Uma sociedade democrática deve efetivamente se preocupar com o destino dos indivíduos mais fragilizados.
Rodrigo Medeiros
Fonte: Carta Maior
Data original da publicação: 21/01/2016
A mais recente divulgação internacional de números que demonstram uma escandalosa escala de concentração de renda e riqueza nas mãos de poucas pessoas merece maiores considerações entre nós. Desde a grande repercussão global da publicação do trabalho de Thomas Piketty, em 2013, o debate sobre as desigualdades socioeconômicas disfuncionais entrou em outro patamar. Paul Krugman, por sua vez, sugeriu bem antes que “qualquer ideologia cuja principal prescrição consista em reduzir os tributos incidentes para os ricos provavelmente desfrutará de sobrevida prolongada” (em “Globalização e globobagens”. Campus, 1999). Vejamos então alguns poucos aspectos gerais dessa discussão.
A fórmula que busca resumir as instigantes reflexões de Piketty é a seguinte: r > g (r é o retorno médio do capital; g é o crescimento da economia). Quando essa diferença é grande por muito tempo, as desigualdades podem ser consideradas como disfuncionais do ponto de vista social. Como os mais ricos têm uma maior propensão a poupar, já se mostrou algo muito comum “a retirada” de recursos financeiros da economia produtiva para o exercício da preferência pela liquidez por uma parcela minoritária da sociedade. Um excesso de poupança (“savings glut”) da parte de poucos indivíduos, quando a concentração da renda é bastante elevada, pode jogar a economia em uma recessão prolongada. Até pesquisadores do Fundo Monetário Internacional, Jonathan D. Ostry e Andrew Berg (em “iMFdirect”, 26/02/2014), por exemplo, apontaram para o fato de que desigualdades excessivas podem minar o crescimento em um país.
Uma matéria sobre a grave crise na Eurolândia publicada no “Valor Econômico” (22/12/2015), assinada por James Politi, merece consideração. Conforme consta no texto, “o premiê da Itália, Matteo Renzi, advertiu que as políticas de austeridade da zona do euro impulsionadas pela Alemanha estão alimentando o populismo. Segundo ele, isso levará à paralisia política e a reveses eleitorais em toda a União Europeia (UE) para os governos atualmente no poder”. Renzi afirmou ainda que “a Europa tem de atender a todos os 28 países, e não a apenas um”. Para o italiano, é possível derrotar a perspectiva do populismo com crescimento e empregos, ou seja, apostando em uma nova Europa social.
Antes de se pensar em traçar o rápido paralelo com as disputas políticas no Brasil, é importante avaliar a lógica da ascensão global da direita conservadora nos últimos 35 anos. Em “Vendendo prosperidade” (Campus, 1997), Krugman propõe algumas reflexões sobre o ciclo conservador. Segundo Krugman, “os supply-siders ficam furiosos com o que consideram como a afirmação simplista de que a Reaganomania significou cortes de impostos para os ricos, aumentos de impostos para a classe média e castigo para os pobres”. Ainda de acordo com Krugman, o “The Wall Street Journal” passou grande parte da década de 1980 em campanha pelo retorno do padrão ouro. O projeto hegemônico do euro criticado atualmente pelo primeiro-ministro italiano reproduz a rigidez do padrão ouro, chamado de “relíquia bárbara” por Keynes (1883-1946). Para ele, em 1923, o padrão ouro sacrificava o pleno emprego e a estabilidade de preços em prol da estabilidade da taxa de câmbio.
Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes).