Durante muitos anos, a historiografia britânica destacou o “pioneirismo” inglês no fim comércio de escravizados na Inglaterra, aprovado em 1807, após o Parlamento Britânico votar o Abolition Act. A lei teria sido, para muitos, o marco inicial de um processo linear, esclarecido e lógico que levaria até 1833, quando a escravidão seria abolida em todo o Império Britânico. Nos últimos anos, porém, uma nova leva de trabalhos historiográficos vêm mostrando que essa visão não passa de um equívoco autocongratulatório. É o que mostra o livro “The Interest: How the British Establishment Resisted the Abolition of Slavery” (“O Interesse: Como a Elite Britânica Resistiu à Abolição da Escravidão”), de Michael Taylor, lançado em 2020, ainda sem tradução para a língua portuguesa.
O livro discute como as elites britânicas se esforçaram para extrair o máximo possível de rentabilidade do regime de escravidão em seus domínios até 1833. Para Taylor, a mentalidade e a prática violenta dos escravocratas tinham 200 anos de história – não acabaria simplesmente em 1807. Mesmo depois do Abolition Act, mais de 700.000 pessoas nas colônias britânicas permaneceram escravizadas, sofrendo torturas, mutilações, estupros e outros tipos de sofrimentos.
Enquanto a maioria dos livros sobre a abolição da escravidão no Reino Unido ainda se concentra na figura de William Wilberforce e em outros líderes do movimento abolicionista, “The Interest” destaca a resistência da elite britânica à abolição e mostra como ela trabalhou para manter o sistema de escravidão lucrativo mesmo após a proibição do tráfico de escravos em 1807.
Com vasta pesquisa bibliográfica e documental, Taylor explora a rede oculta de políticos, banqueiros e donos de escravos que trabalharam juntos para impedir a abolição da escravidão no Império Britânico. Os documentos revelam como bancos e instituições financeiras no Reino Unido forneciam empréstimos aos donos de escravos e como políticos faziam lobby para manter o status quo. O autor também examina como a elite escravista britânica afetou o movimento abolicionista.
De acordo com Taylor, o livro é uma tentativa de expor a história oculta da escravidão no Reino Unido, que é frequentemente ignorada nas discussões sobre o movimento abolicionista. Sua expectativa é a de que isso contribua para uma compreensão mais ampla do legado da escravidão e do racismo na sociedade britânica e inspire as pessoas a agir para enfrentar essas questões hoje.
“O interesse das Índias Ocidentais não era apenas um punhado de fazendeiros e comerciantes, mas envolveu centenas de deputados, pares, funcionários públicos, empresários, financeiros, proprietários de terras, clérigos, intelectuais, jornalistas, editores, marinheiros, soldados e juízes, e todos eles fizeram de tudo para preservar e proteger a escravidão colonial”, diz Taylor no livro.
O livro de Taylor tem recebido críticas elogiosas por onde passa. O jornal inglês The Guardian destacou a resistência de tanta gente à abolição da escravidão, e como fizeram essa resistência:
“The Interest é a história de como tais atitudes foram difundidas e profundamente enraizadas, como vigorosamente os apelos à abolição foram resistidos e por que o parlamento britânico, no entanto, votou finalmente em 1833 para acabar com a escravidão em seus territórios das Índias Ocidentais e da África. Em 20 capítulos rápidos e emocionantes, Taylor traça o curso desde a fundação da Anti-Slavery Society em 1823 até a passagem final da Lei de Abolição da Escravatura em 1833″.
Na London Review of Books, o historiador Christopher L. Brown, professor de História na Universidade de Columbia, pontua que Taylor “não evita totalmente o triunfalismo usual nas histórias de emancipação” e nem tem “muito a dizer sobre atores negros”, mas isso não seria um problema, já que ele concentra as suas forças no livro em contar a história dos perpetradores:
“Os proprietários britânicos de navios negreiros e plantações, bem como as pessoas que lucraram com o sistema e o perpetuaram, também precisam que suas histórias sejam contadas. Mas o novo foco nos perpetradores coloca os africanos escravizados como vítimas da brutalidade britânica ou como rebeldes ocasionais contra a exploração, raramente como seres humanos completos. (…) Taylor reconhece a dificuldade: seu livro é intencional e explicitamente “uma história de como os britânicos brancos pensaram, escreveram e agiram sobre a escravidão”.
Michael Taylor é historiador dos séculos XVIII e XIX. Indicado para o Prêmio Orwell de Redação Política por “The Interest”, seu próximo livro (a ser publicado com The Bodley Head) será uma história do conflito entre ciência e religião que se seguiu à descoberta dos dinossauros.
Fonte: Café História
Texto: Bruno Leal
Tradução: Tradutor
Data original da publicação: __/__/2019