A classe trabalhadora bangladeshi tem mostrado a sua determinação e vontade de lutar e a aprender duras lições.
Pâmela Peres Cabreira
Fonte: Esquerda
Data original da publicação: 02/12/2023
No dia 30 de outubro uma greve de trabalhadoras no setor dos têxteis estourou no Bangladesh, epicentro da exploração capitalista sobre uma força de trabalho barata e maioritariamente feminina. A principal exigência consiste no pagamento de um salário mínimo mensal de 23.000 takas (o equivalente a 209 dólares). Atualmente o salário está fixado em míseros 75 dólares.
Os salários não são suficientes para a manutenção mínima de vida da classe trabalhadora no país, que viu uma deterioração com o aumento da inflação, tornando o acesso a bens essenciais inacessível para milhares de operárias e operários. O abandono do sistema de taxa de câmbio fixa, em prática até ao início deste ano, foi revogado após a obrigatoriedade imposta pelo FMI como condições para empréstimos, aumentando a taxa mensal de inflação até aos 10%.
Os capitalistas enchem os bolsos com a miséria das operárias bangladeshis
A força de trabalho nos têxteis alcança os 4,4 milhões de trabalhadoras em todo o país e é o segundo em exportação fast fashion no mundo, ficando atrás apenas da China. O setor é responsável por 85% das receitas de exportação do Bangladesh, tendo enquanto destinatários os Estados Unidos, Reino Unido, Europa e Canadá, sendo a H&M o principal importador, além de marcas como Levis, Zara, C&A, Primark entre outras.
Espalhadas em cerca de 4.000 fábricas de pequeno e médio porte, a principal força de trabalho é feminina. Segundo a líder sindical do setor de vestuários, Nazma Akter [1], “cerca de 60% são mulheres, migrantes rurais”, que trabalham em péssimas condições, longas horas e submetidas a “assédio, abusos, violência sexual”. Além disso, as condições de trabalho são degradantes, vide a lembrança do colapso estrutural identificado pelo patronato do Rana Plaza, em 2013, que matou mais de mil trabalhadoras/es. A situação torna-se insustentável.
Unidas/os, milhares de trabalhadoras/es saíram às ruas, formaram piquetes e bloqueios de estradas. Até ao momento, três trabalhadores foram assassinados pela polícia, e uma operária de 26 anos, Anjuara Khatun, foi assassinada com um tiro na cabeça. Centenas ficaram gravemente feridos/as numa onda de coação em retiradas forçadas de barricadas pelas forças policiais e espancamentos nas entradas das fábricas, dirigidas por proprietários e a polícia, como o da operária Masuma Akhtar, que teve um braço partido e diversos ferimentos pelo corpo. Além disso, segundo o The Guardian, a polícia concentrou os espancamentos nas mãos e braços, uma covarde tentativa de suprimir as únicas ferramentas de trabalho destas operárias.
The Guardian(link is external)(abrir em uma nova aba)
O centro industrial de Gazipur, em Dhaka, tem sido o principal eixo de organização das/os trabalhadoras/es, tendo até ao momento 300 fábricas encerradas pela greve. No dia 8 de novembro, o governo conservador da primeira-ministra, Sheikh Hasina Wazed propôs um salário de 112 dólares mensais, rejeitado pelos sindicatos que se mantiveram fiéis à reivindicação mínima de 23.000 takas (209 dólares), aumentando os protestos nas ruas, tomadas pela classe trabalhadora. Segundo o Bangladesh Institute of Labour Studies [2], o salário mínimo de subsistência no país deveria ser fixado em 302 dólares, prova de que a reivindicação está muito aquém do necessário para uma vida minimamente sustentável.
A classe trabalhadora só pode contar com as suas forças!
Apesar das medidas repressivas, a greve continua e intensifica-se. Segundo a operária Naima Islam, “eles estão a tentar silenciar-nos, mas não vamos recuar. Eles podem ameaçar-nos e espancar-nos, mas o que não compreendem é que não temos nada a perder. Se aceitarmos a sua ridícula proposta salarial, morreremos de fome de qualquer maneira”. Até ao dia 11 de novembro, mais de 70 trabalhadoras foram presas e 18 mil estão sendo processadas(link is external).
Provendo roupas a baixo custo para os fornecedores, que buscam apenas a acumulação de super lucros às custas dos trabalhadores e trabalhadoras dos países neocoloniais, os capitalistas ocidentais e do Bangladesh tomam essas medidas como norma.
A greve já começou a surtir efeito ao pressionar o governo a novas negociações, o que mostra a força destas operárias e a eficácia da greve como método de luta. Para manter a pressão é necessário criar comités de greve que tenham como tarefas principais a ampliação da greve e a auto-defesa das grevistas.
A classe trabalhadora bangladeshi está a mostrar a sua determinação e vontade de lutar e a aprender duras lições. O sistema capitalista nada tem para lhes oferecer a não ser repressão e miséria. É preciso quebrar as amarras com este sistema para garantir uma vida e trabalho dignos para todos.
Notas
1- Entrevista publicada no dia 7 de novembro, Red Media.
2- Yesmin, Nazma (dir.). Mind the gap. A study on garment workers in Bangladesh. Bangladesh Institute of Labours Studies (BILS), January, 2023. Disponível aqui.
Pâmela Peres Cabreira é doutoranda em História e investigadora do Instituto de História Contemporânea.