Transferir o custo da crise aos trabalhadores e à maioria empobrecida da população é cruel, injusto e poderá ser trágico.
Miguel Rossetto e Elvino Bohn Gass
Fonte: Sul21
Data original da publicação: 03/04/2020
As medidas anunciadas pelo Governo Federal através da Medida Provisória 936 não respondem aos desafios do país de assegurar emprego,salário e renda para milhões de brasileiros. Ao contrário, patrocina a redução dos salários ao mesmo tempo em que assiste as demissões que já acontecem de forma absurdamente ampla. Por desrespeitar a Constituição, a medida não deve ser aceita pelo Congresso, ou declarada como tal pelo STF.
Inconstitucional, porque retira os sindicatos das negociações sobre possível redução da jornada de trabalho com redução de salários, expondo os trabalhadores a acordos individuais, condição claramente desfavorável e indutora de fraudes. As empresas ficam autorizadas a decidir unilateralmente todas estas opções.
Injusta, porque concentra todas suas iniciativas para assegurar uma brutal diminuição dos salários, através da suspensão de contratos e da redução da jornada de trabalho.
Inepta e cruel, porque fala de um primeiro pagamento em até 40 dias, após o cumprimento dos prazos exigidos. Estamos falando do meio do mês de maio, se tudo for demonstrado e verificado. “Até lá, estaremos todos despedidos”.
Burocrática, porque cheia de exigências formais quando deveria ser simples e rápida nas suas ações para evitar demissões e no auxilio financeiro para as empresas que perderam seu faturamento, em especial as micro, pequenas e médias.
Estas medidas devem ser duramente combatidas porque ampliam a crise social e econômica, quando diminuem salários, suspendem contratos de trabalho e destroem o mercado interno de consumo.
As medidas corretas, diante da gravidade da crise e de seu caráter temporal de três ou quatro meses, devem ser contundentes, de impacto rápido, capazes de impor confiança e segurança na sociedade. São dois os caminhos a tomar.
O primeiro, inibir as demissões, proibi-las, ou, penalizá-las fortemente, através de aumento da multa rescisória e da proibição de acesso a linhas de financiamento com recursos públicos, em caso de demissões imotivadas.
O segundo caminho, repassar, de imediato, recursos financeiros para as empresas pagarem os salários dos trabalhadores, assegurando o valor de até três salários mínimos por trabalhador (75 % dos assalariados) para as empresas com até 100 empregados (22,2milhões/assalariados/RAIS/2018).
Os cadastros do INSS, do FGTS, da Receita Federal e o CAGED permitem a operacionalização imediata destes repasses. Ainda nesta agenda, liberar financiamento, com juros zero para as empresas maiores, vinculados ao pagamento de salários.
Estas duas agendas seriam acompanhadas e fiscalizadas por mesas tripartites – com governos, empresários e sindicatos, através dos auditores fiscais do Trabalho, e pelo conjunto da sociedade.
O remédio para atravessar esta crise sanitária e o colapso econômico é a participação estatal comprometida e vultosa, como fazem governos da Europa, Ásia, Estados Unidos e no nosso continente.
Para o país prevenir o caos social, e não produzi-lo com medidas que jogam os trabalhadores na miséria e podem produzir desespero, saques e violência, é necessário distribuir o ônus pelo custo da crise para os super-ricos e bilionários que, sozinhos, detém mais de 75% da riqueza do país.
Segundo a Oxfam, no Brasil apenas cinco (cinco!!!) bilionários têm patrimônio equivalente ao patrimônio de mais de 110 milhões de brasileiros.
Para um bilionário que tem um patrimônio de R$ 20 bilhões, ajudar o país com R$ 2 bi não compromete uma vida luxuosa e opulenta pelas suas próximas gerações.
Transferir o custo da crise aos trabalhadores e à maioria empobrecida da população é cruel, injusto e poderá ser trágico.
Miguel Rossetto é ex-ministro do trabalho.
Elvino Bohn Gass é deputado federal pelo PT/RS.