Várias organizações internacionais assinalam esta sexta-feira o Dia Internacional do Trabalho Doméstico. A Confederação Sindical Internacional celebrou o dia lembrando que “mais de um terço das 76 milhões de trabalhadoras domésticas são excluídas de leis laborais, muitas enfrentam exploração, abuso e não ganham salário”.
A CSI destacou ainda o trabalho do ramo sindical dedicado às trabalhadoras domésticas, a Federação Internacional dos Trabalhadores Domésticos, homenageando a “sua resiliência na construção de um movimento forte e unidos de centenas de milhares de trabalhadoras domésticas que lutam por justiça e respeito”. Esta organização reivindica representar 670.000 trabalhadoras domésticas de todas as proveniências: “trabalhadoras racializadas, de origem índia, de comunidades LGTBQI, trabalhadoras migrantes e ex-trabalhadoras infantis”.
A organização não deixou de lembrar a detenção e perseguição judicial de que tem sido alvo Elizabeth Tang, a líder da FITD, por parte das autoridades de Hong Kong. Esta foi presa em março passado quando visitava na prisão o seu marido, Lee Cheuk-yan, um dirigente da Confederação de Sindicatos de Hong Kong, e ex-deputado do Partido Trabalhista no parlamento da região.
A CSI apela ainda a todos os países para que implementem a Convenção sobre Trabalho Doméstico da Organização Internacional do Trabalho que “melhorou os direitos e proteções de milhões de trabalhadoras domésticas”.
E esta organização também assinalou o dia através de uma declaração de Gilbert F. Houngbo, o seu diretor-geral, que apelou igualmente a todos os países para ratificarem a Convenção sobre o Trabalho Doméstico da OIT. Para ele, “não há justiça social sem trabalho decente para as pessoas que são o fundamento de uma sociedade cuidadora”. É um trabalho “não reconhecido, não apreciado e não protegido. Agora, afirma, “é a nossa vez de tornar o seu bem-estar uma prioridade”.
Este foi também o dia escolhido pela organização para lançar dois documentos: uma “nova estratégia para alcançar um trabalho decente para as trabalhadoras domésticas” e um estudo que detalha a existência de trabalho forçado no setor no sudoeste da Ásia.
A estratégia(link is external) referida sintetiza-se em cinco passos: pretende-se começar por obter uma estimativa do número de trabalhadores no setor e da percentagem daqueles que são remetidos para o trabalho informal; analisar as falhas nas leis e regulamentos laborais e da segurança social e ver se o nível de proteção que a legislação atribui é adequado; identificar os fatores que determinam as práticas de emprego informal e o incumprimento para desenvolver estratégias específicas para os combater; desenvolver um plano de ação para a formalização do trabalho doméstico; implementar o plano de ação e monitorizar o progresso em direção aos seus objetivos.
Já o estudo mais recente sobre trabalho doméstico, dedicado ao sudoeste da Ásia, intitulado Capacitados para cuidar, forçados a trabalhar? Reconhecimento dos perfis de capacidades das trabalhadoras domésticas nos países ASEAN por entre trabalho forçado e exploração, traça um quadro de negação de direitos laborais e de proteção social aos trabalhadores domésticos migrantes nesta região, apelando-se à regulamentação e ao reconhecimento em termos de remuneração. Os investigadores fizeram 1.201 entrevistas a trabalhadoras domésticas na Malásia, Singapura e Tailândia e concluíram que na Malásia 29% delas estavam em condições de trabalho forçado, tal como 7% em Singapura e 4% na Tailândia. Para além disso, baixas taxas de inscrição na segurança social, horários longos e os salários baixos “são a norma”, trabalhando “muito mais horas do que as previstas na legislação para os outros trabalhadores” e “quando ajustado à semana de trabalho padrão internacional, nenhum dos trabalhadores domésticos inquiridos no estudo ganhava o salário mínimo”. O estudo “desafia a narrativa de que o trabalho doméstico não é qualificado ou é pouco qualificado” já que estes trabalhadores “desempenham regularmente tarefas de qualificação média, especialmente quando prestam cuidados”, níveis de competências que “não são reconhecidos na remuneração dos trabalhadores domésticos nem noutras condições de trabalho”. E identifica Estados que “restringem a capacidade dos trabalhadores domésticos para se organizarem ou negociarem coletivamente, com obstáculos legais e sociais que ainda impedem os trabalhadores domésticos de formar, e por vezes de aderir, a sindicatos”.
