Julgamento do Brasil na OEA: O primeiro julgamento da Corte relacionado a Trabalho Escravo contemporâneo

O Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) convocam para uma coletiva de imprensa no Secretariado Nacional do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), localizado em Brasília.

Nessa oportunidade, Frei Xavier Plassat, coordenador da Campanha Nacional da CPT “De Olho Aberto para não Virar Escravo” e Beatriz Affonso, Diretora do CEJIL/Brasil, informarão sobre o caso “Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil”. Na ocasião, apresentarão, também, informações sobre os fatos denunciados (desde novembro de 1998) contra o Estado brasileiro perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH); sobre todo o processo internacional, incluindo o acordo de cumprimento das recomendações formuladas no Relatório Final da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), acordo esse que deu lugar à longa negociação entre os representantes das vítimas e o Estado brasileiro, entre os anos de 2012 e 2014, mas que acabou suspenso pelo Estado após 90% das cláusulas terem sido acordadas, e, finalmente, sobre as razões do caso ter sido, em junho de 2015, enviado pela CIDH à Corte Interamericana de Direitos Humanos, onde está em trâmite neste momento para julgamento. Também serão apresentadas as expectativas das vítimas e dos peticionários em relação ao resultado esperado desse julgamento.

A audiência pública deste primeiro julgamento internacional contra o Brasil sobre trabalho escravo será realizada nos próximos dias 18 e 19 de fevereiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em San José, Costa Rica.

O caso “Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil” trata de trabalho escravo e tráfico de pessoas para fins de exploração forçada. Em 1988, houve uma denúncia da prática de trabalho escravo na Fazenda Brasil Verde e o desaparecimento de dois adolescentes que teriam tentado fugir, denúncia seguida por mais onze outras denúncias em anos subsequentes, as quais suscitaram um total de seis fiscalizações (em 1989, 1993, 1996, 2000, 2002) e ocasionaram o resgate de 340 trabalhadores ao longo de quatorze anos. Este caso é emblemático por demonstrar como a incidência da prática do trabalho escravo contemporâneo é marcada por obstáculos e omissões dos poderes públicos na responsabilização dos envolvidos, e a persistência, apesar dos avanços até os dias de hoje, de profundos entraves à erradicação nesse país dessa grave violação de direitos fundamentais.

Centenas de trabalhadores, a grande maioria deles analfabeta, durante pelo menos 16 anos, foram aliciados em seus locais de residência (no Piauí, Maranhão, Tocantins e Pará) e, com base em promessas enganosas de salários fixos, levados para a Fazenda Brasil Verde, no sul do Pará – uma viagem de mais de 700 km, contraindo dívidas desde seu primeiro deslocamento, sendo que as mesmas só aumentaram com o posterior consumo de alimentos, o uso de material de trabalho e a compra de produtos na cantina da fazenda, com anotação na caderneta da cantina, sem nem conhecerem os preços praticados. Tiveram seus documentos retidos; aqueles que sabiam assinar foram obrigados a deixar suas assinaturas em papéis em branco, foram submetidos a condições insalubres, jornadas exaustivas e condições degradantes de trabalho. Vigiados por capatazes agressivos e armados, só receberam seus salários quando reiteradas fiscalizações os resgataram e garantiram o acerto de seus direitos trabalhistas.

Tantas fiscalizações e resgates, que não resultaram em responsabilizações e reparações de danos morais, permitem revelar de forma indubitável o cenário de um Estado incapaz de evitar os abusos perpetrados por particulares, omisso na garantia das indispensáveis medidas complementares, como a prevenção e a responsabilização (nos âmbitos tanto da justiça criminal, trabalhista e civil como, para fazendas e empresas beneficiárias do crime, na esfera econômica), medidas que, em conjunto, são imprescindíveis para a efetividade do combate ao trabalho escravo.

Portanto, este caso representa não somente a possibilidade para vítimas obterem a devida e integral reparação pelas violações sofridas, como também a oportunidade para a sociedade brasileira de ajustar, avançar e proteger a legislação e as políticas públicas de enfrentamento ao trabalho escravo contemporâneo. Vale aqui recordar o quão decisivo foi para o avanço da política brasileira de combate ao trabalho escravo o caso conhecido como Caso José Pereira, também impetrado pela CPT e o CEJIL. A solução deste caso, em 2003, é até hoje lembrada como um separador de águas na história do combate ao trabalho escravo contemporâneo.

A jurisprudência da Corte sobre trabalho escravo e tráfico de pessoas para exploração de trabalho forçado marcará um avanço importante no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, definindo parâmetros claros para os elementos constitutivos dessas práticas, incidindo como meio no combate em outros países da região, onde infelizmente também estão presentes formas contemporâneas de escravidão.

Fonte: Instituto Humanitas, com Comissão Pastoral da Terra
Data original da publicação: 03/02/2016

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