionalmente assumidas pelo Brasil, inclusive através de convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificadas.
Mantidas as intenções e objetivos divulgados, nos espera décadas de esperados passivos sociais, políticos e econômicos, o limiar da transformação deste lindo e violento país na senzala mais moderna do planeta Terra.
Fonte: Instituto Trabalho Digno
Data original da publicação: 14/05/2019