Metade da população da América Latina em situação de vulnerabilidade

Diretora da Cepal apresenta a palestra inaugural do encontro. Fotografia: Eduardo Schneider/DMT

por Charles Soveral e Eduardo Schneider*

De acordo com as mais recentes estatísticas da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), órgão das Nações Unidas (ONU), a vulnerabilidade social atinge a metade da população latino-americana. Em 2015, a taxa regional de pobreza subiu 29,2%, trazendo para essa situação social cerca de 175 milhões de pessoas e ampliando também em 12,4% a taxa de indigência, o que representa mais 75 milhões de pessoas com dificuldades econômicas.

Os dados desse cenário foram apresentados pela socióloga e diretora da Divisão de Desenvolvimento Social da Comissão Econômica da Cepal, Laís Abramo, na abertura do VIII Congresso Latino-americano da Associação Latino-americana de Estudos do Trabalho (Alast), ocorrido entre os dias 3 e 5 de agosto em Buenos Aires.

O evento, realizado na Faculdade de Economia da Universidade de Buenos Aires, trouxe como tema central “A recuperação da centralidade do trabalho na América Latina: atores, perspectivas e desafios”. O objetivo foi o de fazer uma ampla análise da situação à luz das transformações econômicas e sociais vividas nos últimos anos pelos países da região.

Laís Abramo, responsável pela palestra inaugural, relatou os diferentes processos vividos pelos principais países da América Latina na luta para superar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais. Na palestra, intitulada “Realizações e desafios latino-americanos na formação de sistemas de proteção social”, a diretora da Cepal mesclou a apresentação de dados estatísticos com a análise conjuntural da evolução do trabalho e dos mecanismos de proteção aos trabalhadores na última década.

A socióloga explicou de imediato que “os avanços na redução da pobreza e das desigualdades ainda são frágeis e, por essa razão, precisam ser acompanhados de sistemas legais de proteção social e de políticas consistentes de trabalho decente”, garantiu.

A diretora da Cepal disse que houve uma mudança de paradigmas nas políticas sociais de inclusão praticadas nos países latinos nos anos 2000 em relação ao que ocorria nos anos de 1980 e 1990. Segundo ela, se implementaram importantes conquistas no processo de redução da pobreza e da distribuição de renda como, no caso brasileiro, o programa Bolsa Família. “Está claro que houve uma decisão política para desenvolver programas voltados ao combate das desigualdades, especialmente nos primeiros anos deste século. Em muitos desses países houve a adoção de políticas públicas para garantir direitos sociais e inserção no mercado de trabalho”.

Sobre a situação de vulnerabilidade/indigência que afeta um pouco mais de 50% da população latino-americana, Laís Abramo afirmou que a América Latina não é o continente mais pobre do mundo, mas é o mais desigual. “E a forma mais eficiente de combater a desigualdade está na oferta de trabalho. A Educação é importante também, mas o Trabalho está no centro de uma política que ofereça resultados efetivos”, completa.

Segundo Laís Abramo, a superação da pobreza e da indigência com inclusão social passa por uma política de direitos e garantias aos trabalhadores. Ela lembrou que o trabalho decente é o norte desses conceitos inclusivos. “É preciso uma mudança estrutural progressiva, formar pactos sociais que combatam a desigualdade, fortalecendo a capacidade do Estado de regular e distribuir as riquezas nacionais”.,

Para Laís Abramo, é preciso “ampliar a cobertura” dos programas sociais e desenvolver “políticas ativas de mercado de trabalho para proteger o emprego, evitar o aumento do desemprego e da informalidade do trabalho”.

Entre os fatores estruturantes apontados pela diretora da Cepal para a redução das desigualdades está a ampla formalização do trabalho (com a consequente afirmação de direitos trabalhistas), os ganhos reais no salário mínimo e o ingresso no mercado da força de trabalho feminina. “Para combater a desigualdade também é muito importante entender as razões históricas e culturais que fazem do continente latino-americano uma região com tanta desigualdade, compreender essa matriz e como ela se reproduz. Por exemplo: temos ao menos um, em cada três habitantes da região, de origem afrodescendente ou de origem indígena. Isso significa que precisamos ampliar, ter mais as informações de gênero, de raças e etnias, de ciclo de vida (idade) e de território para traçar um desenho mais preciso dessas desigualdades”, observou.

Laís Abramo lembra que conquistas ainda são frágeis. Fotografia: Eduardo Schneider/DMT
Laís Abramo lembra que conquistas ainda são frágeis. Fotografia: Eduardo Schneider/DMT

Laís Abramo explicou que essas informações podem contribuir para as bases estruturantes de políticas públicas de combate à desigualdade e de proteção social. “Como exemplo dessas desigualdades posso citar que uma em cada três mulheres latino-americanas não possuem renda própria, sendo, portanto, dependentes. Claro que isso também revela que houve avanço, pois há 10 ou 15 anos esses números eram maiores, na faixa dos 40%. Houve uma diminuição dessa desigualdade que tem a ver com uma maior entrada da mulher no mercado de trabalho”, assinalou.

Outro aspecto da desigualdade se dá em relação aos jovens. Para a diretora da Cepal, essa é uma situação que se agravou muito. Existe uma faixa dos que não estudam e nem ocupam espaço no mercado de trabalho. “Apesar de termos hoje a geração mais escolarizada que já tivemos na América Latina, temos 22% dos jovens fora do mercado de trabalho. Isso significa um problema de inclusão social importante. Os dados mostram que desse universo, cerca de 70% são mulheres que se colocam fora do trabalho remunerado porque possuem necessidade de tocar o trabalho doméstico não remunerado e porque já são mães ou cuidam de seus irmãos menores”, completou a socióloga.

Por fim, Laís Abramo destacou os avanços da proteção social a partir de pensões sociais não contributivas entregues para pessoas em situação de pobreza com mais de 65 anos. Falou também dos programas de transferência de renda condicionada que permitira a grandes faixas de populações desprovidas de recursos aumentarem a sua renda. “Nesse último caso, passamos de 30 milhões para mais de 133 milhões de beneficiários. Esses programas de inclusão se tornaram importantes para a proteção social dessas populações que se posicionavam fora dos mercados de trabalho e consumo e fora de qualquer base mínima de cidadania”, concluiu.

O Congresso da Alast prosseguiu até o dia 8 de agosto, reunindo centenas de participantes em painéis, simpósios e foros de debate sobre temas que incluíram educação, formação e proteção social para um melhor futuro do trabalho até a construção das relações de trabalho em empresas multinacionais na América Latina.

* Enviado especial a Buenos Aires.

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