A mudança do sistema de repartição para o de capitalização é, dentre todos os caminhos de mudança da previdência, o mais tortuoso e inseguro
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Fonte: GGN
Data original da publicação: 17/07/2020
O ministro Paulo Guedes tem uma obsessão: acabar com o que restou do modelo solidário de previdência social.
Antes que se possa avaliar os reais efeitos da pandemia da COVID-19 sobre o aprofundamento da crise econômica e social do país, o ministro volta à carga com a proposta de capitalização da Previdência. Os trabalhadores perderem seus empregos e outros direitos sociais. Mas para o ministro são eles que tem de poupar, colocar seu dinheiro num banco para algum dia ter uma aposentadoria.
O ministro também trabalha pela criação de um imposto sobre transações digitais nos moldes da extinta CPMF, e quer ampliar a contratação por hora trabalhada em vez de salário mensal. Anuncia ainda a transformação do INSS numa agência prestadora de serviços públicos.
O Ministro é incapaz de conceber qualquer medida para melhorar a vida dos trabalhadores e dos mais pobres que precisam da presença do Estado. A ideia é sempre a mesma: tirar direitos da maioria para deixar intocáveis os privilégios de uma minoria de 0,1% da população, os bilionários que detém rendas e patrimônios que só fazem crescer, mesmo em tempos de pandemia.
No momento em que começa a faltar dinheiro para o Estado continuar prestando serviços essenciais para a população, Guedes teria uma boa oportunidade para aderir à proposta de taxar os super-ricos. Cobrando mais dos bancos e dos bilionários (sem que isso os deixe mais pobres), Guedes teria mais chance do país não quebrar do que ficar insistindo em tirar sangue de quem já teve arrancado o couro.
A mudança do sistema de repartição para o de capitalização é, dentre todos os caminhos de mudança da previdência, o mais tortuoso e inseguro. O Chile, país que conviveu quase 20 anos sob a guarda de um regime ditatorial, é o maior caso de fracasso dessa mudança de regime.
Em 1981, o sistema chileno passou do modelo de repartição para o sistema de capitalização. No mesmo contexto houve mudanças nos mercados de trabalho e de capitais, incentivadas pelas administradoras de fundos de pensão. Os fundos direcionaram os recursos para o mercado de capitais. Num primeiro momento houve uma redução nas taxas de contribuição, dando aos trabalhadores a percepção de um ganho, pois lhes permitiu um maior consumo. Mas esse ganho se revelaria ilusório na hora do trabalhador se aposentar.
Desde o início da privatização, devido ao crescente aumento dos gastos com aposentadorias, a reforma no Chile, além de não resolver o problema fiscal, desencadeou um agravante, só consumado três décadas depois: a falta de recursos para pagamento de aposentadorias. A capitalização vem devolvendo aos aposentados chilenos uma média equivalente a cerca de metade do que hoje é pago no Brasil para a grande maioria dos beneficiários.
Se o sistema de capitalização fosse melhor que o de repartição, se fosse bom para a sociedade, não estaríamos presenciando a “re-reforma” de diversos países. Segundo a OIT², de 1981 a 2014, trinta países privatizaram total ou parcialmente suas pensões públicas obrigatórias. Até 2018, dezoito países reverteram suas privatizações, também de forma parcial ou total, o que demonstra, para a OIT, que o modelo de capitalização é falho.
O fortalecimento do seguro social público, associado a pensões solidárias não contributivas, conforme recomendado pela própria OIT, melhorou a sustentabilidade financeira dos sistemas previdenciários, tornando os direitos previdenciários possíveis e previsíveis.
Por isso, ao se analisar modelos de reforma, como o do Chile e de outros países, conclui-se que foram os grupos econômicos, que tinham interesse em lucrar com as mudanças, que tiveram grande influência na formulação dos projetos de reforma.
Durante o período ditatorial, os chilenos não tiveram oportunidade de debater propostas. O autoritarismo e a repressão facilitaram o processo de instalação das administradoras de fundos de pensão no país. Hoje o povo está indo às ruas pedindo o retorno do modelo de repartição solidário, com financiamento tripartite dos trabalhadores, empresários e Estado.
Se Paulo Guedes conseguir impor suas ideias obsessivas sobre a capitalização, o futuro do Brasil poderá ser o que o Chile vive hoje. Paulo Guedes quer jogar uma pá de cal na previdência social pública, universal e solidária.
A privatização do sistema de previdência, a exemplo do que ocorreu no Chile, resulta no aumento da pobreza e da desproteção social. Pelo que se vê das experiências internacionais, o sistema de capitalização não é suficiente para enfrentar as demandas da população, especialmente diante de crises econômicas, sendo relevante por isso a presença compensatória do Estado para garantir os direitos básicos da população.
Somente o Estado é capaz de garantir segurança de renda na velhice por meio do fortalecimento dos sistemas públicos de previdência.
As perguntas que ficam para o senhor ministro, com sua insistência de impor o modelo de capitalização: vamos copiar os modelos que deram errado? Queremos beneficiar a quem?