Comentário sobre o livro organizado por Maria do Rosário Cunha Peixoto e Nelson Tomelin Jr.
Marcos Silva e Marina Vilar de Lima
Fonte: A terra é redonda
Data original da publicação: 25/12/2020
Oportunizar ao público leitor brasileiro um debate sobre Mundos do trabalho: séculos XX e XXI é provocar a sociedade para o questionamento sobre os percursos tomados pelo capitalismo em sua incessante “gana” pela exploração e pelo lucro, que enfrenta os trabalhadores e seus projetos de autonomia. Tal questionamento articula os interesses de historiadores que atuam em diferentes Instituições nacionais de pesquisa e ensino, em uma esfera de alcance geográfico que engloba Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, presentes nesta coletânea e articuladas a núcleos similares em diferentes partes do mundo.
Essa reunião de escritos, organizada por Maria do Rosário da Cunha Peixoto e Nelson Tomelin Jr., surge como um dos resultados das pesquisas que têm sido desenvolvidas por professores e discentes da Universidade de São Paulo (USP: Maurício Gomes da Silva, Poliana Santos e Vandré Aparecido Silva, pós graduando e pós graduados, mais o Prefácio de Lincoln Secco, Professor), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP: Heloísa Faria Cruz, Olga Brites e Maria do Rosário da Cunha Peixoto, Docentes), da Universidade Federal do Amazonas (UFAM: Nelson Tomelin Jr. e Maria Luiza Ugarte Pinheiro) e da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG: José Otávio Aguiar e Hilmária Xavier Silva, Professor e Pós-graduada), junto ao Projeto PROCAD/CAPES. Ela é uma amostra do esforço feito pela universidade brasileira para pensar Brasil e mundo, dialogar com a sociedade que garante sua existência, ensinar a essa sociedade e aprender com ela.
Os articulistas do livro são professores e/ou pesquisadores daquelas Instituições de ensino superior brasileiras e de unidades de ensino dos níveis fundamental e médio. Seus textos refletem sobrea sociedade brasileira e os caminhos e descaminhos que têm sido tomados na esfera de luta pela sobrevivência material e na definição de vontades e projetos próprios pelos trabalhadores, universo social do qual eles e nós fazemos parte enquanto intelectuais de profissão, sem esquecer que todos os seres humanos são dotados de intelecto, são intelectuais. E que o mundo do trabalho não se reduz aos atos da produção de mercadorias e serviços; ele é, antes de mais nada, infinitas experiências de homens e mulheres em seu contínuo fazer-se, conjunto de sociabilidades.
É assim que os autores desses textos abordam temas e problemas como Patrimônio Industrial e Memória Urbana, Políticas para Infância e Família de Trabalhadores, Migração e Etnicidade, Trabalhadores e Justiça, Militares Comunistas e Direitos, Resistência Popular, Carnaval e Literatura, Mutualismo Étnico, Reciclagem e Meio Ambiente e Assistencialismo e Política. Diante desses mundos do trabalho, os historiadores são também novos sujeitos críticos que procuram analisar mulheres e homens, de diferentes faixas etárias, no fazer-se cotidiano.
A contemporaneidade tem nos colocado como certeza maior a incerteza daquilo que um dia pareceu consolidado: um “ofício”. A cada dia, os apelos da tecnologia, em ritmo acelerado, criam e destroem profissões, levando a que formas de vida, experiências, crenças e paradigmas sejam colocados em xeque.
Cabe lembrar que não há contemporaneidade sem seus antes e seus depois, que os antes nos dirigem apelos no que se refere a projetos em aberto, conforme nos ensinou Walter Benjamin em seu clássico ensaio “Sobre o conceito de História”[i], e que os depois dependem em larga escala de nossos fazeres diante dos desafios que enfrentamos, como pode ser discutido a partir de Edward Thompson em sua brilhante trilogia A formação da classe operária inglesa[ii].
Existem as memórias e os projetos de trabalhadores, que são homens e mulheres dotados de múltiplas capacidades e se expressam permanentemente diante do mundo, dentro do mundo, são eles mesmos mundo.
Falar em mundo do trabalho é indagar sobre práticas culturais e capacidades políticas dos grupos sociais, suas resistências e suas alternativas. E as falas desse volume surgem num momento político brasileiro em que políticas desastrosas destroem direitos e pioram gravemente as condições de vida dos que vivem de seu trabalho, salários são ainda mais reduzidos, garantias nos campos de Saúde e Educação desaparecem ameaçadoramente.
Seria muito cômodo apenas declarar o fim do mundo do trabalho diante das novas tecnologias, louvar a coisificação tecnológica como se fôssemos uma peça a mais na engrenagem dominante, assistir de forma impassível à consolidação de controles sobre a vida de todos através do trabalho online e da automatização expandida. Existe um perturbador silêncio, na declaração daquele suposto fim, sobre diferenças sociais, poderes de determinados grupos sobre outros, que impedem até o presente momento a vontade do acesso generalizado à riqueza e ao ócio.
Historiadores, somos mais que coisas. Falamos de trabalhadores e também somos trabalhadores. Podemos desejar a superação das forças sociais que oprimem e exploram: o mundo é muito mais que isso.
E o conhecimento histórico tem contribuído para essas lutas. O mundo do trabalho é também o mundo do historiador, como esse livro tão bem demonstra em hora mais que oportuna.
Referências
Maria do Rosário Cunha Peixoto e Nelson Tomelin Jr. (orgs.). Mundos do trabalho: séculos XX e XXI. São Paulo, Annablume, 2020.
Notas
[i] BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de História”, in: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 222/232. [ii] THOMPSON, Edward. A Formação da Classe Operária Inglesa. Tradução de Denise Bottmann, Renato Busatto Neto e Cláudia RochadeAlmeida, Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1987.Marcos Silva é professor do Departamento de História da FFLCH-USP.
Marinalva Vilar de Lima é professora de história na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).