Carlos Henrique Horn
Colaboração: Mayara Penna Dias
A economia brasileira experimenta há já quase duas décadas um período de baixa inflação à luz da sua história de industrialização. Neste período, considerado seu início em 1996 e incluída uma previsão de 5,5% no ano de 2012, o nível geral de preços aumentou a uma taxa média anual de 6,4%, medida pela referência oficial (IPCA-IBGE), sendo que apenas no ano de 2002 atingiu os dois dígitos. Uma economia de baixa inflação associada à desindexação oficial dos salários prevista no Plano Real trouxe uma dupla percepção aos atores do mundo do trabalho. Se de um lado a queda vertiginosa no patamar inflacionário reduziu drasticamente o ritmo de perda do poder aquisitivo dos salários, que antes virtualmente se evaporava do dia para a noite, de outro lado qualquer ajuste nos salários em geral passou a depender primariamente da política de salário mínimo e das negociações coletivas de trabalho.
O exame da única estatística geral sobre negociação coletiva de salários no Brasil, aquela produzida pelo Sistema de Acompanhamento de Salários do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (SAS-DIEESE), evidencia dois períodos bastante distintos quanto aos resultados dessa negociação. No diagrama, observamos que durante os anos 1990 e até meados da década seguinte, apenas a metade das negociações logravam obter reajustes salariais equivalentes ao INPC-IBGE, recompondo o poder de compra dos salários vigente na data da negociação anterior. A partir do ano de 2004, este indicador de sucesso dos sindicatos aumentou de modo consistente para a faixa entre 90% e 100% das negociações, salvo por um pequeno recuo sob a conjuntura marcada pela crise bancária norte-americana de 2008.
Percentagem das negociações coletivas conforme reajuste salarial maior e maior ou igual ao INPC, Brasil, 1996/2012
A melhora nos resultados das negociações coletivas de salários pode ser também constatada com base no notável aumento dos casos em que o reajuste foi maior do que o INPC, representando muitas vezes, mas nem sempre, um acréscimo ao poder de compra dos salários no contexto de baixa inflação. A grande maioria dessas negociações resultou em acréscimos de até 2 p.p além do INPC no reajuste anual, um número próximo ao crescimento médio do PIB per capita no período (1,57% a.a.). Vale dizer, o excedente do reajuste salarial sobre a inflação esteve alinhado ao aumento na produtividade geral da economia brasileira.
A melhora nos resultados da barganha salarial, a inflação sob controle, a queda na taxa de desemprego e o aumento no emprego formal e no salário mínimo configuram um quadro favorável ao crescimento do poder de compra dos trabalhadores. Considerada, todavia, a baixa participação dos salários na renda, há que se perseverar para que uma situação conjuntural se transforme efetivamente num traço distintivo de uma trajetória de desenvolvimento inclusivo. Para tanto, muito ajudarão medidas recentes como a desoneração da folha de pagamentos e a redução dos juros, aliadas à continuidade de uma política de valorização do salário mínimo e à elevação do nível de educação formal dos trabalhadores. Aos sindicatos, se algum conselho cabe neste texto, sugerimos que se voltem seriamente ao acompanhamento da elevação da produtividade nos setores e nas empresas como base de uma negociação coletiva que logre repartir esses ganhos de produtividade de modo mais equânime do que o foram ao longo do desenvolvimento brasileiro.
Carlos Henrique Horn é economista e Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Concluiu o mestrado em Economia na UFRGS, em 1992, e o doutorado em Industrial Relations na London School of Economics and Political Science, da Universidade de Londres, em 2003. A atividade docente e de pesquisa concentra-se na área de economia e relações de trabalho. Desenvolve pesquisas sobre regulação do mercado de trabalho, sistemas nacionais de relações de trabalho e sindicatos e negociações coletivas.