Desde que perdeu o emprego numa montadora de veículos, em março do ano passado, Richard voltou a viver de “bicos”. Aos 40 anos, o ex-metalúrgico pinta paredes e faz pequenos serviços de manutenção e de construção civil para pagar as contas.
“Minha maior preocupação é a prestação da casa, falta muito ainda para quitar”, diz sobre o imóvel adquirido num programa de habitação popular, onde mora com a esposa, dois filhos e um neto, de três anos.
Richard está entre os cerca de 12 milhões de brasileiros atualmente desempregados, o que representa um aumento de 37% em relação ao início de 2016, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A legião de trabalhadores informais está de volta. Trabalhos sem renda fixa viraram rotina para muitos desempregados. Na última década, grande parte deles estava ocupada em postos com carteira assinada, até que uma onda de demissões começou em 2015.
“Isso significa que todos os ganhos que tivemos na década passada em renda e emprego estão sendo perdidos”, afirma Giovanni Pinto Alves, pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
A partir de 2007, o País registrou um aumento contínuo do emprego com carteira assinada. Em 2014, o desemprego terminou o ano em 4,8% – a menor média nacional de toda a série histórica medida pelo IBGE. A tendência se inverteu a partir de 2015.
Para este ano, o cenário é pessimista. “Não vejo perspectiva de que isso [índice de emprego formal] possa ser retomado em 2017 ou nos próximos anos. É o pior cenário desde a década de 1990”, avalia Alves.
Dança dos números
Nas estimativas do pesquisador, mais da metade de todos os brasileiros em atividade trabalham atualmente sem carteira assinada. Dados do Ipea referentes ao último trimestre de 2016 apontam que 45% da força de trabalho ativa, estimada em 90 milhões, está na informalidade – quase o equivalente à população da Argentina.
“Esse comportamento do mercado de trabalho tem muito a ver com comportamento macroeconômico”, explica Mauricio Cortez Reis, pesquisador do Ipea. “A taxa de informalidade caiu muito nos anos 2000, a partir de 2013 a queda foi interrompida, aumentou um pouco em 2014 e manteve praticamente o mesmo índice em 2015”, complementa.
Definir o que é trabalho informal, por si só, já é um desafio. Para os órgãos oficiais, são trabalhadores sem carteira assinada, ou que atuam por conta própria e não contribuem para a Previdência Social, ou ainda aqueles que trabalham sem remuneração.
Mais mulheres que homens vivem nessa situação, 44% e 37%, respectivamente. A informalidade também é mais comum nos setores de serviços, comércio, construção civil e agricultura, e entre aqueles com menor escolaridade.
Ana Carolina, de 19 anos, experimentou novas ocupações desde que perdeu o emprego no ano passado. Mãe de Gustavo, de quatro anos, ela não concluiu o ensino médio e era recepcionista de um restaurante em seu último trabalho com carteira assinada.
“Há dois meses eu trabalho como captadora de recursos para uma organização. Fico na rua o dia todo abordando pessoas, não tenho salário fixo”, conta.
Ela enfrenta uma hora e meia de ônibus diariamente para chegar ao ponto onde trabalha, na avenida Paulista, em São Paulo. A empresa terceirizada que a contratou não cobre os custos com transporte ou alimentação.
“Se eu não conseguir captar recursos para a ONG entre as pessoas que eu abordo, eu não ganho nada”, explica.
Para além da carteira de trabalho
Paulo Fontes, historiador que estuda o mercado de trabalho, lembra que a informalidade vai muito além da ausência da carteira assinada.
“Em geral, a informalidade esteve tradicionalmente associada ao que hoje chamamos de precariedade do trabalho”, comenta o pesquisador da Fundação Getulio Vargas. “Quando pensamos em trabalho informal, pensamos numa certa insegurança, em ausência de direitos.”
Para Fontes, o atual aumento do desemprego relembra a crise da década de 1990. “Foi quando o país entrou numa recessão profunda, tomou medidas que aprofundaram a crise com a ideia do ajuste fiscal, doa a quem doer e, em geral, dói nos mais pobres, nos mais fragilizados no mercado de trabalho. É bem parecido com o que está acontecendo hoje”, conclui.
O cenário complicado também impacta profissionais com boa formação. O engenheiro de produção Guilherme, de 32 anos, não desistiu da pós-graduação após perder o cargo de chefia numa empresa do ramo de energia eólica, que demitiu mais de 400 funcionários.
Enquanto busca uma nova vaga, ele oferece a micro e pequenos empreendedores estratégias de negócios, critérios de satisfação dos clientes e planos de controle.
“Dentro da indústria o hoje é o plano anual, o amanhã significa dois, três ou até cinco anos. Para quem é acostumado a ver isso, olhar para os próximos meses e não saber se vai ter o dinheiro, ou se vai conseguir, muitas vezes assusta”, conta Guilherme. “Mas tenho aprendido a focar no agora, no hoje, reduzir as expectativas de planos longos, e fazer o melhor que puder”, diz.
Fonte: Carta Capital, com Deutsche Welle
Texto: Nádia Pontes
Data original da publicação: 22/02/2017