por Laura Glüer
O estado de calamidade pública no RS está preocupando e mobilizando trabalhadores, sindicatos e entidades ligadas ao direito do trabalho. Além de todas as perdas materiais e afetivas, é fundamental garantir a manutenção dos empregos e não penalizar os trabalhadores por conta dos impactos das inundações no território gaúcho.
Mesmo com todas as medidas emergenciais já anunciadas pelos governos federal e estadual – como liberação de recursos do FGTS, extensão do auxílio-desemprego e auxílio emergencial – é urgente encontrar caminhos para que todas essas famílias tenham como obter seu sustento, sem ficar na dependência exclusiva da solidariedade. Também é urgente garantir que trabalhadores não sejam assediados e prejudicados em seus direitos pelos empregadores.
Com as águas começando a baixar, inicia uma segunda e importante etapa na luta pela dignidade de todas essas pessoas. A mobilização já começou e está envolvendo trabalhadores, sindicatos e entidades ligadas ao direito do trabalho.
Um grupo de 15 entidades lançou uma nota (leia aqui) cobrando medidas mais enérgicas do governo federal para assegurar empregos e salários de trabalhadores ameaçados de demissão. A nota é assinada pelas seguintes entidades: Grupo de Assessoria Trabalhista da UFRGS; Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da UFRGS; Central Única dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul (CUT-RS); Central dos Trabalhadores Brasileiros do Rio Grande do Sul (CTB-RS); Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT); Associação Gaúcha dos Advogados Trabalhistas (AGETRA); Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP); THEMIS – Gênero, Justiça e Direitos Humanos; Diretório Central dos Estudantes da UFRGS; Centro Acadêmico André da Rocha (Faculdade de Direito – UFRGS); Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital da UFRGS; Instituto Trabalho e Transformação Social; Associação Nacional de Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania; Associação Brasileira de Juristas pela Democracia; e Fórum Justiça do Rio Grande do Sul.
A nota questiona a aplicação da Lei 14.437, usada no período pandêmico – por não atender a necessidade de proteção dos trabalhadores exigida no momento de crise atual. Reivindica a edição, em regime de urgência, de um decreto federal que altere a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), vedando dispensas e descontos dos trabalhadores.
A manifestação veio em resposta ao ofício expedido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por meio da Superintendência Regional do Trabalho no RS, em 12 de maio último, permitindo a realização de acordos e convenções coletivas, com base na Lei 14.437, prevendo possibilidade de antecipação de férias individuais e concessão de férias coletivas, realização de tele-trabalho, aproveitamento e antecipação de feriados, uso de banco de horas, redução e até suspensão de jornada.
Desde o início das enchentes históricas no RS, o Ministério Público do Trabalho (MPT) recebeu um grande volume de denúncias de assédio de trabalhadores para retorno ao trabalho. São principalmente denúncias envolvendo empresas que estão constrangendo seus funcionários para retornarem ao serviço. Mais de metade dessas denúncias também envolve ameaças de demissão, o que evidencia a gravidade da situação.
Conforme orientação da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), pessoas impedidas de comparecer ao trabalho em razão das enchentes no Rio Grande do Sul devem emitir atestado junto à Defesa Civil do seu município. Os atestados são vinculados ao CEP do requerente e podem conter informações sobre a impossibilidade de deslocamento para quem trabalha em cidade diferente de onde reside. A autenticação on-line confere validade e segurança ao documento.
Não se pode reerguer a economia, penalizando trabalhador
Para Cássio Calvete, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS e doutor em Economia Social do Trabalho, pesquisador da história do mercado de trabalho brasileiro, o momento pede solidariedade real e não apenas marketing solidário.
Segundo ele, para a economia gaúcha se reerguer, é preciso uma legislação que dê garantias aos trabalhadores. “Qualquer auxílio financeiro concedido às empresas precisa buscar como contrapartida a manutenção de empregos para garantir o círculo virtuoso da economia e a manutenção da vida”, afirma.
