A Oxfam Brasil, organização que atua pela redução da desigualdade no país, defende que o novo governo Lula faça uma reforma tributária justa e progressiva. Ou seja, que substitua o atual sistema de cobrança de impostos baseado na tributação do consumo pela cobrança progressiva. Isso porque o modelo atual prejudica os mais pobres, que proporcionalmente, pagam mais impostos que os ricos – quando deveria ser o contrário, a exemplo do que acontece em muitos outros países. O resultado é que o sistema, injusto, amplia a desigualdade social.
Por isso, a organização, que integra uma rede global, com atuação em 87 países, lista cinco propostas tributárias eficientes, simples e justas para reduzir desigualdades. A primeira delas é a simplificação da tributação sobre o consumo, que onera os mais pobres. O principal desses tributos é o ICMS, estadual, embutido no preço dos alimentos e outros itens de primeira necessidade.
“Esse imposto tem grande peso sobre o preço da cesta básica. Quanto mais alto, maior o comprometimento da renda das pessoas mais pobres com alimentos. Há dados que apontam que, com a inflação sobre os alimentos, acima da média, 30% da renda dessas famílias ficam comprometidos”, disse à RBA Jefferson Nascimento, coordenador de Pesquisa e Incidência em Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil. O gasto com alimentos, aliás, é uma das causas do endividamento das famílias brasileiras.
Esse aspecto traz grande preocupação à organização. Um dos recortes do inquérito da Rede Penssan sobre segurança alimentar no país, que indicou que 33 milhões de pessoas passam fome, tem a ver com endividamento. “Um dos destaques do relatório mostra que a taxa de fome entre pessoas endividadas é muito semelhante à das que estão desempregadas”, disse o coordenador.
Redução nos impostos sobre o consumo
Contra essa lógica na qual um pãozinho francês ou um litro de leite têm o mesmo preço, tanto faz se quem está comprando é rico ou pobre, a Oxfam defende uma reforma tributária que inclua a criação de um imposto sobre valor agregado (IVA). Consiste na unificação de diferentes impostos, como Cofins, PIS/Pasep, IPI, ICMS e ISS. E também um imposto seletivo (IS) sobre produtos que causam externalidades negativas. Por exemplo: os agrotóxicos, hoje isentos de quase todos os impostos. Além de trazer prejuízos à saúde do consumidor, quando não mata, ainda contamina o meio ambiente. E prejudica a saúde financeira pública. O SUS terá de custear tratamento de doenças e fica o passivo ambiental.
Só a simplificação, porém, não basta para reduzir desigualdades. Também é necessário reduzir a alíquota de impostos sobre o consumo, com a compensação através da redistribuição para tributos sobre renda e patrimônio. Por isso a organização defende também a equidade no desconto do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF).
A preocupação se deve à concentração das alíquotas da cobrança do imposto nas rendas médias. Isso limita a progressividade. Para piorar, os ganhos com lucros e dividendos não são tributados desde 1995. Com isso, as rendas mais altas são inversamente tributadas. Já a classe média, em geral, paga proporcionalmente mais IRPF que muitos milionários. Por isso a Oxfam defende não só o ajuste na tabela do imposto de renda, com alíquotas progressivas. Mas também o estabelecimento do imposto sobre lucros e dividendos.
IR: 2,5% do PIB com isenção de lucros e dividendos
Para se ter uma ideia da urgência dessa medida, a organização informa que no Brasil, a carga tributária sobre a renda, lucro e ganho de capital corresponde a 7,0% do PIB. O patamar é muito inferior à média dos países da OCDE (11,4% do PIB) e a verificada na Itália (13,1% do PIB) e Canadá (15,4% do PIB). Nos países capitalistas centrais, o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) é o pilar central do sistema tributário.
“Os 0,2% com maior renda no país, os super ricos, declaram que 70% de sua renda vem dos lucros e dividendos, que não são tributados no Brasil. É a lógica do empresário da Petz, que disse esta semana que que acha um absurdo que seus funcionários pagam mais impostos do que ele”, disse Jefferson Nascimento.
Ele se referiu a Sergio Zimerman, fundador e presidente da rede de lojas de artigos para animais de estimação. Em entrevista nesta segunda-feira (7) ao jornal O Estado de S.Paulo, o empresário classificou como “uma vergonha” o sistema tributário nacional.
“Eu, como CEO da companhia, pago menos imposto do que um operador de caixa da minha empresa. Isso é uma vergonha. Não acho que um país pode dar certo com esse tipo de mentalidade.”
Ele disse também estar preocupado com as propostas de reforma discutidas até o momento. “Vejo que nenhuma toca no assunto mais central, que é essa brutal concentração de renda.”
O imposto de renda é central na arrecadação dos países. No entanto, no Brasil corresponde a 2,5% do PIB. É um quinto da arrecadação nos Estados Unidos (12,5% do PIB). Segundo a Oxfam, é assim devido à isenção de lucros e dividendos distribuídos aos sócios e acionistas das empresas. E também porque a alíquota máxima do IRPF (27,5%) está muito abaixo do patamar dos países centrais (entre 40% e 60%). E até mesmo de latino-americanos. No Chile, é 40%. Por isso, um sistema injusto permite que os endinheirados tenham 70%, no mínimo, da sua renda isenta de tributos.
É assim desde 1995, quando o governo de Fernando Henrique Cardoso sancionou a Lei 9.249. Em seu artigo 10, determina que “os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior”.
Imposto sobre grandes fortunas: não saiu do papel da Constituição
Uma reforma tributária tem de incluir também equidade no Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ). Pelo atual sistema, as empresas com maior faturamento podem pagar menos imposto que as médias e pequenas. Vai depender do seu regime de tributação. Enquanto as pequenas e médias contribuem sobre um valor presumido, as grandes pagam sobre um lucro real, que elas conseguem reduzir muito, por estratégias ou brechas contábeis.
Tem ainda a necessidade da efetivação do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), cobrado conforme o tamanho e utilização de terras declaradas. Essa autodeclaração facilita a sonegação a redução da arrecadação. Esse imposto não deveria ser “auto declaratório”, considera a Oxfam, que defende o fortalecimento do cadastramento rural e da fiscalização. Sem contar a importância do resgate dos objetivos do ITR, relativos à função social da terra e à preservação ambiental.
A quinta proposta defendida pela Oxfam é o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Previsto no inciso VII do artigo 153 da Constituição, nunca foi regulamentado. Trata-se de um imposto que somente uma pequena parcela da população com muita renda contribui. E não tem impacto sobre a maioria da população de baixa e média renda. Isso porque deve começar no topo da pirâmide, com foco no 0,1% da população que tem a maior renda no país. O princípio é tributar todos os ativos e estabelecer regras mais rígidas contra sonegação.
Ação por reforma tributária tramita no STF
A ampliação da tributação das altas rendas e riquezas e a redução da tributação do consumo estão no cerne da reforma tributária no Brasil. Por isso são questionadas na proposta de reforma protocolada no Congresso por partidos da oposição (PCdoB, PDT, PSB, Psol, PT e Rede). Trata-se da “Reforma Tributária Solidária, Justa e Sustentável”, respaldada em estudos da Oxfam, Conselho Federal de Economia e entidades representativas de auditores fiscais – Fenafisco e Anfip.
O injusto sistema tributário brasileiro é alvo de uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF). A Oxfam, a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos recorreram à Corte em março de 2020 contra regressividade do regime fiscal brasileiro. Na ação, inédita, elaborada por Eloísa Machado, professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), argumentam que o atual sistema cobra proporcionalmente mais de quem ganha menos, promovendo, assim, desigualdade social.
Portanto, para a organização, a empreitada de Lula em seu terceiro governo, desta vez com amplo apoio da sociedade organizada, deve ir além da correção da tabela de imposto de renda. Isentar os trabalhadores que ganham até R$ 5 mil é necessário e urgente. Mas a reforma tributária prometida em seu plano de governo precisa ir além.
Fonte: Rede Brasil Atual
Texto: Cida de Oliveira
TData original da publicação: 10/11/2022