Antonio Baylos
Tradução: DMT
A primeira norma que reconhece a existência do sindicato ou da organização dos trabalhadores é o Código Penal. Nas sociedades liberais do século XIX, a única forma de se reconhecer o sindicato era para puni-lo criminalmente. A descriminalização da ação coletiva dos trabalhadores nunca foi completa, mas seletiva, e é um processo que corre em paralelo com a absorção da greve nos processos do contrato e na construção da greve como um elemento funcional da negociação coletiva. Enquanto isso, a solução autoritária para a crise do Estado liberal que se manifesta nos vários regimes fascistas que se estabelecem na Europa no período entre guerras – o último deles, o espanhol, precedido por uma guerra civil de classes – volta a tornar a greve e o conflito foras da lei, sujeitos ao direito penal desta vez não por serem um ato contrário ao livre mercado e, portanto, à liberdade de trabalhar, mas como um comportamento diretamente ameaçador à segurança do Estado. Na Espanha, posicionar o conflito como “fora da lei” e criminalizá-lo foi a constante do franquismo e isso só acabou em 1976-1977 através da descriminalização parcial da greve e da construção legal dessa liberdade no âmbito da empresa com vistas à negociação coletiva. Nesse momento histórico a greve continuou a ser um delito em duas situações importantes. No caso de funcionários públicos e de serviços públicos reconhecidamente essenciais e no caso de coações sobre a “liberdade de trabalhar” dos não grevistas.
O reconhecimento da greve como um direito na Constituição mudou as coisas de forma significativa. O Tribunal Constitucional ajustou a norma de transição para o novo sistema de direito de greve. E reduziu significativamente a área de incriminação penal ao considerar delito apenas a greve insurgente e revolucionária. As coações durante a greve não foram analisadas nesse caso e permaneceram na sombra dos preceitos não questionados quanto a sua compatibilidade com a democracia.
O problema realmente surge quando é promulgado o Código Penal espanhol de 1995 – chamado de Código Penal da democracia – e é mantido nele o crime de coações agravadas durante a greve, nos mesmos termos que foram impostos em 1976. O fato de este ser um momento decisivo nesta matéria é demonstrado quando se observa que a partir daqui os promotores acusam e os juízes instruem causas que imputam aos trabalhadores e trabalhadoras por participar de piquetes. Primeiro, de forma excepcional, normalizando lentamente essa ação repressiva em torno do ciclo de conflito de 2002, e agora, em plena crise do modelo constitucional de 1978, através de uma ação em massa contra a greve e a militância sindical que a apoia. Que no final de junho de 2014 haja mais de 260 pessoas acusadas desse delito e que os pedidos do Ministério Público sejam de prisão por três anos dá uma ideia da importância da repressão.
Do ponto de vista da análise jurídica, o problema é que os promotores e os juízes mantêm uma abordagem claramente equivocada do assunto. Eles agem como se o preceito penal fosse uma norma reguladora do direito de greve, e constroem o conteúdo e os limites do direito a partir do Código Penal. Deve-se fazer justamente o contrário. Partir do reconhecimento constitucional do direito de greve, que envolve como conteúdo essencial deste o direito à informação, divulgação e extensão do conflito. Entender que isso significa formular como direito uma medida de conflito e contextualizá-la em um momento concreto, o do acionamento do mesmo em hora e lugar determinados. O estresse coletivo, as situações de confronto e de tensão diante da ruptura da solidariedade que mantém a greve, a ruptura da normalidade e a produção de percalços e contratempos menores aos bens da empresa, ou de insultos aos não grevistas, integram o rosto do conflito, o que pode se expressar sob este perfil desagradável em uma situação de tensão e pressão no sentido de alcançar os objetivos da greve. Um direito que é definido precisamente por sua eficácia, ou seja, sua capacidade de danificar bens e interesses do interlocutor e na alteração da normalidade produtiva e que, portanto, requer a máxima colaboração de trabalhadores e trabalhadoras que participam dessa medida.
Uma sociedade democrática sabe que o perfil específico com o qual se manifesta o conflito em um determinado momento pode ser duro, intransigente e ameaçador, porque expressa um ato de insubordinação coletiva que requer ampla participação e que é, portanto, hostil a quem assume a servidão do trabalho, este considerado como um ato de oposição ao exercício do direito de greve, de negação de sua eficácia. Ao se compreender esta realidade, entende-se que o direito de greve não é um exercício de ginástica que desenvolve sua execução elegante diante de um grupo de juízes que a pontuam e a avaliam de acordo com as regras da arte. Ao contrário, é um ato de rejeição da disciplina empresarial e da obrigação de trabalhar que é realizado como pressão em um contexto de conflito coletivo contra o poder privado do empregador, ou contra o projeto político do poder público em questões sociais e trabalhistas. Portanto, a aceitação do trabalho pelos não grevistas envolve a abertura imediata de um confronto com o objetivo central da greve.
Assim, com exceção de ações exorbitantes e violentas, os episódios de tensão e confronto pessoal na greve, por mais desagradáveis que possam ser, nunca podem ser processados criminalmente em um sistema legal que reconhece a greve como um direito. Esta é a única solução coerente com o art. 28.2 da Constituição espanhola. O que obriga a interpretar o Código Penal dessa maneira e, possivelmente, para impedir práticas judiciais ruins, a revogar a disposição que está permitindo a (re)criminalização seletiva da participação sindical e cidadã na greve.
Antonio Baylos é doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid; Professor Catedrático de Direito do Trabalho e Seguridade Social na Universidad de Castilla La Mancha – Madrid; Diretor do Departamento de Ciência Jurídica da Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de Ciudad Real; Diretor do Centro Europeu e Latino-americano para o Diálogo Social (CELDS).