O presidente Jair Bolsonaro mentiu em diversos momentos durante seu discurso na abertura da 76ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, realizada em 21/09. E na área ambiental não foi diferente. Em sua fala, Bolsonaro apresentou dados distorcidos, omitiu informações reais e escondeu o avanço do desmatamento e das queimadas nos biomas brasileiros, o que incomodou o especialista Wagner Ribeiro, professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (USP).
Em sua coluna no Jornal Brasil Atual, o geógrafo chamou a apresentação de “show de horror que mais uma vez afunda a nossa credibilidade”. Ao mundo, o presidente da República afirmou, por exemplo, que o Brasil reduziu em 32% o desmatamento, entre janeiro e agosto deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado. Mas, de acordo com Ribeiro, esse dado isolado não reflete a realidade do que acontece sob o atual governo federal.
Há três anos, ainda no governo de Michel Temer, o desmatamento havia fechado em 3.336 quilômetros quadrados de janeiro a agosto, enquanto, no mesmo período deste ano, o total de áreas devastadas foi de 6.026 quilômetros quadrados, quase o dobro de 2018. O desmatamento na Amazônia, em agosto, foi o maior em 10 anos. Segundo dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto Homem e Meio Ambiente da Amazônica (Imazon), a área desmatada foi 7% maior do que o registrado em agosto de 2020.
Sem credibilidade
De acordo com o professor da USP, Bolsonaro também omitiu que entre agosto de 2019 e julho de 2020, a exploração de madeira na Amazônia foi quase três vezes o tamanho da cidade de São Paulo. E pelo menos 11% dessa exploração ocorreu em áreas protegidas, destaca, com base em levantamento do portal G1. O dado, garante Ribeiro, também coloca em xeque o cumprimento do Código Florestal do país, que o presidente ressaltou como um “exemplo”. “Essa informação mostra que está ocorrendo maior desmatamento onde não poderia ocorrer, nas unidades de conservação e nas terras dos povos originários, das comunidade indígenas”, contesta.
“A própria legislação brasileira, que ele (Bolsonaro) falou que é muito boa, está sendo desmontada pelo governo dele. Ela é fragilizada na medida que não se tem corpo técnico qualificado que possa atuar nas condições que se dispunha até pouco tempo atrás”, pontua. “Então ele afirma esse dado sem trazer maiores evidências. Enquanto o mundo está acompanhando em tempo real, por imagens de satélites, que não é isso que está ocorrendo”, avalia o geógrafo.
Futuro do emprego verde?
Nem mesmo um dos poucos pontos de concordância passou sem críticas do especialista. No discurso, o presidente da República mencionou que “o futuro do emprego verde está no Brasil”. A medida de criar postos de trabalho que possam reduzir as emissões de carbono é de fato uma aposta de ambientalistas, mas a ponderação de Ribeiro é que nas premissas que o próprio Bolsonaro elencou, “não temos ações do governo de incremento necessário para aquilo que ele reconhece como fundamental”.
O mandatário citou como exemplo a energia renovável. “Estamos assistindo um governo que está querendo taxar energia solar, que é energia renovável. Ele está ao contrário do que falou”, critica. Bolsonaro apontou, na sequência, a agricultura sustentável, sendo um defensor do modelo do agronegócio que usa de forma indiscriminada agrotóxicos. Ao menos 945 venenos já foram aprovados em dois anos de governo.
A fala também fez referência à indústria de baixa emissão. Mas o professor da USP lembra que a gestão federal “está transformando o Brasil hoje em um exportador de commodities. E isso é na verdade também muito preocupante, porque temos o setor de mineração como grande exportador e ele não tem nada de baixa emissão”.
Outras distorções
“A lei do saneamento que foi aprovada em seu governo estimula a privatização dos consórcios. Isso vai na direção oposta do direito humano à água. O governo estimula a queima de resíduos de conversão para fonte de energia, não o tratamento. E o turismo tem como grande matriz as unidades de conservação que estão sendo duramente atacadas e destruídas”, explica Wagner Ribeiro.
Em nota, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) também destacou que a realidade vivida pelos povos indígenas é de “conflito e violência”. E alertou que o fato existir no Brasil 829 terras indígenas com pendências administrativas, das quais 536 sem nenhuma providência do Estado para iniciar o processo demarcatório, “desmente a afirmação de que os povos indígenas estariam vivendo e suas terras em liberdade”.
Confira a entrevista:
Fonte: RBA
Texto: Clara Assunção
Data original da publicação: 22/09/2021