Sob o pretexto de passar um “pente-fino” no INSS e de combater fraudes milionárias, a Medida Provisória (MP) 871, assinada pelo presidente eleito da extrema-direita Jair Bolsonaro, ameaça de morte a aposentadoria e demais benefícios dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, segundo alerta a secretária de Políticas Sociais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Edjane Rodrigues. A entidade afirma que a iniciativa, diferentemente do que foi propagandeado pelo governo, serve apenas para penalizar os mais pobres, enquanto protege os grandes devedores da Previdência.
Considerada uma minirreforma, a MP não se preocupa, em parte alguma de seu texto, com a sustentabilidade do sistema previdenciário brasileiro. Mas, apresenta prazos curtos e condições inviáveis para a concessão e a manutenção de direitos dos agricultores e agricultoras familiares, como conta Edjane, que também coordena a pasta da Previdência Social Rural da entidade. Segundo ela, caso essa norma não seja revogada, milhares de benefícios serão suspensos e outros tantos deixarão de ser concedidos.
De acordo com a dirigente, um dos pontos críticos da medida versa sobre o Programa Especial de Análise de Benefícios. Quando instituído no governo Temer, o sistema versava sobre o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez. Agora, ampliado na MP 871, o programa também revisará as aposentadorias rurais, os auxílios reclusão, as pensões por morte e o benefício de prestação continuada (BPC).
Além de ser inconstitucional, já que medidas provisórias são para situações emergenciais, trabalhadores consideram a decisão do governo maliciosa, como explica a ativista.
“O pente fino prometido pelo governo é em cima dos trabalhadores rurais, dos agricultores familiares. Não são essas pessoas que fraudam o INSS. E o que mais nos preocupa é que, quando esses trabalhadores forem notificados, terão apenas dez dias para que apresentem a comprovação de sua situação. Isso é um absurdo e infelizmente serão cancelados vários benefícios”, lamenta.
Outro grave problema, e que também precisa ser evidenciado, é o fim da Declaração de Atividade Rural emitida pelos sindicatos. De acordo com a dirigente da Contag, a medida prevê que esse documento seja substituído pela autodeclaração do trabalhador que, por conseguinte, deverá ser homologada por uma Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), credenciada no Plano Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural.
A questão é que, segundo Edjane, muitas dessas empresas de assistência técnica já foram fechadas por falta de estrutura. Portanto, essa decisão inviabilizará o acesso do trabalhador e da trabalhadora rural aos benefícios do INSS.
Outra exigência do governo é quanto à inclusão do trabalhador no Cadastro do Segurado Especial (CNIS Rural) para a manutenção dos direitos previdenciários. Existente há mais de 10 anos, o sistema conta com o registro de apenas 3% do total de trabalhadores agrários do Brasil, cerca de 350 milhões de agricultores.
“A MP estipula que, a partir de janeiro do próximo ano, os benefícios somente serão concedidos mediante a inscrição imediata no CNIS Rural. Coisa que, em dez anos, mesmo discutindo, dialogando, não conseguimos avançar. Imagine o que dará para fazer nesse curto prazo estipulado pelo governo”, questiona.
Outro alerta feito pela dirigente é que a obrigação do cadastro seria repassada para as prefeituras, mas que essas entidades não foram consultadas e nem estão preparadas para atender tamanha demanda. Segundo a decisão de Bolsonaro, a inscrição de todos os trabalhadores e trabalhadoras rurais deverá ser realizada no prazo – “inviável” – de janeiro de 2020 a junho de 2021.
Edjane lembra que, como em toda pauta retrógrada, as mulheres também serão muito prejudicadas. “Anteriormente, as trabalhadoras rurais poderiam levar até cinco anos para requerer o salário-maternidade. Com a medida provisória, elas só terão 180 dias”, esclarece.
Em relação aos critérios de comprovação de atividade rural, também haverá mudanças. Na MP, se estabelece que não mais será reconhecido o comprovante do Cadastro de Imóveis Rurais (Cafir) no Incra. O documento será substituído pela Declaração de Aptidão ao Pronafe (DAP) e deverá ser emitido por instituições ou entidades públicas.
O agravante da norma é que, atualmente, as entidades sindicais são responsáveis pela emissão de cerca de 25% dessas DAPs, o que passa a ser vetado pela MP 871. Como resultado, os organismos públicos – no caso, as prefeituras – ficarão sobrecarregados e não darão conta da ampla demanda.
“É importante dizer que a Contag vai lutar para reverter essa catastrófica medida que pretende inviabilizar o acesso dos agricultores e agricultoras a uma política que, historicamente, é uma bandeira de luta do movimento sindical. O governo precisa reconhecer que a aposentadoria e os benefícios previdenciários, garantidos aos trabalhadores e trabalhadoras rurais, são conquistas importantes e que impactam diretamente na economia dos pequenos municípios e na produção de alimentos saudáveis. Chamaremos a atenção dos parlamentares para que, de fato, olhem para esse absurdo”, finalizou a dirigente.
Fonte: RBA
Data original da publicação: 04/02/2019