Informalidade no mercado de trabalho: os desafios do Governo Lula III

Fotografia: Pixabay

A formalização do mercado de trabalho que havia crescido, especialmente durante o Governo Lula II, passou por um processo de deterioração.

Vinicius Brandão

Fonte: GGN
Data original da publicação: 20/01/2022

Os dados sobre mercado de trabalho para o trimestre terminado em novembro de 2022, divulgados no último dia 19, apresentam um cenário do emprego no Brasil similar ao verificado na maior parte do ano de 2022. Esse cenário consiste na queda do nível de desemprego, o qual alcançou 8,1%, a menor taxa desde abril de 2015, mas também apresenta um nível elevado de informalidade: cerca de 48% dos trabalhadores empregados no país não possuem um posto de trabalho formal. Entre os fatores positivos dos dados divulgados, está o crescimento do rendimento médio real, o qual, após ter passado por uma queda durante todo o ano de 2021, voltou a subir durante 2022 e alcançou o valor de R$ 2.787,00. Apesar da elevação, o valor do rendimento médio ainda se encontra abaixo daqueles verificados no período pré-pandemia do Coronavírus.

Ao passo que se verifica uma tendência de recuperação do nível de emprego total e do rendimento médio real do trabalhador, fica evidente uma estagnação do nível de informalidade do mercado de trabalho. É importante ressaltar que durante o período de crises econômicas é comum que os trabalhadores que perderam seus empregos busquem postos de trabalho no mercado informal. Nesse sentido, a alta da informalidade entre 2020 e 2021 é um movimento esperado. Todavia, quando se inicia a recuperação econômica, espera-se que haja uma inversão dessa trajetória, ou seja, um aquecimento do mercado de trabalho formal e a migração dos trabalhadores de empregos informais para empregos formais.

Contudo, a partir de meados de 2021, quando se inicia uma queda no nível de desemprego no país, essa queda não foi acompanhada pelo aumento da participação dos empregos formais. Ao contrário, quando analisada a participação dos empregos informais no total de pessoas ocupadas, é possível inferir que a recuperação do nível de emprego no país ocorreu justamente nos postos de trabalho informais. Como é possível verificar no gráfico abaixo, a elevação do patamar da participação dos empregos informais no total de pessoas ocupadas é um movimento que ocorre desde a recessão de 2015-16, mas que foi intensificada a partir de 2017, ano da aprovação da Reforma Trabalhista. Para efeito de comparação, ao final do ano de 2015, ano no qual houve queda do PIB brasileiro em 3,8%, a participação dos empregos informais alcançava 44,6%, enquanto durante o ano de 2022, em meio à redução do desemprego, o percentual de empregos informais esteve sempre acima de 48%.

Aumento da informalidade e reforma trabalhista

A formalização do mercado de trabalho que havia crescido, especialmente durante o Governo Lula II, passou por um processo de deterioração ao longo dos últimos anos. Dessa forma, o nível de informalidade sob o arcabouço de políticas liberais se estabilizou em um patamar próximo ao de 50% do total de trabalhadores empregados, o que na prática significa a existência de um contingente elevado de trabalhadores sem direitos trabalhistas e sem cobertura de seguridade social.

Entre trabalhadores informais estão incluídos os trabalhadores autônomos, tanto os que exercem funções tradicionais como pedreiro, diarista, vendedores ambulantes, entre outros, como também os trabalhadores informais oriundos das plataformas digitais, tais como motoristas e entregadores de aplicativos. Esses trabalhadores, em sua grande maioria, não possuem acesso a direitos trabalhistas, além de sofrerem com a baixa cobertura da seguridade social. Em suma, isso implica que esses trabalhadores não possuem afastamento remunerado em caso de doença, não possuem acesso ao FGTS e também não podem solicitar seguro-desemprego em caso de perda dos postos de trabalho em que estão alocados.

