A nova legislação das terceirizações intensificará todas as formas de precariedade social e econômica.
Luiz Gonzaga Belluzzo
Fonte: Carta Capital
Data original da publicação: 02/10/2015
Nos últimos 40 anos, as práticas financeiras e as inovações tecnológicas que sustentam a competitividade da grande empresa globalizada detonaram um terremoto nos mercados de trabalho. A migração das empresas para as regiões onde prevalece uma relação mais favorável entre produtividade e salários abriu caminho para a diminuição do poder dos sindicatos e do número de sindicalizados.
Associado à robótica, à nanotecnologia e às tecnologias da informação, o império do “valor do acionista” desatou surtos intensos de reengenharia administrativa e a flexibilização das relações de trabalho. O desempenho empresarial tornou-se refém do “curto-prazismo” dos mercados financeiros e da redução de custos.
O crescimento dos trabalhadores em tempo parcial e a título precário, sobretudo nos serviços, foi escoltado pela destruição dos postos de trabalho mais qualificados na indústria. O inchaço do subemprego e da precarização endureceu as condições de vida do trabalhador. A evolução do regime do “precariado” constituiu relações de subordinação dos trabalhadores dos serviços, independentemente da qualificação, sob as práticas da flexibilidade do horário, que tornam o trabalhador permanentemente disponível.
Ex-secretário do Trabalho dos Estados Unidos, Robert Reich denunciou o rápido crescimento dos empregos precários no país das oportunidades: “Na nova economia ‘compartilhada’, ‘do bico’, ou ‘irregular’, o resultado é a incerteza a respeito dos rendimentos e horas de trabalho. Esta é a mudança mais importante na força de trabalho americana ao longo de um século e ocorre à velocidade da luz. Nos próximos cinco anos, mais de 40% da força de trabalho americana estará submetida a um emprego precário”.
No livro The Jobless Future, Stanley Aronowitz estuda as transformações no mercado de trabalho e estabelece a distinção entre trabalho e emprego. O trabalho para os remanescentes torna-se mais duro e exigente e desaparecem os empregos seguros, de longo prazo. Estão em extinção os empregos que proporcionam aposentadorias e pensões, seguro-saúde e outros. Com esses “privilégios” vai de embrulho a esperança de uma remuneração mais generosa na medida em que o trabalhador avança na carreira.
Na entrevista que concedeu a CartaCapital, Guy Standing, autor de livros e artigos importantes sobre o surgimento do precariado, faz uma distinção crucial entre a habitual insegurança dos assalariados e o surgimento de uma nova categoria de trabalhadores.
Standing afirma que a falta de segurança no trabalho sempre existiu. Mas não é a insegurança que define o precariado. “Os integrantes desse grupo estão sujeitos a pressões que os habituaram à instabilidade em seus empregos e suas vidas”.
De forma ainda mais significativa, não possuem qualquer identidade ocupacional ou narrativa de desenvolvimento profissional. E, ao contrário do antigo proletariado, ou dos assalariados que estão acima no ranking socioeconômico, o precariado está sujeito à exploração e diversas formas de opressão, por se encontrar fora do mercado de trabalho formalmente remunerado.
O que distingue o precariado é a sua trajetória de perda de direitos civis, culturais, políticos, sociais e econômicos. Não possuem os direitos integrais dos cidadãos que os cercam, estão reduzidos à condição de suplicantes, próximos da mendicância, dependentes das decisões de burocratas, instituições de caridade e outros que detêm o poder econômico.
O problema é, principalmente, o da insegurança na remuneração. Se houvesse políticas sensíveis para garanti-la, como por meio de uma renda mínima, poderíamos aceitar a insegurança no emprego. A insegurança ocupacional é de outra natureza, já que buscamos desenvolver uma identidade ocupacional, e muitos gostariam de fazer o mesmo.
A realidade, no Brasil e no mundo, é que medidas como a nova legislação das terceirizações no País intensificarão todas as formas de insegurança social e econômica. Esta é a tragédia da social-democracia trabalhista no século XX. Mas o precariado está evoluindo e nos levará a novas opções políticas no futuro.
No livro Os Anos de Laura Diniz, de Carlos Fuentes, o principal personagem é o século XX. Sobre ele, diz o autor: “Há uma evidente crise universal da civilização urbana. Hoje, os países do Primeiro Mundo têm o seu Terceiro Mundo dentro. E países do Terceiro Mundo têm o seu Primeiro Mundo embutido… A novidade é que existem mais Terceiros Mundos dentro dos Primeiros. É o mundo dos guetos, do descuido com a velhice, da misoginia, da homofobia, dos preconceitos, da falta de infraestrutura, da educação em declive, do crime, da insegurança, da droga”.