Ken Loach, conservador de esquerda?

Fotografia: Cornerhouse/Flickr

O documentário Versus – A Vida e os Filmes de Ken Loach (Versus – The Life and Films of Ken Loach) faz um retrato tão suave e tranquilo quanto o próprio retratado.

Carlos Alberto Mattos

Fonte: Carmattos
Data original da publicação: 17/10/203

“Como um cara desses pode fazer aqueles filmes?”, pergunta-se bem a propósito o ator Gabriel Byrne a respeito de Ken Loach, o mais esquerdista e engajado cineasta britânico do nosso tempo. Vendo Loach falar e orientar seus atores e equipes, é fácil compreender o espanto de Byrne. Kenneth Charles Loach é um homem calmo, ponderado, educado… Muito conservador, como sintetiza o produtor e amigo Tony Garnett. Para completar: “A questão é que ele nunca será dissuadido”.

O documentário Versus – A Vida e os Filmes de Ken Loach (Versus – The Life and Films of Ken Loach) faz um retrato tão suave e tranquilo quanto o próprio retratado. Loach foi abordado pela diretora Louise Osmond em 2015, durante as filmagens de Eu, Daniel Blake. A partir dessa base, o filme evolui cronologicamente, com destaque para os trabalhos menos conhecidos do diretor à época em que trabalhava para a BBC. Foi em telefilmes da série The Wednesday Play, como Up the Junction, Cathy Come Home The Big Flame, dos anos 1960, que Loach trouxe para o cinema de ficção a classe trabalhadora britânica e os conflitos entre trabalho e capital. Deu seguimento ao panorama proletário do Free Cinema da década anterior. “A política é a essência do drama, a essência do conflito”, ele aponta como uma profissão de fé.

Essa fase e o longa Kes, que o projetou no mercado, recebem atenção bem maior que o período mais recente. Não é de todo mau, uma vez que ali estavam as raízes de sua obra e de sua opção pelos pobres e os sem voz. Depois que os tories tomaram o poder com Thatcher, Loach passou por uma década de relativo ostracismo, quando teve que fazer publicidade – até para o McDonald’s, o que ele relembra não sem corar de vergonha. Houve também um pequeno e mal sucedido ciclo de documentários, o que surpreende para um diretor que tem o realismo e a fidelidade à vida como padrão de sua ficção.

Versus não demonstra interesse em aprofundar uma análise da obra, nem esmiuçar os métodos de Loach. Suas considerações são singelas e levemente irônicas; as dos demais entrevistados são elogiosas e divertidas. Dos atores Loach espera que sejam vulneráveis e ao mesmo tempo seguros, pois disso depende sua dramaturgia. É bom vê-lo falar sobre isso. E saber que ele mesmo foi ator bissexto de teatro quando jovem.

Ken Loach anunciou o fim da carreira em 2014. Para nossa sorte, não cumpriu o prometido. Desde então, fez mais três longas. Enquanto dirigia Eu, Daniel Blake, perguntava-se se “esse velho diretor” não deveria estar entregue aos remédios e às meias elásticas. O sorriso maroto, no entanto, traía uma escolha já feita. Enquanto tiver saúde e houver desigualdades no mundo, o velho guerreiro seguirá empunhando a câmera.    

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