Retrato do trabalho doméstico ao nível mundial
É da OIT ainda o último relatório detalhado ao nível mundial publicado em 2021, tendo como pretexto o décimo aniversário da adoção da Convenção sobre o Trabalho Doméstico. O documento, intitulado Tornar o trabalho digno uma realidade para o trabalho doméstico estimava que 81% dos 75,6 milhões de trabalhadores e trabalhadoras domésticas não tinham um contrato de trabalho (ou seja 61,4 milhões de pessoas), sendo remetidas para o trabalho informal. Isto é o dobro da percentagem dos outros trabalhadores por conta de outrem o. Para além disso, concluía-se que “os seus salários e horas de trabalho, em média, são muito menos favoráveis do que os de outro tipos de profissões”.
Este é um setor que representa 4,5% do total do trabalho por conta de outrem ao nível mundial e onde 76,2% do total são mulheres. O que quer dizer que 8,8% do total das mulheres empregadas efetuam trabalho doméstico, “quase todas a trabalhar nas situações mais vulneráveis”. As suas “tarefas variam de país para país e ao longo do tempo”.
Geograficamente a sua distribuição é desigual: 50% do total trabalham na Ásia e Pacífico e 23% no continente americano. Em termos de percentagem relativa de trabalho doméstico relativamente ao conjunto do trabalho por conta de outrem a situação é diferente: nos Estados Árabes são 14,8%, ba América Latina e Caraíbas 8,4%, em África 7,3%, na Ásia e Pacífico 4,6%. Na Europa é apenas 1%. E em termos de percentagem do trabalho doméstico sobre o total do trabalho feminino verifica-se que este é um terço e os Estados Árabes, seguindo-se os países da América Latina e Caraíbas com 11,3 por cento. Na Europa são apenas 1,6% do trabalho feminino.
Os Estados Árabes são uma exceção. Aí, a percentagem de trabalhadores doméstico sobre o total do emprego por conta de outrem é de 23,2%, superando em termos percentuais as mulheres (ocupando 63,4% dos empregos).
A OIT nota ainda a tendência para “um papel crescente” da presença de prestadores de serviços no setor com o número de plataformas digitais, por exemplo, a multiplicar-se por oito numa década: em 2010 havia 28 plataformas no setor, em 2020 havia 224.
Apesar da persistência do trabalho informal na área, o estudo registou uma diminuição de 16,3% numa década dos trabalhadores excluídos da aplicação de leis laborais. A exclusão total persiste apenas em 8,3% dos país “a maioria dos quais nos Estados Árabes e na Ásia e Pacífico”.
Também aumentaram os direitos referentes a limites no horário semanal (7,2%), ao descanso semanal (21,0%) e a períodos de férias (12,6%). Contudo, perto de 28% dos países continuavam a não impor limites ao horário de trabalho semanal, 14% não atribuíam qualquer direito de descanso semanal e em 11% não existia qualquer direito a férias anuais remuneradas.
No que diz respeito a salários e à limitação de pagamentos em espécie os progressos são caracterizados como “ligeiros”. Em dez anos houve só um aumento de 2,9% na proporção de trabalhadores domésticos com direito a um salário mínimo igual ao das demais categorias profissionais e de 7,2 na proporção daqueles que recebem salário mínimo em dinheiro.
Em 64,8% há um salário mínimo legal equivalente às outras categorias profissionais e “em cerca de metade foi estabelecido que o salário mínimo deve ser pago apenas em numerário”. Há assim 35% das trabalhadoras e dos trabalhadores domésticos com direito a um salário mínimo pelo menos igual ao das outras categorias profissionais e 29% que o recebem em dinheiro. Perto de 41 milhões de pessoas do setor não tem direito a qualquer salário mínimo legal.
Metade dos trabalhadores domésticos tinham em 2020 cobertura de algum tipo de segurança social. Só em 25% dos países os trabalhadores tinham direito a subsídio de desemprego. 46,5% das mulheres da área não têm qualquer direito a licença de maternidade e 47,6% não têm direito a subsídio por esta razão.
Na Ásia e Pacífico, a maioria dos trabalhadores continua excluída do âmbito de aplicação do direito do trabalho.
Ao nível global estes trabalhadores ganham 56,4% do salário médio mensal das demais categorias profissionais. E em termos de condições laborais, trabalhadores na casa onde prestam serviços e migrantes “estão normalmente expostas/os a riscos químicos, ergonómicos, físicos, psicossociais e biológicos, e são especialmente vulneráveis à violência e ao assédio”. Vinca-se que “as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos que residem no domicílio do empregador, em especial, nem sempre são titulares de direitos iguais aos dos seus homólogos não residentes, tendem a trabalhar mais horas, e há maior probabilidade de receber uma parte do seu salário em espécie”.
Já a violência e o assédio são descritos como um “fenómeno sistémico que está profundamente enraizado nos modelos de sociedade”.
A OIT defende ainda que “a existência de organizações de trabalhadoras e de trabalhadores domésticos e de organizações dos seus empregadores deve ser facilitada pela eliminação de barreiras à liberdade de associação”.
Fonte: Esquerda
Data original da publicação: 16/06/2023