As principais centrais sindicais do país realizaram na quinta-feira (22/09) um dia de mobilização contra reformas defendidas pelo governo do presidente Michel Temer e a favor da redução de jornada semanal, das atuais 44 horas para 40 horas. Participaram do movimento tanto as centrais que se opuseram ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, como a CUT, com as que apoiaram a queda da petista, como a Força Sindical.
A primeira união da centrais na gestão do peemedebista se opôs ao projeto de teto de gastos, que prevê a limitação do crescimento do gasto público à inflação do ano anterior (que o Planalto pretende aprovar no Congresso até o final do ano), à reforma da Previdência (que deve centralizar o debate no início de 2017) e à reforma trabalhista (prevista para o segundo semestre de 2017).
As centrais sindicais reivindicam a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais desde 2004, e esse é um tema central do debate sobre a reforma trabalhista. Dois episódios recentes revelaram a intenção, do empresariado e do governo, em discutir mudanças nesse item.
Em 8 de julho, o presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Robson Andrade, citou a possibilidade de o país adotar a jornada de 60 horas semanais, tendo a França como exemplo — os franceses admitem essa jornada em situações excepcionais mediante acordo com os sindicatos.
Já o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, disse em 8 de setembro que o governo incluiria em sua proposta de reforma trabalhista elevar a jornada diária para até 12 horas, mantendo a carga semanal em 44 horas. A medida visaria aumentar a flexibilidade das jornadas de trabalho, já utilizada na prática por algumas profissões, como no setor de saúde.
Diante da repercussão negativa da declaração, que passou a ser explorada por adversários políticos de Temer, o ministro tentou esclarecer que não defendeu uma jornada de trabalho de 12 horas para todos os dias da semana. Oficialmente, o governo diz que ainda não tem uma proposta fechada a respeito do tema.
Como é no Brasil e no mundo
A jornada de trabalho de 44 horas foi estabelecida no Brasil na Constituição de 1988 — até então, a jornada era de 48 horas semanais. Esse teto não inclui a possibilidade de fazer duas horas extras por dia, remuneradas com um adicional de 50% sobre o valor da hora normal.
Nem todas as categorias profissionais adotam a jornada máxima de 44 horas. Os bancários, por exemplo, têm jornada semanal de 30 horas e os advogados, de 40 horas.
Na América Latina, no Oriente Médio e na Ásia predominam jornadas semanais superiores a 42 horas. Na Europa e demais países desenvolvidos o mais comum é a jornada de 40 horas.
A jornada máxima brasileira é igual à de Uruguai e Venezuela, superior à de Equador, Indonésia e Rússia e inferior à da Argentina, Colômbia e México.
Segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), 41% dos países adotam a jornada de 40 horas semanais de trabalho, e 44% adotam carga acima de 40 horas semanais.
Regras de trabalho
Os países listados acima têm regras específicas para a definição da jornada, mas a diferença básica se dá em como, e quanto, os governos controlam o trabalho. Alguns fixam um número máximo de horas que podem ser cumpridas por semana, outros têm mais flexibilidade.
Carga horária flexível
Em países como os Estados Unidos a legislação é menos restritiva e a carga horária bastante flexível. Os empregados são pagos pelas horas trabalhadas e no acordo não é necessário que se estipule o número de horas.
Caso não haja trabalho a fazer, há a possibilidade de o empregador deixar o empregado em casa por alguns dias. Consequentemente, não há pagamento de salários. Em contrapartida, os empregados podem trabalhar mais horas em períodos em que a demanda é mais alta – e receber mais por isso.
Carga horária máxima
O Brasil – assim como França, Reino Unido e outros países europeus – exerce um controle maior sobre o trabalho. Regras impedem que se trabalhe acima do estipulado.
Os mais rígidos são geralmente países que buscam um modelo de bem-estar social, onde o Estado se compromete a oferecer direitos a seus cidadãos. Com mais controle, esses governos geralmente cobram mais impostos sobre o trabalho e oferecem mais benefícios como pensões, aposentadorias e férias remuneradas.
O que significa reduzir a jornada
Qual é a proposta
Reduzir de 44 para 40 horas semanais a jornada de trabalho, sem redução dos salários.
Quem defende
Centrais sindicais e CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil)
Argumentos a favor
Segundo estudo divulgado pela campanha a favor da redução da jornada, a alteração de 44 para 40 horas teria como impacto a elevação de 2% no custo total de produção.
A campanha pela redução da jornada afirma que seria possível aumentar o número de empregos reduzindo a jornada, sob o seguinte raciocínio: se as pessoas trabalharem menos horas, será necessário contratar mais funcionários para entregar a mesma produção.
Um estudo publicado em 2012 pelos economistas americanos Lonnie Golden, da Universidade do Estado da Pensilvânia, e Stuart Glosser, da Universidade de Wisconsin, citado em artigo do economista brasileiro Pedro Fernando Nery no site do Instituto Braudel, concluiu que a redução de jornada em países europeus teve efeito positivo sobre aumento do emprego.
Segundo os pesquisadores, o mesmo resultado poderia ser replicado nos Estados Unidos, mas eles ponderam que a manutenção do mesmo salário após a redução da jornada seria danosa à economia, indicando que o mais adequado seria a diminuição parcial dos vencimentos ou sua complementação pelo governo.
Argumentos contrários
Com a redução da jornada, o custo de horas de trabalho para entregar a mesma produção tende a subir. O empresário poderia tentar reduzir esse custo usando mais máquinas, reduzindo o número de empregados ou aumentando o número de horas extras dos funcionários.
A elevação do custo do trabalho no Brasil teria impacto negativo na competitividade do país frente a concorrentes internacionais, prejudicando a capacidade de o país vender produtos e serviços para outros países.
De 2010 a 2014, o custo unitário do trabalho no país na indústria de transformação, que representa a divisão do custo do trabalho pelo valor da produção, subiu 11,6% segundo a Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro). No mesmo período, o custo subiu 1,3% nos Estados Unidos e ficou 6,3% mais barato no México.
Outro estudo, conduzido pelo Boston Consulting Group, aponta que o custo da mão de obra no Brasil, em dólar, praticamente triplicou de 2004 a 2014, enquanto a produtividade cresceu 12%, o que tornou o país menos competitivo no mundo. Reduzir a jornada poderia aumentar ainda mais esse custo.
Uma ressalva: de dezembro de 2014 até esta quinta-feira (22) o Real havia se desvalorizado 17% frente ao dólar, o que ameniza em parte tal encarecimento da mão de obra.
O que significa flexibilizar a jornadaQuem defende
A Confederação Nacional da Indústria e a Confederação Nacional do Comércio defendem mudanças na jornada de trabalho. O governo também deve enviar uma proposta de reforma trabalhista no segundo semestre de 2017, que pode mexer na jornada
Argumentos a favor
A CNI defende que a negociação coletiva entre trabalhadores e empresários, incluindo aspectos sobre a jornada, traria “benefícios mútuos, para trabalhadores e empresas, além de maior produtividade, coesão e crescimento econômico e social”.
O aumento da jornada poderia também baratear o custo do trabalho na produção brasileira, tornando o país mais competitivo no mundo.
A autorização para uma maior jornada diária, como de 12 horas, também oferece maior segurança jurídica (reduziria o número de processos trabalhistas) a setores da economia que hoje já exercem esse horário de trabalho, como enfermeiros e médicos.
Argumentos contráriosargumentam que o aumento da jornada de trabalho significará a perda de direitos dos trabalhadores e vai contra uma tendência histórica de redução de horas trabalhadas.
Além disso, a elevação da jornada reduziria a possibilidade de os trabalhadores terem acesso ao lazer, ao convívio familiar e à educação, considerando que já gastam tempo, não contabilizado na jornada, se deslocando ao trabalho e na hora de almoço, com impacto negativo na saúde e qualidade de vida.
O presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Adilson Araújo, usa como argumento uma recomendação da OIT pela adoção da jornada para 40 horas semanais e cita que economias europeias já estabeleceram jornadas máximas de 36 ou 38 horas.
Qual é o meio termo
São os programas de proteção ao emprego, no qual empresas, sindicatos e governos definem esquemas para reduzir a jornada em troca da manutenção dos postos de trabalho durante períodos de recessão.
Segundo o economista Pedro Nery, essa saída considera as particularidades de cada setor, é menos custosa, já que a reposição das perdas salariais assumida em parte pelo governo, e pode resultar em aumento da produtividade, pois envolve cursos de qualificação do trabalhador. “Programas como PPE [Programa de Proteção ao Emprego] se proliferaram nos últimos anos com apoio entusiasmado da organização [OIT], inspirados no sucesso do alemão Kurzarbeit”, diz.
Em 2015, a ex-presidente Dilma Rousseff criou um programa nesse sentido, que permite a redução temporária de jornada em até 30%, com redução do salário em 15%. Os outros 15% do salário são pagos pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador, gerido pelo governo. Em contrapartida, a empresa que adere ao programa se compromete a não demitir funcionários.
Esse tipo de iniciativa, contudo, é útil somente em períodos de recessão, para evitar demissões, e não para estimular um maior nível de emprego em época de crescimento da economia.
Fonte: Nexo Jornal
Texto: Bruno Lupion
Data original da publicação: 22/09/2016