Um grupo de 31 trabalhadores mantidos em condição análoga à de escravidão foram resgatados em uma propriedade no município de Nova Maringá (369 km de Cuiabá). Sob ameaças, em condições precárias e com salários abaixo do combinado, as vítimas foram recrutadas por um sindicato e trabalhavam durante a safra de soja para uma multinacional chinesa que armazena alimentos. A ação conjunta foi realizada entre 11 de março e 5 de abril.
Estiveram envolvidos no resgate auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Mato Grosso (SRTE/MT), Ministério Público do Trabalho (MPT) e policiais civis da Gerência de Operações Especiais (GOE) no estado. De acordo com as instituições esse foi o maior número de pessoas liberadas do trabalho escravo em uma só operação no estado desde 2009, quando foram resgatados, numa só propriedade, 78 trabalhadores no município de Sapezal.
O chefe da Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho no Mato Grosso, Eduardo de Souza Maria, conta que os trabalhadores faziam o manejo de soja no momento do resgate. As atividades consistiam em descarregar os caminhões, colocar os grãos em armazéns e cuidar da limpeza no local. Muitos desses trabalhadores eram de outras cidades e estados e todos dormiam nos alojamentos da empresa em Nova Maringá.
Eles relataram que chegavam a executar as tarefas por até 16 horas seguidas – muitas vezes, sem intervalo de almoço – e não tinham descanso semanal remunerado. O pagamento pelo serviço ficava abaixo do combinado. “Eles tinham um acordo para receber conforme a produtividade, mas o pagamento nunca correspondia à produção. E quem reclamava recebia ameaças de demissão e até de violência”, relata Eduardo Maria.
Os fiscais também constataram situação de alojamento inadequado e insalubre, má qualidade na alimentação, restrição à locomoção, casos de assédio moral, falta de comunicação de acidente de trabalho e aliciamento de pessoas. Os resgatados estavam nessas condições há cerca de 30 dias, mas Eduardo Maria explica que mais de 200 trabalhadores haviam passado pela empresa desde o início da safra e já tinham sido dispensados quando a fiscalização chegou.
Segundo ele, alguns desses trabalhadores vinham denunciando as irregularidades na região. “Essas contratações são feitas para atender a demanda de uma determinada safra, de janeiro a março. Como essa empresa trabalha com outros alimentos, é possível que mais trabalhadores contratados para outras safras tenham passado pela mesma situação”, explica o chefe de Inspeção do Trabalho.
Aliciamento – A “lei do avulso” (Lei nº 12023/09) permite a contratação para atividades periódicas, como carga e descarga de navios ou a colheita de produtos agrícolas. No entanto, o contrato firmado entre o Sindicato e a empresa foi considerado nulo. “Não houve assembleia da categoria para definir valores de salários, não tinha instrumento coletivo regulando as atividades”, conta Eduardo Maria. O acordo coletivo, que deveria ter sido aprovado em assembleia, foi assinado só entre o sindicato e a indústria, sem ser protocolado no Ministério do Trabalho, para ser validado.
Outra irregularidade era a falta de uma escala que permitisse o fluxo dos trabalhadores entre várias empresas contratantes. Não havia revezamento, nem outras indústrias atendidas. “O diferencial desse caso é o uso do sindicato como ‘gato’ no aliciamento dos trabalhadores”, afirma Eduardo Maria. “Ele não funciona como sindicato, funciona como um grupo de camaradas que se juntaram para ‘alugar trabalhador’, vender mão de obra e ganhar dinheiro em cima disso”, acrescenta o auditor-fiscal Luis Alexandre de Faria, que coordenou a ação.
Penalidades – Sem o revezamento entre empresas, ficou comprovado o vínculo empregatício. “A lei do avulso foi utilizada e desvirtuada para buscar aparência de legalidade”, diz Farias. Por isso, a entidade sindical não responde pelos direitos trabalhistas, que ficaram sob a responsabilidade da empresa, mas não se isenta dos delitos cometidos. “As consequências para o sindicato possivelmente serão graves pelo crime de aliciamento e com base no artigo 149 do Código Penal (reduzir alguém a condição análoga à de escravo)”, esclarece o coordenador.
A empresa recebeu 26 autos de infração, com multas podem chegar a R$ 122 mil. Dos 31 trabalhadores resgatados, 30 já tiveram regularizados os salários, que haviam sido pagos incorretamente (incluídas as diferenças por produtividade), mais um mês de aviso prévio, férias e 13º salário proporcionais aos dias trabalhados e ao aviso prévio. Também foram recolhidos o FGTS e a multa rescisória, bem como as contribuições previdenciárias. O outro empregado havia se acidentado no trabalho, está em tratamento de saúde, e continua vinculado à empresa, afastado pelo INSS. A contratação dele será rescindida quando estiver em condições de trabalhar em outro local.
Fonte: Olhar Direto
Texto: André Garcia Santana
Data original da publicação: 07/04/2017