A reversão desse cenário perpassa por um conjunto de políticas públicas que vai desde a alteração da lógica da política fiscal, a qual deve ser orientada de forma a retomar os investimentos públicos e privados no país, até a alteração de parte da legislação trabalhista vigente. A Reforma Trabalhista aprovada em 2017 permitiu, entre outras medidas, a legalização do trabalho intermitente e facilitou a contratação de trabalhadores via CNPJ, e não mais por contratos CLT. Ambas as medidas contribuem para a elevação da informalidade no mercado de trabalho, visto que criam um mecanismo de contratação de funcionários no qual há riscos menores para o empregador, o que significa, na prática, que variações negativas da demanda pelo serviço prestado pela empresa irão afetar de forma mais rápida e direta o trabalhador, contratado via CNPJ ou como autônomo. Cabe destacar que esse trabalhador não tem direito à multa por rescisão por demissão sem justa causa, acesso ao FGTS ou mesmo a possibilidade de recorrer ao seguro-desemprego.

Além das medidas que afetaram diretamente os novos postos de trabalho gerados, a Reforma Trabalhista também afetou os trabalhadores formais a partir da instituição da possibilidade de acordo individual direto entre empregador e empregado de forma a sobrepor acordos coletivos. Apesar dos acordos individuais estarem limitados a assuntos específicos como compensação de jornada de trabalho dentro do mês, horas extras e demissão em comum acordo, essas medidas enfraquecem os sindicatos de trabalhadores e, consequentemente, reduzem o poder de barganha dos trabalhadores via acordo coletivo.

Desafios do Governo Lula III no mercado de trabalho

A redução da informalidade e o aumento da elevação da cobertura da seguridade social são os grandes desafios para o Governo Lula III em relação ao mercado de trabalho. O discurso de posse de Luiz Marinho, atual Ministro do Trabalho e Emprego, vai ao encontro dessas demandas. Apesar do próprio Luiz Marinho afirmar que o Governo não irá trabalhar pela revogação da Reforma Trabalhista, ele apontou como prioridade a regulação dos trabalhadores por aplicativo, o que na prática significa criar uma legislação com mecanismos para que esses trabalhadores possuam cobertura de seguridade social em casos de doença ou de impossibilidade de prestação dos serviços.

Todavia, ressalta-se que pontos da reforma trabalhista que facilitam a contratação de trabalhadores informais devem ser revistos para desincentivar esse tipo de contratação. Mesmo em um cenário de crescimento econômico, no qual o rendimento médio dos trabalhadores informais esteja passando por uma elevação, é importante que a cobertura de seguridade social desses empregados seja mais abrangente, visto que eles seriam os mais afetados em situações de crises econômicas.

Para além das medidas diretas em relação à legislação trabalhista, é importante adotar medidas que induzam o mercado de trabalho de forma direta e contribuam para que o Brasil retorne à trajetória de desenvolvimento econômico e social. Nesse sentido, a criação de uma regra permanente de valorização do salário mínimo e a retomada de investimentos em infraestrutura se tornam imprescindíveis para o crescimento econômico sustentável e o aquecimento do mercado de trabalho formal.

Além disso, é importante avançar no debate sobre mecanismos de ajuste automático no mercado de trabalho em caso de crises. Nesse sentido, a implementação de um Programa Garantidor de Emprego que vise eliminar o desemprego involuntário cumpriria essa função, visto que haveria um mecanismo para evitar elevações abruptas do desemprego, além de diminuir os efeitos negativos de uma queda na demanda.

Por fim, é possível esperar dias melhores para os trabalhadores brasileiros a partir de políticas públicas que visem aumentar a proteção social e a adoção de políticas de valorização do salário mínimo. Todavia, a reformulação da legislação trabalhista a fim de reduzir a informalidade, assim como políticas econômicas que coloquem o pleno emprego como objetivo central são essenciais para fomentar o mercado de trabalho no Brasil.

Vinicius Brandão é Doutor em Economia pelo PPGE-UFF e pesquisador do FINDE-UFF.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *