G20 aprova imposto às multinacionais: um golpe ao neoliberalismo?

Os membros do G20, que representam 85% do produto interno bruto (PIB) mundial e incluem Argentina, Brasil e México, querem tributar “de forma justa” especialmente os gigantes digitais que sonegam impostos.

Isabella Arria

Fonte: CLAE
Tradução: DMT
Data original da publicação: 11/07/2021

Os ministros das Finanças do G20 chegaram a um acordo histórico em Veneza para criar um imposto global mínimo sobre as empresas multinacionais, o qual deve entrar em vigor em 2023 a uma taxa não inferior a 15%. Esse novo imposto incidirá sobre as menos de 10 mil grandes empresas com faturação anual superior a 890 milhões de dólares e dirige-se especialmente às 100 empresas mais rentáveis do planeta que concentram mais da metade dos lucros mundiais.

Os membros do G20, que representam 85% do produto interno bruto (PIB) mundial e incluem Argentina, Brasil e México, querem tributar “de forma justa” especialmente os gigantes digitais que sonegam impostos.

Os ministros chegaram a um acordo para apoiar o mecanismo de tributação para multinacionais estabelecido em 1º de julho por 130 países e jurisdições dos 139 que fazem parte da chamada estrutura inclusiva da OCDE. “Os países do G20 concordaram aqui que desejam enfrentar uma nova ordem tributária internacional”, disse o ministro das Finanças alemão, Olaf Scholz.

Segundo o ministro da Economia da França, Bruno Le Maire, a espinha dorsal do que ele chamou de nova arquitetura tributária para o século 21 está no desenho de mecanismos para que essas empresas paguem impostos nas nações onde lucram e não – como acontece hoje – nas quais estabelecem seu domicílio fiscal.

Nesse sentido, alguns analistas apontam que o acordo tem um significado que vai muito além dos 150 bilhões de dólares que arrecadar-se-á a cada ano: trata-se de reverter um dos pilares da estrutura neoliberal, aquele que permite aos grandes capitais maximizar seus lucros por meio de uma sonegação fiscal consagrada pelos próprios Estados vítimas de fraude.

A reforma visa distribuir equitativamente entre as nações o direito de tributar os lucros das multinacionais. O imposto mínimo global afetaria menos de 10 mil grandes empresas, ou seja, aquelas cujo faturamento anual ultrapassa 890 milhões de dólares. Por exemplo, uma empresa como a gigante do petróleo British Petroleum está presente em 85 países.

Tem como alvo as 100 empresas mais lucrativas do mundo que, sozinhas, obtêm metade dos lucros mundiais, como as GAFA (Google, Amazon, Facebook, Apple), explicou Pascal Saint-Amans, diretor do Centro de Política e Administração Fiscal da OCDE.

Esse acordo político abriu um processo de negociação para fechar elementos técnicos e permitir que mais países se juntassem antes da reunião de chefes de governo do G-20 em outubro, em Roma. Os governos da Irlanda, Hungria, Estônia e Chipre se distanciaram do acordo frente aos demais países da União Europeia.

De qualquer forma, a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, promotora da política tributária global do governo Joe Biden, indicou que embora o G20 tente fazer com que os pequenos países que resistem aceitem o acordo, “não é imprescindível que todos os países estejam a bordo para avançar”.

O que trata-se de impor ao imaginário coletivo é que a arquitetura financeira global do neoliberalismo desencadeou dois dos grandes males econômicos da atualidade: os paraísos fiscais e a chamada corrida pelo imposto mais baixo.

No primeiro caso, são países, regiões ou dependências coloniais que oferecem aos detentores de grandes capitais (sejam empresas ou pessoas físicas) condições ótimas para esconder suas fortunas, não só com alíquotas baixas ou inexistentes, mas também com políticas de sigilo bancário que facilitam a evasão fiscal e a lavagem de dinheiro.

O imposto mais baixo é uma consequência do absurdo de que as empresas não são obrigadas a pagar impostos onde obtêm seus lucros, de modo que os países ou regiões dentro deles são forçados a cobrar taxas mais baixas para evitar que as empresas sejam tributadas, a fim de evitar que as empresas instalem seus escritórios corporativos em áreas mais atraentes.

Nos Estados Unidos, por exemplo, há um verdadeiro êxodo empresarial de Nova York e Califórnia para o Texas e Flórida, estados que se destacaram pela redução ou eliminação de impostos sobre os mais ricos às custas de investimentos públicos e políticas sociais.

Parece que os países centrais assumiram que a ação tributária adaptada às grandes corporações manteve as nações em um déficit crônico e acarretou um custo incalculável em termos de desenvolvimento social e direitos humanos à saúde, educação, cultura, trabalho decente ou moradia, cujo cumprimento foi adiado para satisfazer a ganância e voracidade de um punhado de empresas.

Da mesma forma, no encontro os ministros discutiram a situação da economia mundial e a resposta dada à crise, destacando o papel das medidas de apoio para evitar danos estruturais e preservar o tecido produtivo e a estabilidade financeira, comprometendo-se a manter uma política expansionista para apoiar a recuperação, evitando a retirada prematura das medidas de apoio aos trabalhadores e empresas, ao mesmo tempo preservando a estabilidade financeira e a sustentabilidade fiscal a longo prazo.

Outro dos temas centrais do encontro foi a ação climática na área de finanças. Os ministros se comprometeram a abordar, na cúpula de outubro, um roteiro para promover finanças sustentáveis, mobilização de recursos para promover a transição verde e resiliência às mudanças climáticas, com mecanismos como o preço do carbono ou impostos ambientais.

A implementação do plano até 2023 vai depender de uma série de ações: os países terão que promulgar em suas leis as novas exigências tributárias mínimas e até algumas áreas podem exigir um tratado formal; no entanto, as normas que darão forma ao acordo ainda precisam ser escritas.

Sempre há o risco de que transformem seu espírito em letra morta por meio de brechas e subterfúgios que dão rédea solta à simulação por parte de autoridades e capitalistas. Os ministros concordaram, porém à tarde centenas de manifestantes anti-G-20 marcharam por Veneza, com momentos de tensão, enquanto o setor do Arsenal, onde foi realizada a reunião, permaneceu blindado pela polícia.

Isabella Arria é jornalista chilena residente na Europa, analista associada ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE).

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