Neste último ano, o chinês Zhang Hao, de 18 anos, passou 12 horas por dia estudando. Nove delas eram na sala de aula e as outras três se completavam com lições e exercícios em casa.
Seus pais se preocupavam porque às vezes a carga de trabalho era tanta que ele chegava a acumular 17 horas de estudo em um único dia. Zhang vinha se preparando para o temível vestibular da China, conhecido como Gaokao.
O exame é considerado o mais difícil do mundo por muitos especialistas internacionais em educação e carreira. Mas é praticamente da única maneira de um jovem chinês entrar na universidade.
Assim como Zhang, mais de 9 milhões de estudantes chineses passaram meses – ou até anos – estudando para os três dias de testes, realizados no início de junho.
Para que o rapaz pudesse fazer a prova em Harbin, uma cidade no nordeste da China, sua família se hospedou em um hotel e o acompanhou diariamente até a porta do local de exame.
“Exército de pais”
Há três anos, Zhang conseguiu uma vaga em uma escola do ensino médio famosa por produzir alunos com as melhores notas, e sua família inteira se mudou do vilarejo onde morava para a capital da província.
“Fazemos parte de um exército de pais que vêm aqui para dar apoio aos filhos”, diz a mãe de Zhang, Wu Ying Qiu, uma operária de 45 anos.
Os pais do jovem pediram dinheiro emprestado a parentes para poder alugar um apartamento perto da escola. Wu deixou dois empregos para ajudar seu filho a se preparar para a prova. A família não visita seu vilarejo natal há mais de um ano.
Histórias como essa ilustram a mobilidade social chinesa em plena ação. O resultado de Zhang nas provas vai determinar para qual universidade ele vai, o que é tido como a melhor maneira de mudar a situação financeira da família.
Se ele passar, poderá entrar para uma universidade de prestígio e ter a chance de fazer parte da nova classe média da China.
Aprendizado mecânico, baixa empregabilidade?
Mas há um debate acalorado sobre o verdadeiro valor do Gaokao e sobre o próprio sistema educacional chinês.Críticos argumentam que o aprendizado mecânico e repetitivo – e a pressão colocada sobre os alunos para tirarem boas notas – atrapalham a criatividade e a capacidade de solucionar problemas, e deixam aos jovens pouco tempo para desenvolver as verdadeiras habilidades necessárias para entrar no mercado de trabalho.
Em 1999, a China aumentou o número de estudantes recrutados para os cursos superiores, e desde então o número de jovens formados no país ultrapassou os 7 milhões – sete vezes mais do que antes.
Uma das preocupações crescentes no governo chinês é a alta taxa de desemprego entre profissionais com curso superior no país. Em 2013, menos de 30% dos formandos conseguiram emprego logo após concluírem a graduação, segundo estatísticas oficiais.
Talentos em xeque
Isso despertou a preocupação de que muitas das habilidades desses alunos não se enquadram nas exigências do mercado de trabalho. “Existe uma lacuna entre o que uma empresa exige e o que as universidades ensinam aos alunos”, diz Brian Zhang, recrutador em uma empresa de networking internacional com sede em Pequim.
“A vantagem do sistema educacional chinês é que os estudantes se esforçam muito, são muito inteligentes e podem se adaptar a novos ambientes muito rapidamente, mas não têm tempo de desenvolver outras habilidades”, afirma.
Segundo o empresário, os estudantes chineses são frequentemente criticados por terem dificuldades em se comunicar e em resolver problemas.
“Uma empresa internacional pode facilmente recrutar um trainee hoje na China. Mas onde esse trainee vai estar daqui a dez anos? Muito provavelmente não na mesma companhia, porque ele poderá não ter as habilidades para crescer lá dentro”, diz Zhang.
No ano passado, o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, causou polêmica ao afirmar que, apesar do alto número de profissionais com curso superior da China, o país precisa se concentrar em inovação.
O sentimento de Biden é o mesmo de muitas das empresas recrutando talentos na China. E muitos culpam a rigidez do sistema educacional do país.
Vale do Silício próprio
Mas outros acreditam que a ideia de que os jovens chineses não são inovadores é um estereótipo antiquado.
“Acho que foi um comentário altamente exagerado”, diz Kaiser Kuo, executivo do site de buscas chinês Baidu, um dos gigantes da internet local. A empresa forma parcerias com universidades para identificar candidatos e recrutar os mais adequados antes de se formarem.
A China hoje abriga algumas das empresas de internet que mais crescem no mundo e tem seu próprio Vale do Silício no norte de Pequim, conhecido como Zhongguancun.
Alguns especialistas sugerem que esse rápido crescimento só pode ter sido alimentado pela competitividade cultivada no sistema educacional chinês.
Há também uma percepção de que o vestibular é um rito de passagem para os jovens chineses – e que o processo torna o estudante mais disciplinado, ético e resiliente.
Para Song Yandong, professor de química do ensino médio em Harbin, o Gaokao não deve ser encarado como sofrimento. “Esses jovens estão indo atrás de um sonho. Se não passarem por isso, poderão perder uma grande oportunidade de melhorar de vida”, diz.
Fonte: El País
Texto: Virginie Mangin
Data original da publicação: 26/06/2015