No atual contexto de agravamento das condições sanitárias, as perspectivas para o mercado de trabalho são desalentadoras.
Carlos Henrique Horn e Virginia Rolla Donoso
Fonte: Sul21
Data original da publicação: 03/03/2021
Neste início de março, mais de um ano após o registro do primeiro caso da Covid-19 no Brasil e no momento em que o caos sanitário se instala em várias regiões, deve causar espanto a demanda por liberalização da atividade econômica que ressoa em pontos diversos do sistema. Isso porque simplesmente não haverá recuperação da economia antes que se controle de modo efetivo a propagação do vírus. O jogo de pressões dos defensores da abertura – “monitorada”, “com todos os cuidados” e assim por diante – é contraproducente, pois leva água ao moinho do descontrole e impede que se materializem condições mais firmes para a recuperação.
A ideia de uma contraposição entre economia e saúde ganhou terreno fértil nos EUA – onde já foi superada no âmbito do governo federal –, no Brasil e em outros países em que viceja o negacionismo. E foi acompanhada, em nosso país, pela ausência de uma estratégia do Governo central para combater a crise sanitária e proteger a economia. Aqui, tudo vem se passando aos trancos e barrancos, ampliando o quadro de problemas e minando as expectativas de uma rápida superação da crise e, em consequência, de melhora das condições de trabalho para todos.
No atual contexto de agravamento das condições sanitárias, as perspectivas para o mercado de trabalho são desalentadoras. O IBGE divulgou recentemente os resultados da PNAD Contínua – pesquisa domiciliar sobre a inserção das pessoas no trabalho e outros temas – do mês de dezembro de 2020. Estes dados mostram uma fotografia do terremoto causado pela pandemia: 8,3 milhões de pessoas perderam ocupação e renda do trabalho ao longo do ano – algo como quase um em cada dez brasileiros que tinham emprego ao fim do ano anterior. Avaliava-se que, no trimestre encerrado em dezembro, o país possuía mais de 32 milhões de pessoas em condição de desemprego ou de subocupação, das quais cerca de 80% não auferiam rendimentos.
O choque econômico decorrente da pandemia foi tão intenso e específico que chegou a pregar peça nas estatísticas do mercado de trabalho. Assim, por exemplo, o número de pessoas classificadas como desempregadas pelo IBGE – um indicador que serve para medir as flutuações do mercado ao longo dos ciclos da economia – curiosamente diminuiu no início da crise. Para ser considerada desempregada, a pessoa deve estar à procura ativa de trabalho; em outras palavras, deve participar do mercado de trabalho. O que ocorreu a partir de março foi uma saída massiva do mercado por parte de quem perdeu ocupação e mesmo de pessoas que se encontravam em busca de trabalho. Essas pessoas deixaram de procurar um novo emprego em virtude dos riscos para sua saúde ou por avaliarem que inexistiam chances de sucesso. Quando a propagação do vírus perdeu intensidade e as regras de distanciamento foram afrouxadas no segundo semestre, iniciou-se um retorno ao mercado de trabalho. Esse retorno, entretanto, não teve como contrapartida uma forte elevação no número de postos de trabalho. Nem terá enquanto perdurar a pandemia.
Assim, ao longo do ano, a sobrevivência das pessoas mais pobres se viu na dependência de transferências do governo, sobretudo do auxílio emergencial, mas também do seguro desemprego, do bolsa família e do benefício de prestação continuada. Em novembro, mês do último dado do levantamento domiciliar especial do IBGE sobre a Covid-19, quatro em cada dez domicílios brasileiros tinham um morador que recebia o auxílio emergencial. E um pouco mais do que essa proporção correspondia aos domicílios em que um morador recebia pelo menos um tipo de transferência que lhe socorria e à sua família.
A gravidade do ambiente econômico nacional e, em particular, do mercado de trabalho é inversamente proporcional à inteligência e presteza com que se adotou, no plano governamental, uma estratégia e suas medidas de contenção do vírus – notadamente, quanto à vacinação. As necessidades do momento são as mesmas identificadas nos primeiros meses da pandemia: defesa das orientações da medicina; proteção às pessoas afetadas pela crise; suporte à atividade econômica de menor porte; sinalização clara de uma política de recuperação da economia que acompanhe o fim da pandemia. Nesta lista de necessidades, definitivamente não constam bravatas e a repetição do dogma do “descontrole dos gastos públicos”. Mesmo porque a melhora do orçamento público somente advirá de fortes incentivos fiscais para a recuperação. Urge mudar o sinal.
Carlos Henrique Horn é economista e professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É doutor em Industrial Relations pela London School of Economics and Political Science.
Virginia Rolla Donoso é economista e trabalha no site Democracia e Mundo do Trabalho. É mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.