Governo pagou caro pela eleição do Congresso, e agora quer passar logo os projetos neoliberais. Na esteira da aprovação da “independência” do BC, objetivo é claro: aumentar precarização do trabalho e desmantelar serviços públicos.
José Álvaro de Lima Cardoso
Fonte: Outras Palavras
Data original da publicação: 18/02/2021
O ministro Paulo Guedes vem prometendo fazer um esforço para “zerar a pauta” de projetos no Congresso, ou seja, votar tudo que for possível no primeiro semestre do ano. No ano passado o percentual de aprovação de projetos governamentais no Congresso foi um dos piores dos últimos anos. O plano do governo deveria deixar os trabalhadores de “cabelo em pé”. As palavras amenas, como “reformas”, não devem iludir os trabalhadores. Regra geral, são expressões mais suaves para liquidação de direitos, ou destruição de estruturas públicas que, bem ou mal, tem importância para a população.
A “limpeza da pauta” no Congresso, segundo o governo, possibilitaria o país retomar o crescimento. A gente escuta essa história de “retomar o crescimento”, no mínimo, desde que deram o golpe em 2016. Mas o que os golpistas entregaram, de fato, foi a maior série histórica de estagnação/recessão já registrada no Brasil.
A pauta econômica do governo Bolsonaro, em essência, não tem diferenças da proposta da direita tradicional, chamada de neoliberal. A situação econômica atual mundial não permite um acordo amplo com a população, como o que chegou a ser feito em alguns países, no segundo pós-guerra, que levou a um Estado do bem-estar social em algumas regiões do mundo. Não permite nem mesmo as reformas que ocorreram no período recente no Brasil, entre 2003 e 2013, com melhorias importantes no campo do direito trabalhista, da renda, do salário mínimo, do emprego.
Nesse contexto, previdência social, sistema de saúde público, educação pública, tudo isso está na alça de mira da burguesia para ser destruído. Essa pauta de destruição de direitos unifica tanto a extrema direita (representada por Bolsonaro), quanto a direita liberal tradicional, que operou o golpe em 2016 e colocou Bolsonaro lá. Essa pauta unifica os dois segmentos.
As medidas de desmonte vão sendo encaminhadas gradualmente, porque, de uma vez só, provocaria muita reação popular. Mas a estratégia de Paulo Guedes e de Bolsonaro, e agora dos novos presidentes da Câmara e Senado, é acabar com o máximo de gastos públicos com a população. Se pudessem, se não tivessem nenhuma vinculação com o voto, acabavam com tudo de uma vez. Rodrigo Maia, que saiu, não tem absolutamente contradição nenhuma com a pauta econômica de Guedes/Bolsonaro. As contrarreformas não andaram no ritmo que o governo Bolsonaro e o Capital, desejavam, por outras razões, possivelmente ligadas à divergência eleitorais entre Bolsonaro e Maia, causadas pela proximidade das eleições do ano que vem. Destruição de direitos trabalhistas e públicos é a agenda da burguesia no mundo todo.
A eleição de aliados do governo para o comando do Legislativo abriu uma janela de oportunidades que pode ser a última deste mandato de Bolsonaro. Ficará mais fácil avançar em projetos principalmente de desmonte do que sobrou de direitos sociais no Brasil. O fato de não quererem encaminhar essas pautas em ano eleitoral já mostra que são contra a população. Se fossem medidas favoráveis à maioria, o governo faria questão de aprová-las o mais proximamente possível à realização das eleições.
O governo Bolsonaro incluiu na pauta prioritária apresentada no dia 3 de fevereiro, aos presidentes recém-eleitos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), os seguintes projetos:
● Privatização da Eletrobrás;
● Reforma administrativa e tributária;
● Lei do Gás1;
● Autonomia do Banco Central;
● Conversão da pedofilia em crime hediondo;
● Regulação do registro, posse e comercialização de armas de fogo;
● Educação domiciliar (homeschooling);
● Mineração em terras indígenas.
Na área econômica, seis das prioridades elencadas pelo governo são Propostas de Emenda à Constituição (PECs), o que significa que têm que ser aprovadas por 3/5 nas duas casas, em dois turnos. Aparentemente o governo tem estes votos. Na Câmara dos Deputados os 3/5 de votos corresponde a 342 votos, 40 a menos do que teve Arthur Lira, na disputa à presidência da Câmara. Entre as PECs listadas pelo Planalto estão as PECs dos Fundos, PEC Emergencial e a do Pacto Federativo.
A PEC dos Fundos permite que o governo utilize para outras finalidades o dinheiro disponível em fundos infraconstitucionais e extingue fundos públicos, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). A intenção com essa medida, aparentemente, é arrumar os recursos para transferir renda sem furar o teto de gastos (EC 95), servindo para a reeleição de Bolsonaro em 2022. A PEC Emergencial permite cortar salários e outras despesas públicas em caso de emergência. Além de poder tomar outras medidas excepcionais sem consultar o Congresso Nacional. Já a PEC do Pacto Federativo veda o socorro da União aos entes federativos, ampliando suas responsabilidades pelas próprias contas. Ou seja, tende a piorar a situação dos estados e municípios, forçando demissões, terceirizações, reduções de salários e outras mazelas.
Outra proposta de alteração à Constituição é a PEC 32/2020, da Reforma Administrativa. No caso dessa contrarreforma estão previstas alterações como o fim da estabilidade da maior parte das carreiras no serviço público. Querem destruir o setor público, tal como a gente o conhece hoje. A turma do governo Bolsonaro, considera um luxo salários dignos e estabilidade para o setor público. Ainda mais num país subdesenvolvido como o Brasil, onde metade da força de trabalho está na informalidade. Normalmente eles não dizem com todas as letras, mas no fundo querem “uberizar” todo o mercado de trabalho.
Para a reforma tributária dispõem de duas PECs: (45/2019 e 110/2019). As PECs da reforma tributária, não atacam o que é essencial no Brasil, como o problema da tributação regressiva (proporcionalmente, quem tem menos paga mais impostos). As propostas são muito mais uma simplificação tributária do que de uma reforma de fato. Mas que outra coisa poderíamos esperar de Paulo Guedes e de um governo que acha que o problema do Brasil é o excesso de direitos?
Um dos projetos mais graves foi aprovado na Câmara no dia 10 de fevereiro, o de Lei Complementar que prevê a autonomia do Banco Central (BC) – o PLP 19/2019, de autoria do senador Plinio Vale (PSDB/AM). O projeto que está seguindo para sanção presidencial, pretende transformar o Banco Central do Brasil (BC) num supra órgão, autônomo em relação à estrutura administrativa do país e desvinculado de qualquer ministério. É o chamado “Banco Central Independente”, medida que encurta o caminho do Brasil para ser uma colônia, ao serviço do sistema financeiro internacional.
Notas
1 O Projeto de Lei n° 4476, de 2020, aprovado pelo Senado, chamado de Nova Lei do Gás, que tem como objetivo abrir mais o mercado e tentar conter o preço do gás.
José Álvaro de Lima Cardoso é economista, doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, supervisor técnico do escritório regional do DIEESE em Santa Catarina.