Greve dos serviços públicos coloca em xeque reforma de leis trabalhistas no Chile

A greve do Serviço de Registro Civil do Chile completou 40 dias na sexta-feira (06/11), e ainda não se vê uma resolução ao conflito. Por trás desta paralisação está a batalha política do governo da presidente do país, Michelle Bachelet, para impulsar sua quarta e mais polêmica reforma: a das leis trabalhistas.

Uma das razões que torna a greve do Registro Civil polêmica é o fato de que ela não é a primeira grande greve do setor público neste ano. Entre maio e junho, os professores das escolas públicas concessionadas mantiveram uma greve por pouco mais de trinta dias, em que exigiam um aumento do piso salarial e criticavam o projeto de mudanças que a reforma educacional pretende impor ao magistério. Poucas semanas depois, foi a vez dos funcionários da saúde, que se mantiveram paralisados por 21 dias.

O fato é que as três greves têm constrangido as iniciativas do governo para tentar avançar com a reforma das leis do trabalho – outro projeto emblemático, já que o código trabalhista chileno também foi estabelecido durante a ditadura de Augusto Pinochet, e é considerado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho, ligada à ONU) como um dos mais antissindicais do mundo.

Por conta desses fatos, as duas ideias que inspiram o projeto do governo é o incentivo à sindicalização e ao fortalecimento das instâncias de negociação coletiva. Porém, cada fracasso ou dificuldade em negociar durante conflitos com funcionários públicos este ano levou o governo a ceder no debate legislativo da reforma.

Em junho, quando o projeto estava sendo votado na Câmara, na mesma época em que o país enfrentava greves de professores e funcionários da saúde pública, o governo teve grandes dificuldades para aprovar principalmente os pontos referentes à negociação coletiva. Finalmente, o projeto foi aprovado com apenas dois votos a mais que o quórum mínimo necessário.

Greve versus reforma

A greve do Registro Civil acontece em meio a uma batalha que Bachelet enfrenta no Senado. Esta semana tem sido a mais dura do conflito, já que o governo teve duas reuniões com os líderes da greve, e terminou sem uma reposta positiva à terceira oferta de aumento realizada. Segundo Nelly Díaz, principal porta-voz dos grevistas, “o governo nunca fez uma proposta séria, não há sequer uma tentativa de se aproximar do que nós pedimos em termos salariais e de garantias, em vez disso, está tentando nos amedrontar”.

or sua vez, o governo acusa os líderes da greve de intransigência. Para alguns legisladores da Nova Maioria (coalizão governista), o que por trás dessa postura é a intenção de desacreditar os princípios da reforma trabalhista.

O deputado socialista Fidel Espinosa é um dos que faz essa acusação. Para ele, existe uma estranha simetria entre o discurso de Nelly Díaz e os líderes empresariais chilenos: “toda vez que ela fala, dizendo que o governo não sabe negociar, logo em seguida aparece um representante da CPC (Confederação de Produtores e Comerciantes) ou da Sofofa (Sociedade de Fomento Fabril) para dizer que “o conflito mostra o que o sindicalismo que o governo pretende fortalecer vai causar ao país”.

Pressão empresarial

Efetivamente, os líderes empresariais chilenos estão encabeçando a resistência à reforma. O empresário Andrés Santa Cruz, um porta-vozes da CPC, citou os efeitos negativos da greve para criticar o atuar do governo no caso. “Milhares de bebês não foram registrados no país, atestados de óbito deixaram de ser emitidos e as pessoas não podem se despedir de seus parentes ou realizar trâmites necessários, o governo deixou o país porque se recusa a usar a força, porque não quer se contradizer com um projeto de reforma que já percebeu que é um grande problema”, afirma.

Segundo Santa Cruz, “a reforma visa criar uma república sindicalista no Chile, que terminará jogando trabalhadores contra empresários, e quem vai se prejudicar com isso são os trabalhadores, porque isso vai gerar desemprego”.

Já o deputado Espinoza acredita que essas declarações se relacionam com a postura adotada na greve do Registro Civil. “É uma greve que não busca chegar a um acordo salarial, mas sim a forçar um litígio que reforce o discurso de que as negociações coletivas são ruins para a economia do país”.

O parlamentar também alude a uma ligação política entre Nelly Díaz e o ex-presidente conservador Sebastián Piñera (2010-2014), um dos líderes intelectuais da direita chilena. Porém, Espinoza diz esperar “que o governo não vacile nas convicções que sustentam a reforma, porque a maior sindicalização e as negociações coletivas são instrumentos precisam ser restaurados no Chile, porque vão trazer benefícios aos trabalhadores que puderem utilizá-los”.

Lei dos tempos de Pinochet

A atual legislação trabalhista chilena, imposta em 1980 – durante a ditadura de Pinochet –, foi criada pelo economista José Piñera, um dos chamados Chicago Boys (economistas chilenos formados pela Universidade de Chicago, sob a tutela de Milton Friedman, considerado o grande guru do neoliberalismo) e irmão do ex-presidente Sebastián Piñera.

Entre outras coisas, a lei permite a formação de sindicatos apenas dentro de mesma empresa. Por exemplo, não pode haver um sindicato dos bancários, mas sim um sindicato dos trabalhadores de cada diferente banco.

Além disso, a atual legislação permite a multiplicidade das figuras jurídicas, o que reduz ainda mais os alcances dos sindicatos. Ou seja, na prática, um banco pode criar uma figura jurídica diferente para cada agência, e os sindicatos só podem ser representantes dos trabalhadores de cada agência, não podendo haver sindicatos que representem todas as agências do mesmo banco.

A proposta de fortalecimento dos sindicatos incluída na reforma trabalhista de Bachelet pretende mudar somente esse fator: acabar com a multiplicidade jurídica e permitir a criação de sindicatos com maior representatividade.

Problemas para os estrangeiros

Além dos constrangimentos gerados para o trâmite da reforma trabalhista, e dos problemas para registrar os nascimentos e óbitos, como os citados pelo líder dos empresários chilenos, a greve do registro civil tem causado grandes transtornos para os estrangeiros que vivem no Chile.

Tanto é assim que algumas das comunidades de imigrantes mais representativas de Santiago (entre elas, as de peruanos, colombianos e haitianos), solicitaram uma reunião com o governo esta semana e conseguiram que o Ministério de Relações Exteriores determinasse a eliminação temporária da necessidade de renovação de vistos e outros documentos para a permanência no país, o que permanecerá vigente enquanto durar o conflito.

O advogado Moisés Acuña, representante da comunidade peruana em Santiago, valorizou o gesto, mas acha que isso ainda é insuficiente. “Isso ajuda muito os recém-chegados, mas os que estão há mais tempo precisam retirar documentos para poder trabalhar, que só estarão disponíveis quando esse conflito terminar”.

O Serviço de Registro Civil tem funcionado parcialmente nas últimas semanas, no que os grevistas denominam como “turnos éticos”, para que o sistema não fique totalmente paralisado. Contundo, os imigrantes afirmam que esse serviço é improvisado e discrimina os estrangeiros, dando total prioridade aos chilenos.

Fonte: Opera Mundi
Texto: Vitor Farinelli
Data original da publicação: 07/11/2015

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