A baixa competitividade no cenário internacional, a perda de complexidade e a desindustrialização acarretam no aumento da vulnerabilidade e dependência de fornecedores estrangeiros.
Bruna Belasques, Gabriel Carneiro, Hanna Campeche, Mariana Pessoa e Naomi Takada
Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil
Data original da publicação: 13/12/2021
A crise sanitária da pandemia intensificou o questionamento da dispersão das cadeias globais de valor. Como consequência, com a alta dos fretes marítimos, o aumento nos preços das importações e a necessidade de enfrentar as crises climática e ambiental, países como Estados Unidos, China, Coreia do Sul e Alemanha planejam sua retomada econômica concentrando internamente etapas estratégicas do setor manufatureiro, em particular as que têm maior capacidade de inovação.
A representante de Comércio dos EUA, Katherine Tai, ressaltou recentemente que a existência de um setor manufatureiro dinâmico, capaz de aplicar produtivamente pesquisa e desenvolvimento, é fundamental para a resiliência de uma economia. A pandemia mostrou isso na prática, com a demanda de itens como luvas, máscaras e respiradores.
A indústria petroquímica é um bom exemplo de setor dinâmico, já que, em maior ou menor proporção, grande parte dos demais segmentos industriais utilizam insumos que ela produz. Essa base industrial abre um leque de oportunidades para o desenvolvimento de amplas cadeias produtivas, mostrando-se, portanto, fundamental para o desenvolvimento da indústria nacional.
No Brasil, apesar da indústria química ocupar a terceira posição no PIB industrial nacional e ser a sexta maior do mundo em faturamento líquido, torna-se cada vez mais dependente de importações. Em 2018, de acordo com a Abiquim, o Brasil exportou US $11,7 bilhões em produtos químicos, enquanto as importações somaram US$33,5 bilhões, resultando em um déficit de US$21,8 bilhões. Em 2021, a Abiquim estima que o déficit será de US$45 bilhões, mais do que o dobro de 2018, indicando o aumento na dependência de importados.
Esse cenário de perdas produtivas é, em grande medida, reflexo de muitos anos de redução expressiva de investimentos. De acordo com o relatório da Abiquim de 2018, o investimento feito em 2012 na indústria química foi de aproximadamente US$4,8 bilhões de dólares. Em 2015, caiu para US$700 milhões, com redução ainda maior nos últimos anos. A indústria química é um dos setores fortemente afetados no corrente processo de desindustrialização do Brasil.
É também por essa razão que a economia brasileira tem se tornado menos complexa, regredindo cinco posições em 2021, de 51º em 2020 para 56º, de acordo com o Anuário de Competitividade Mundial. Atualmente, a maioria dos produtos nos quais o Brasil é competitivo internacionalmente são de baixo valor agregado. Entre os 100 produtos mais complexos, o Brasil é competitivo em apenas três.
Apesar do cenário preocupante, os governos Temer e Bolsonaro têm se posicionado passivamente em relação à desindustrialização. O ministro da Economia Paulo Guedes comentou que “é incontornável a vocação brasileira para ser o celeiro do mundo”. Com isso, o Brasil abre mão de qualquer participação ativa na quarta revolução industrial-tecnológica que está em curso no mundo.
A baixa competitividade no cenário internacional, a perda de complexidade e a desindustrialização acarretam no aumento da vulnerabilidade e dependência de fornecedores estrangeiros. Parte desse processo é a desnacionalização da indústria petroquímica brasileira, construída ao longo de décadas por esforço público e privado.
A Braskem, em história semelhante à da Embraer, vem de vento em popa, batendo recorde de lucro líquido de R$2,5 bilhões no primeiro trimestre de 2021. Frente às tentativas de venda para investidores estrangeiros, convém pensar se a melhor estratégia para o desenvolvimento nacional é realmente permitir a completa desnacionalização da campeã nacional líder em diversos setores petroquímicos internacionais.
Como a maior produtora de resinas termoplásticas nas Américas e de polipropileno nos EUA, a Braskem representa parte importante da indústria petroquímica do Brasil. A empresa também está se preparando para a transição ecológica global das cadeias produtivas que já está em curso, capaz de produzir polietileno verde 100% renovável a partir da cana-de-açúcar. A expectativa é de que com o aumento da produção, os ganhos de escala viabilizem cada vez mais a produção de biopolímeros biodegradáveis e compostáveis.
Criada em 2004, a partir de uma reorganização do setor petroquímico justamente com o objetivo de proporcionar a liberação de investimentos, dar escala e vantagem competitiva ao setor e suprir a demanda da indústria plástica, a Braskem tornou-se uma das líderes mundiais cujo sucesso sofreu forte revés com a Operação Lava-Jato. Ao investir na investigação da Odebrecht, não se preocupou em distinguir entre as empresas e os indivíduos que as gerenciavam, de forma que a indústria nacional sofreu grandes perdas econômicas decorrentes de suas ações. Estima-se que o impacto negativo nos setores metal mecânico, naval, construção civil e engenharia chegou a R$142 bilhões e levou a uma redução do PIB entre 2% a 2,5%.
E o futuro é incerto. No início do ano, a Odebrecht retomou o processo de venda de sua parcela da Braskem. Diversas empresas, entre elas a LyondellBasell, gigante internacional do setor, já demonstraram interesse. A Petrobrás também voltou a reafirmar publicamente o desejo de vender sua fatia na empresa. O governo atual, por sua vez, assiste passivamente ao processo, sem assumir sua responsabilidade com o futuro de um setor industrial importante para o país.
Bruna Belasques, Gabriel Carneiro, Hanna Campeche, Mariana Pessoa e Naomi Takada são integrantes do Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil da Universidade Federal do ABC, criado por professores e estudantes de Relações Internacionais da UFABC para analisar de forma crítica a inserção internacional brasileira a partir de 2019.