Há resistência por parte dos empregadores em reconhecerem a contaminação por covid-19 no ambiente de trabalho.
Silvia Letícia Zinelli, Lívia Graciele Corrêa e Rosângela da Silva Almeida
Fonte: Brasil de Fato
Data original da publicação: 09/12/2021
Vivenciávamos no Brasil, de fevereiro a agosto de 2020, um contexto de crise sanitária, política, econômica e ética, que demarcava o número de 3.908.272 casos confirmados e 121.381 óbitos por covid-19. A luta e o sofrimento dos/as trabalhadores/as pelo reconhecimento do Sars-Cov-2 como doença do trabalho era intensa, de certa forma solitária, perdida em um contexto governamental que priorizava o capital ao invés da vida dos trabalhadores, escolhendo quem poderia fazer o isolamento social e quem deveria, sem opção de se negar, estar à frente de serviços ditos de emergência e que não podiam parar.
Entidades representativas da classe trabalhadora, movimentos populares, pesquisadores, mídias não hegemônicas denunciavam a exposição de inúmeros trabalhadores e de suas famílias. Foi quando no mês de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a contaminação por covid-19 em ambiente de trabalho configurava doença ocupacional, podendo assim ser considerada acidente de trabalho. A partir de então, o Ministério da Saúde a incluiu na lista de doenças relacionadas ao trabalho, de acordo com a Portaria nº 2.309, de 28 de agosto de 2020 (publicada no DOU em 10 de setembro de 2020). No entanto, em 2 de setembro foi publicada no Diário da União a Portaria n. 2.345, que torna sem efeito a Portaria n. 2.309. O Ministério da Saúde revoga a Portaria que reconheceu a covid-19 como doença ocupacional.
Diante desse contexto, decidimos iniciar um levantamento de dados no Sistema Único de Informações de Benefícios do INSS, que teve como objetivo investigar se houve aumento nos requerimentos de benefícios por incapacidade no período da pandemia por covid-19. O estudo abarcou quatro municípios do estado do Rio Grande do Sul, Canoas, Esteio, Novo Hamburgo e São Leopoldo. Foram selecionados os meses de março a agosto de 2019 e de 2020, para a comparação dos dados.
Ficamos estarrecidas com os dados, pois verificou-se que houve um aumento extremo de requerimentos de benefícios por incapacidade naquele período da pandemia por covid-19, quando comparados os meses de junho e julho de 2019. Em Esteio, houve um aumento de 102,7% de requerimentos no mês de junho e 143,9% no mês de julho. Em São Leopoldo este acréscimo foi de 58,5% em junho e de 86,1% em julho. Em Novo Hamburgo (RS) as solicitações aumentaram em junho 76,2% e em julho 101,8%. E, em Canoas (RS) o aumento foi de 61,1% no mês de junho e 95,9% no mês de julho em relação ao ano de 2019.
Outro problema que identificamos, no primeiro levantamento de dados, de março a agosto de 2020, e que apareceu com evidência no segundo levantamento de dados, de abril a dezembro de 2020, é a carência de padronização quanto ao CID 10 a ser informado ao sistema de benefícios, pois os/as trabalhadores/as que encaminharam benefício por incapacidade por síndrome respiratória aguda e passaram por perícia médica de março de 2020 a até o atual momento foram e são enquadrados em dois grupos de doenças respiratórias, o CID B34.2 – Infecção por coronavírus de localização não especificada – e o CID B 34.9 – Infecção viral não especificada. Ambas não fazem referência direta ao Sars-cov-2, configurando a subnotificação por adoecimento no trabalho por este vírus.
Há resistência por parte dos empregadores em reconhecerem a contaminação de seus trabalhadores por covid-19 no ambiente de trabalho e, consequentemente, negar a emissão de CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho). Entretanto, a Justiça do Trabalho vem se posicionando no sentido de reconhecer o nexo causal e o consequente enquadramento da covid-19 como doença ocupacional nos casos em que a atividade desempenhada pelo trabalhador é caracterizado como de maior exposição ao risco de contágio por covid-19, como é o caso de determinados trabalhadores da área da Saúde. Mesmo com o processo, tardio, de vacinação, ainda hoje, ocorrem contaminações e mortes, e ainda temos o desafio de que as vacinas aplicadas sejam, também, eficientes às mutações distintas do Sars-Cov-2, que estão sendo chamadas de variantes alfa, beta, gama, delta e a mais nova ômicron.
Não podemos parar a luta pelo reconhecimento do Sars-Cov-2 como doença relacionado ao trabalho, então, estamos atualizando os dados e alargando o universo do estudo para o município de Porto Alegre (RS). Vislumbramos que é urgente a revisão, atualização e ampliação na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho, uma vez que a proteção ao trabalho e à Seguridade Social previstas na Constituição federal brasileira de 1988 e nos manuais legais devem ser respeitadas. Essas alterações também são garantias básicas e de indenização dos/as trabalhadores/as de todas as atividades econômicas que são expostos ao risco do contágio por covid-19.
E a luta continua… e esta publicação é uma forma de resistência!
Rosângela da Silva Almeida é Assistente Social. Professora da Universidade do Vale do Rio do Sinos (UNISINOS). Membro da Rede Brasileira de Educação de Direitos humanos, Regional do RS (ReBEDH).
Silvia Letícia Zinelli é Bacharel em Direito. Técnica do Seguro Social pelo Instituto Nacional do Seguro Social. Pós-graduanda em Direitos humanos e Políticas Públicas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).
Lívia Graciele Corrêa é Advogada. Especialista em Direitos humanos e Políticas Públicas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).