Calvete acredita que o governo será sensível aos apelos das entidades que representam os trabalhadores e espera que seja editada uma Medida Provisória resguardando direitos dos trabalhadores neste momento de calamidade.
Conforme Saulo Nascimento, presidente da AGETRA, neste momento, as empresas precisam estabelecer políticas claras para situações emergenciais, contribuindo para a segurança e bem-estar dos empregados, alinhadas com ações de responsabilidade social corporativa. “A solidariedade e o apoio mútuo entre empregadores, empregados e comunidade são fundamentais para superar os desafios impostos por desastres de grande escala”, destaca documento formulado pela associação para orientação dos advogados trabalhistas. A entidade também defende a negociação coletiva como instrumento para regular as relações de trabalho neste período de crise no RS.
CUT questiona caráter flexibilitário da Lei 14.437
Desde o início do quadro de calamidade, sindicatos de todo o RS – e também de outros estados do país – estão unidos no apoio à população atingida. Batizada de “Unidos pela Reconstrução do Rio Grande do Sul”, a campanha tem como diretrizes “Solidariedade, Ação, Preservação de Vidas, de Empregos e Direitos”.
Segundo Amarildo Cenci, presidente da CUT-RS, a ideia é ampliar a base de apoio às cozinhas comunitárias e apoiar os sindicatos filiados à central no mapeamento das necessidades envolvendo suas bases.
Para discutir a questão trabalhista, a CUT-RS reuniu federações e sindicatos, de forma virtual, de 13 a 17 de maio, para uma ampla discussão sobre medidas que poderão ser tomadas para proteger os trabalhadores no RS.
O manifesto assinado pela CUT, Federações e sindicatos (leia aqui) também faz críticas à aplicação da Lei 14.437, por seu caráter flexibilizatório de direitos e pela tentativa de cancelar a representação sindical nas negociações.
Para garantir segurança jurídica e a proteção de direitos dos trabalhadores do RS, o documento salienta a necessidade urgente de uma legislação própria que assegure a participação dos sindicatos nos acordos de trabalho e a prorrogação de no mínimo 90 dias das convenções coletivas.
Na sequência, são listadas ações que poderiam ser feitas para garantir empregos e gerar novos postos de trabalho. Sugere a liberação de FGTS sem limitações para os atingidos pelas enchentes, liberação de crédito a fundo perdido para MEIs, pequenas e médias empresas, renegociação de dívidas e suspensão de juros para crédito rural de pequenos agricultores, entre outros itens. Também propõe o cancelamento de programas de privatização e terceirização dos serviços públicos e preenchimento de vagas de concursos ativos, contratos emergenciais, novos concursos e estabilidade de servidores temporários.
Ao final, o manifesto enfatiza que o objetivo é estabelecer parâmetros para a discussão com o governo nos três níveis, com o legislativo e com a justiça do trabalho e judiciário, servindo também de base para o exercício das nossas negociações junto aos empregadores da iniciativa privada e pública.
CTB sugere ultratividade das normas coletivas por seis meses
A Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) também lançou um manifesto apontando caminhos para garantia de emprego, renda e cidadania, em face das enchentes no RS. Segundo Guiomar Vidor, presidente estadual da CTB no RS, é preciso evitar o uso oportunista de medidas emergenciais trabalhistas, protegendo trabalhadores do temor da perda do emprego e da renda e da ameaça de descontos de dias de falta para quem não tem condições de retornar ao trabalho.
O manifesto da CTB (leia aqui) apresenta como sugestão um Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, com a possibilidade de suspensão temporária do contrato de trabalho, com o consequente pagamento do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm).
Também reivindica abono de faltas, que devem ser consideradas justificadas quando acompanhadas do atestado emitido pela defesa civil e proibição de dispensas de trabalhadores neste período. Sugere também a ultratividade por 6 meses da última norma coletiva vigente para cada categoria.
Fontes