Desde 2016, houve cortes drásticos em Ciência & Tecnologia, universidades e pesquisas de ponta. Conglomerados internacionais dominam setores estratégicos. Petrobras está sendo desmontada. Desemprego brutal é só a ponta desse iceberg.
José Álvaro de Lima Cardoso
Fonte: Outras Palavras
Data original da publicação: 24/06/2020
1. Ao mesmo tempo em que o Brasil cruza a sua “tempestade perfeita” (com a maior crise política e econômica, e o pior governo da sua história), vai também sofrendo os impactos da chamada 4ª Revolução Industrial, em curso. Os efeitos redutores de emprego, observados em todas as revoluções industriais, se somam à destruição da proteção legal aos trabalhadores brasileiros, através de inúmeras medidas tomadas a partir do golpe de 2016. Nunca o trabalhador brasileiro sofreu tantos ataques, ao mesmo tempo;
2. A destruição dos direitos em escala industrial, em meio a uma revolução tecnológica, contribui certamente para acelerar o processo de aumento da desigualdade, verificado a partir de 2016 no Brasil. Desde quando, em 1960, o IBGE passou a coletar informações sobre o rendimento da população nos censos demográficos, nunca se havia observado um crescimento tão elevado em tão pouco tempo de todos os indicadores de desigualdade no país;
3. A pobreza no sistema capitalista tem suas funcionalidades. Uma delas é resignar aqueles que, mesmo ganhando pouco, pelo menos têm trabalho. Nesse sentido serve para amedrontar e “amansar” a classe trabalhadora;
4. Tornou-se banal na nossa sociedade a convivência entre o crescente desemprego de um lado, e, de outro lado, pessoas trabalhando muito acima da jornada de trabalho normal. As vezes em dois ou três empregos, com sete dias e 50 ou 60 horas semanais de trabalho. O trabalhador que, num processo de crise, fica alguns meses desempregado, sem o amparo de políticas públicas, e/ou do sindicato, tende a posteriormente se submeter às piores condições de trabalho e salários. Pouca coisa na vida é mais duro do que passar fome;
5. O processo de Revolução Industrial em curso não é neutro. Ele se presta também em aumentar o fosso entre países centrais e subdesenvolvidos. São os países centrais, que tem projeto, dinheiro e soberania, que irão tirar proveito do processo, ampliando as diferenças tecnológicas em relação aos países dependentes;
6. Esse é um jogo, portanto, cujos jogadores principais são os países dominantes e/ou imperialistas. Especialmente China e EUA, que travam grandes disputas, incluída a área tecnológica. Os valores envolvidos nessa brincadeira, inclusive, são para cachorro grande: ao nível global, os investimentos no processo equivalem a muito bilhões de dólares a cada ano;
7. O enfrentamento dos desafios da Indústria 4.0 pressupõe investimentos crescentes em ciência e tecnologia. O Brasil precisaria estar direcionando bilhões em pesquisa e inovação industrial. No entanto, o orçamento da ciência e tecnologia para esse ano (7,3 bilhões) é menor, em termos nominais (ou seja, sem correção monetária) do que o de 2014 (8,4 bilhões);
8. Os danos que os cortes do orçamento em ciência e tecnologia, a partir de 2016, causam para o Brasil, irão continuar impactando por muitos e muitos anos. Equipes de pesquisadores estão se desmontando e o país sofre, como no passado, a chamada “fuga de cérebros”, cientistas que, sem perspectivas no Brasil, vão trabalhar em outros países. Joga-se fora, assim, um investimento social de dinheiro e de tempo, às vezes de décadas;
9. O corte de orçamento em ciência e tecnologia desde 2016 afetou pesquisas da indústria de nanotecnologia e os estudos de genética, que vinham recebendo apoio das fundações estaduais de pesquisa, especialmente na área de commodities agrícolas, e desenvolvidos pela Embrapa (Empresa brasileira de pesquisa agropecuária). A Embrapa, empresa de excelência reconhecida no mundo todo, desde sua criação desenvolve, dentre outras coisas, um banco de amostras, de plantas, animais e microrganismos, absolutamente estratégico para o país. A empresa estava, inicialmente, na mira do governo Bolsonaro para ser privatizada. Aparentemente, desistiram momentaneamente da privatização, mas promovem uma “reestruturação” como demissão incentivada e outras medidas típicas de desmonte de empresas;
10. A política de destruição da ciência e tecnologia não está sendo cometida apenas por estupidez (se bem que esta esteja muito presente). Pode-se dizer que é um plano. É uma política deliberada, que está destruindo o que o Brasil construiu nessas áreas, sempre à duríssimas penas;
11. Uma das primeiras ações do golpe de Estado em 2016 foi a interrupção do programa de enriquecimento de urânio e de todas as demais etapas do ciclo do combustível nuclear. O Brasil estava desenvolvendo uma das mais bem-sucedidas experiências mundiais na viabilização, com tecnologia nacional, do desenvolvimento e instalação nuclear para submarinos, incluindo a fabricação, no Brasil, de todos os equipamentos e componentes. O país vinha também desenvolvendo o mais moderno programa de construção de centrais nucleares e armazenamento de rejeitos. Desmontaram todos esses projetos, e de caso pensado;
12. Desde 2016 estão cortando criminosamente o orçamento das universidades públicas. O Brasil precisaria formar profissionais, na Engenharia de Computação, nas Ciências da Computação, e outras áreas, profissionais que o país forma em número insuficiente. Nesse processo de formação as universidades têm papel fundamental, por isso mesmo estão sendo enfraquecidas. Outra função essencial das universidades é a pesquisa, que estão matando à míngua. O país precisa muito do desenvolvimento da ciência e da pesquisa acadêmica, agora mais do que nunca;
13. Em função da destruição da indústria nacional, que já vem em um processo de encolhimento há décadas, (atualmente representa cerca de 10% do PIB), o grande capital internacional já está se apropriando desse vazio em nosso mercado interno. Grandes empresas internacionais dominam setores estratégicos de bens industrializados com tecnologia de ponta, com grandes lucros. É só pegar as quinhentas maiores empresas atualmente no Brasil e verificar o grau de internacionalização da economia brasileira;
14. O grosso da indústria não tem os centros decisórios e tecnológicos localizados no Brasil. O país é importador de tecnologias de fora. Quando ocorre uma mudança tecnológica, como agora, o Brasil fica novamente para trás. Foi assim com a eletrônica, pois o país não conseguiu entrar no desenvolvimento de produtos nessa área. O fato de não haver centros de desenvolvimento de tecnologias no Brasil implica que o grau de inovação é mais baixo e, se o grau de inovação é mais baixo, a produtividade é menor, a dinâmica da indústria é menor e assim por diante;
15. Esse é o agravante do golpe dentro do golpe, que é a entrega do pré-sal. Estão desmontando a Petrobrás e entregando o pré-sal a preço de banana. A Petrobrás, além de tudo que ainda significa para a economia, é um centro irradiador de inovação tecnológica. Por isso ficou no olho do furacão do golpe;
16. A década que se encerra em 2020, será perdida para a indústria. Nos últimos nove anos (2011 a 2019) a perda acumulada é de 15% na indústria. Este será o pior ano de crescimento da economia e da indústria brasileiras. Após uns cinquenta anos o Brasil está saindo do ranking dos 10 maiores países industriais do mundo;
17. No Brasil, o problema maior não é a ausência de um projeto nacional de desenvolvimento por parte dos golpistas. É muito mais grave. É que o Estado nacional foi tomado literalmente de assalto. Estão desarticulando toda a estrutura produtiva que o Brasil construiu ao longo de décadas, desde Getúlio, fundamental para garantir uma indústria de base nacional, e enfrentar a 4ª Revolução Industrial;
18. Os países que estão se saindo melhor no atual processo de revolução industrial são os que têm projeto nacional, coordenado pelo Estado. Alemanha, China, Coreia do Sul, EUA e outros são os que já estão tirando partido desse processo de avanço das forças produtivas e certamente aproveitarão para avançar em todos os aspectos. O governo Bolsonaro é inimigo do Brasil, do povo brasileiro e da tecnologia. Com esse governo não tem como imaginarmos que o Brasil possa enfrentar adequadamente os desafios da atual revolução industrial.
José Álvaro de Lima Cardoso é economista.